Saturday, May 09, 2015

Pressupostos para negociações


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail Gorbachev, ao que tudo indica, seguiram, para as gélidas terras da Islândia, imbuídos de uma vontade férrea de descongelar, de vez, as sempre tensas relações das duas superpotências. Parecem determinados a substituir o permanente tom de hostilidade e de ostensiva (ou velada) ameaça mútua, com que os dois países se tratavam até aqui, por pelo menos uma linguagem mais civilizada. E, mais do que isso, por negociações em torno dos temas que os separam e os confrontam.

Cada qual, é evidente, está levando no bolsinho do colete uma listinha de exigências a fazer à outra parte. Do lado norte-americano, a imprensa internacional divulgou, “ad náusea”, o que se exige que o Cremlin faça para que ganhe credibilidade aos olhos do Ocidente..

A primeira questão (excluído, evidentemente, o tema básico da própria reunião de cúpula informal de Reykjavik, que é o desarmamento nuclear), que Reagan, fatalmente, vai abordar em sua conversa de hoje (ou, talvez, na de amanhã) será a incômoda e desestabilizadora presença militar soviética no Afeganistão. Por tabela, vai aproveitar para pedir a desocupação de outros países, como Angola, por exemplo, que conta com a presença de 20 mil soldados cubanos; Cambodja, com dezenas de milhares de vietnamitas e, talvez, mencione a Nicarágua, quem sabe.

Outro pedido que, fatalmente, fará será o referente ao cumprimento dos acordos de Helsinque, a respeito de direitos humanos. É verdade que na atual gestão de Mikhail Gorbachev, nenhum caso de grande repercussão internacional, envolvendo dissidentes conhecidos no Ocidente, foi registrado. Ao contrário, alguns prisioneiros célebres até ganharam a liberdade. Mas há, ainda, dezenas de outros encarcerados pelo “crime” de desejarem viver em uma sociedade diferente daquela que vivem; que não concordam com invasões intempestivas a países pobres e indefesos (como o Afeganistão), como é o caso específico do renomado físico nuclear Andrei Sakharov, amargando, há seis anos, um exílio interno em sua própria pátria, apenas por esse motivo.

Há, ainda, inúmeros homens e mulheres sepultados vivos em manicômios, como se, de fato, fossem loucos, dopados de poderosos psicotrópicos para que se desequilibrem de vez, punidos com tão cruel castigo apenas por terem discordado de algum burocrata burro e ocioso ou de algum funcionário venal, mas poderoso, do onipresente Partido Comunista.

Outras tantas dezenas deles, em geral intelectuais, engenheiros, biólogos, físicos, químicos, médicos, jornalistas, gente que poderia estar servindo à humanidade e ao seu país, segregada dos familiares e amigos, aviltada em sua dignidade pessoal e reduzida à humilhante escravidão, fazendo serviços braçais em campos de trabalhos forçados, nos inúmeros “gulags” espalhados pelo imenso território soviético, de dimensões continentais. 

Gorbachev, é verdade, pode não ter tido nenhuma responsabilidade nesses casos. Provavelmente, não tem. Mas conta com o poder de acabar com essa vergonhosa prática, vexatória e inconcebível num país que fez uma revolução para que jamais um camponês voltasse a ser tratado como propriedade dos outrora todo-poderosos senhores feudais.

Só que muitos desses mujiques, outrora objetos, hoje membros ilustres do partido único, fazem, atualmente, com 249 milhões de soviéticos, o mesmo contra o que arriscaram as suas vidas para se livrar. Submetem seu povo à pior das servidões, à de não poder pensar, de não ter direito a uma opinião própria e de sequer esboçar algo nesse sentido.

Se Mikhail Gorbachev concordar, num só desses pontos, com Reagan, estará dando um passo histórico. Obterá, certamente, concessões no tocante a desarmamento e muito mais. Estará criando uma base permanente de confiança para um diálogo profícuo. Se isso acontecer, a reunião de Reykjavik, mesmo que não redunde na assinatura de qualquer acordo, ficará nos registros políticos como o início de um processo de desarmamento mundial.   .

Mas se preferir encastelar-se em suas rígidas posições e não ceder em absolutamente nada, as superpotências estarão perdendo, provavelmente, a última oportunidade de garantir um futuro a salvo do maquiavélico “MAD” (Mútua Destruição Assegurada), chamado de “equilíbrio do medo”. Ambos têm, a partir de hoje, um grave compromisso com a história, com o futuro, com a humanidade e, principalmente, com a vida.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 11 de outubro de 1986).


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