Caráter e personalidade
Pedro
J. Bondaczuk
Os educadores – e os
moralistas de plantão – falam, amiúde, sobre caráter e da necessidade de formar
no educando um que seja sólido e a salvo de qualquer abalo. Quando uma pessoa
age contra princípios legais e, em especial morais, diz-se que ela não possui
essa característica, essa estrutura, esse conjunto de virtudes que, se
possuísse, seria modelo de comportamento a ser seguido. Todavia, essa espécie
de “distintivo” nosso, que nos caracteriza e nos diferencia de qualquer outra
pessoa (mesmo de gêmeo univitelino) é, em geral, confundido com
“personalidade”. Sobretudo os leigos consideram esses dois conceitos sinônimos.
Até em Psicologia há correntes com esse entendimento, que considero equivocado.
Caráter não se molda pela educação. Personalidade, sim. Uma pergunta se impõe,
antes de desenvolver o tema: é importante para o leigo estabelecer essa
distinção? E mais: que importância isso tem para um escritor?
No primeiro caso, para
o cidadão comum, que não entenda nada de Psicologia e nem se importe em
entender, distinguir caráter de personalidade não faz a menor diferença. Já
para quem vive de fazer Literatura, isso importa, e muito. Afinal, o escritor
lida com palavras. E quanto mais precisas elas forem, quanto mais exatas
puderem ser as definições de conceitos com os quais lida, tanto melhor. Sua
obra ganha em conteúdo e credibilidade. Além disso, o escritor é “criador” de
personagens. Estabelece não só seus perfis físicos, sua indumentária e
costumes. “Inventa” não apenas suas ações, mas tudo o que as motive e
determine, de sorte a tornar essas figuras criadas pela sua imaginação
rigorosamente verossímeis. Mesmo que o
leitor desatento não perceba, quem vive
de escrever cita, o tempo todo, ora um, ora outro desses dois conceitos. E não
se admite que não os conheça, pelo menos nos seus aspectos mais elementares e,
por isso, os confunda.
Pincei, a esmo, em
minhas fichas de leitura, citações de diversos autores sobre esses dois dos
nossos “distintivos”, que nos caracterizam e nos distinguem uns dos outros e
que, reitero, não são sinônimos, embora as diferenças sejam sutis (contudo não
apenas semânticas como muita gente defende). Confúcio, por exemplo, declarou:
“Ao examinarmos os erros de uma pessoa, conhecemos o seu caráter”. Oscar Wilde,
por seu turno, garantiu: “Se há uma coisa que destrua a personalidade, essa
coisa é a fidelidade às promessas; talvez, também, o gosto pela verdade”. Para
Carlos Drummond de Andrade, “as dificuldades são o aço estrutural que entra na
construção do caráter”. Cora Coralina confessou, por sua vez: “Procuro suportar
todos os dias minha própria personalidade renovada, despencando dentro de mim
tudo o que é velho e morto”.
É certo que estas
citações não deixam claras as diferenças entre as duas características. Para
Alfred Montapert, “o caráter é a soma de milhares de pequenos esforços para
viver de acordo com o que de melhor há em nós”. A escritora portuguesa Agustina
Bessa Luís, no entanto, escreveu: “A rapidez que as pessoas imprimem às suas
vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a
‘personalidade de momento’. Sobretudo nos políticos e homens à escala
governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada
hora, vinculadas ás situações proteiformes”.
Para explicar, de forma
razoavelmente didática, a diferença entre estes dois conceitos, recorro à
enciclopédia eletrônica Wikipédia, que cita o filósofo francês René Le Senne
que, por sua vez, estabelece a seguinte (e para mim definitiva) distinção:
“Caráter refere-se ao conjunto de disposições congênitas, ou seja, que o
indivíduo possui desde seu nascimento e compõe, assim, o esqueleto mental da
pessoa. Já personalidade é definida como o conjunto de disposições mais
‘externas’, como que a ‘musculatura mental’ - todos os elementos constitutivos
do ser humano que foram adquiridos no correr da vida, incluindo todos os tipos
de processos mentais”.
Alguns entendem, como o
filósofo francês que mencionei, que se nasce com essa excelência e que a educação
apenas a consolida. Também entendo dessa forma. Outros, todavia, acham que ela
não é congênita. São os que não a distinguem de personalidade e consideram,
portanto, ambas meramente sinônimas. Afirmam que o caráter precisa ser moldado
com ensino e, sobretudo, com treinamento. No caso, todavia, pretendiam
referir-se, no meu modo de entender, a “personalidade”. Mas, cá para nós: Como
o homem é complexo e assustador! Um bebê, quando cresce, pode se transformar em
um santo ou em um demônio. Em um São Francisco de Assis ou em um Adolf Hitler.
É impossível prever como será quando adulto.
O estudo do caráter é
tão complexo, que há uma ciência específica dedicada exclusivamente a ele: a
Caracterologia, dividida, aliás, em várias escolas, O também filósofo francês,
Gaston Berger, chega a apontar oito tipos de caracteres, definidos a partir de
três características básicas descritas por Le Senne: emotividade, atividade e
ressonância. Voltarei, oportunamente, ao assunto. Por hoje, deixo clara apenas
a distinção, com base nos estudos de eminentes psicólogos, entre esses dois
conceitos tão importantes, mas tão controvertidos, amiúde confundidos como
sendo um único. Caráter é inato e não sofre influências do meio. Já a
personalidade é mais ampla. É, ela sim, “moldável e moldada” pelo meio e pela
educação e, principalmente, é influenciada por todas nossas experiências vida
afora.
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