Loucura metafórica e
psicopatologias
Pedro
J. Bondaczuk
O que se passa na
cabeça de um louco? É possível saber? Respondo, sem titubear, baseado
exclusivamente na lógica: não!!!! E em circunstância alguma! Ninguém, em lugar
e tempo algum, conseguiu, mesmo que remotamente, “ler” pensamentos alheios.
Aliás, não dá para se saber nem o que se passa na mente não só do indivíduo que
se comprove (sem dúvidas) que seja insano, como na de ninguém, quer do tido e
havido como rigorosamente “normal”, quer do que é classificado como gênio.
Nenhum de nós sabe o
que se passa em nossos substratos inferiores, no âmago do que é genericamente
definido como “alma”. Ou seja, no subconsciente e no inconsciente. Ademais, se
faz indispensável definir e delimitar com precisão a designação “loucura”. Há a
meramente “metafórica” – a que não passa de um conjunto de pensamentos e de
atitudes considerados exóticos pela sociedade, mas que estão longe de ser doentios.
E há os verdadeiros e comprovados desarranjos mentais. O termo é genérico
demais. Tanto que nem é mais usado pelos especialistas: psicólogos,
psicanalistas e psiquiatras. As verdadeiras doenças mentais, caracterizadas por
delírios, alucinações e outras tantas formas de distorção ou de fuga da
realidade, recebem nomes específicos, como psicoses, esquizofrenias, paranóias
etc. ou o mais genérico: psicopatologias.
O termo “louco” (que em
determinados contextos e circunstâncias é utilizado como forma de xingamento),
não é mais usado, pois, pelos especialistas, para doenças mentais, a não ser
pelos leigos que, ademais, não têm o mais remoto conhecimento para determinar
quem é sadio mentalmente e quem não é. Aliás, essa “loucura”, digamos,
metafórica, de quem pensa, fala, escreve e faz o que não é usual na sociedade,
que caracteriza, não raro, a rebeldia, é até defendida por escritores ilustres.
É o caso, por exemplo, do polêmico filósofo, filólogo, poeta e compositor
alemão, Friedrich Wilhelm Nietzsche. Para ele, “há sempre um pouco de razão na
loucura”. E não há?!
Outro que opinou a
respeito foi o escritor francês, Marcel Proust. Num dos volumes de sua extensa
obra memorialística que leva o título geral de “Em busca do tempo perdido”,
defendeu: “Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós
certas pequenas loucuras”. E não temos?!!! Entendo que sim! Até porque, se não
o fizermos, é possível que venhamos a ser atingidos pela verdadeira loucura.
Não a figurada, a metafórica, mas a patológica. O escritor norte-americano Jack
Kerouac, ídolo dos antecessores dos hippies (os beatniks), assim se expressou a
propósito: “As únicas pessoas que me agradam são as que estão loucas: loucas
por viver, loucas por falar, loucas por salvarem-se”.
Claro que a “loucura”,
reitero, que estes escritores – e centenas de outros mais que poderia citar –
defenderam, e até com paixão, não é a doença, o desarranjo, a patologia. É,
sim, a fuga da “mesmice”, da acomodação, da bovina conformidade, do lugar
comum. É a rebeldia, posto que com causa e, portanto, sadia. É a imposição da
nossa personalidade, da nossa característica individual, daquilo que nos
distingue dos demais no dia a dia. Aliás, um dos livros clássicos do “pai da
psicanálise”, Sigmund Freud – que recomendo a todos, mesmo que não se
interessem tanto pelo assunto – é “Psicopatologia da vida cotidiana”. Para nós,
escritores, esse clássico da literatura psicanalítica é uma espécie de
“cartilha” a nos orientar na elaboração do perfil psicológico, mental e comportamental
de nossos personagens.
O filósofo alemão,
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, defendeu a tese de que o desarranjo mental não
implicaria em perda da razão – que nos
torna inteligentes e com capacidade de identificar a realidade e de nos situar nela.
Foi mais longe e até deu a entender que a loucura é pertinente e necessária a
todos, por ser inerente à dimensão humana. Caso se referisse à que cunhei
informalmente de “metafórica” (à referida pelos escritores que citei) até que
estaria correto. Ocorre que se referiu, de fato, à insanidade patológica
(expressão que me parece redundante, mas que uso como superlativo). E, nesse
caso... “pisou na bola”. Até porque, embora fosse um dos mais notáveis e
respeitados filósofos do seu tempo (posto que polêmico), entendia de
psicopatologias tanto quanto eu, você, seu vizinho, seu amigo, etc. etc.etc. Ou
seja, nada!
A poetisa portuguesa
Florbela Espanca, ao tentar justificar algumas de suas atitudes consideradas
por seus desafetos como atos de loucura, escreveu, em uma carta, a uma amiga
(texto este que consta do livro “Correspondências”): “Afinal, quem é que tem a
pretensão de não ser louca? Loucos somos todos!!!. E livre-me Deus dos
verdadeiros ajuizados, que esses são piores que o diabo!”. Claro que se referia
(faço questão de frisar e de reiterar), à loucura no sentido figurado, no
metafórico, na acepção popular. Seu desabafo tinha por alvo os que os
adolescentes chamam de “caretas”. Estes, convenhamos, são de amargar! São, como
Florbela Espanca considerou, de forma até desaforada, mas compreensível,
“piores que o diabo!”. E não são?!
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