Pressupostos para negociações
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail
Gorbachev, ao que tudo indica, seguiram, para as gélidas terras da Islândia, imbuídos
de uma vontade férrea de descongelar, de vez, as sempre tensas relações das
duas superpotências. Parecem determinados a substituir o permanente tom de
hostilidade e de ostensiva (ou velada) ameaça mútua, com que os dois países se
tratavam até aqui, por pelo menos uma linguagem mais civilizada. E, mais do que
isso, por negociações em torno dos temas que os separam e os confrontam.
Cada
qual, é evidente, está levando no bolsinho do colete uma listinha de exigências
a fazer à outra parte. Do lado norte-americano, a imprensa internacional
divulgou, “ad náusea”, o que se exige que o Cremlin faça para que ganhe
credibilidade aos olhos do Ocidente..
A
primeira questão (excluído, evidentemente, o tema básico da própria reunião de
cúpula informal de Reykjavik, que é o desarmamento nuclear), que Reagan, fatalmente,
vai abordar em sua conversa de hoje (ou, talvez, na de amanhã) será a incômoda
e desestabilizadora presença militar soviética no Afeganistão. Por tabela, vai
aproveitar para pedir a desocupação de outros países, como Angola, por exemplo,
que conta com a presença de 20 mil soldados cubanos; Cambodja, com dezenas de
milhares de vietnamitas e, talvez, mencione a Nicarágua, quem sabe.
Outro
pedido que, fatalmente, fará será o referente ao cumprimento dos acordos de
Helsinque, a respeito de direitos humanos. É verdade que na atual gestão de
Mikhail Gorbachev, nenhum caso de grande repercussão internacional, envolvendo
dissidentes conhecidos no Ocidente, foi registrado. Ao contrário, alguns
prisioneiros célebres até ganharam a liberdade. Mas há, ainda, dezenas de
outros encarcerados pelo “crime” de desejarem viver em uma sociedade diferente
daquela que vivem; que não concordam com invasões intempestivas a países pobres
e indefesos (como o Afeganistão), como é o caso específico do renomado físico
nuclear Andrei Sakharov, amargando, há seis anos, um exílio interno em sua
própria pátria, apenas por esse motivo.
Há,
ainda, inúmeros homens e mulheres sepultados vivos em manicômios, como se, de
fato, fossem loucos, dopados de poderosos psicotrópicos para que se desequilibrem
de vez, punidos com tão cruel castigo apenas por terem discordado de algum
burocrata burro e ocioso ou de algum funcionário venal, mas poderoso, do
onipresente Partido Comunista.
Outras
tantas dezenas deles, em geral intelectuais, engenheiros, biólogos, físicos,
químicos, médicos, jornalistas, gente que poderia estar servindo à humanidade e
ao seu país, segregada dos familiares e amigos, aviltada em sua dignidade
pessoal e reduzida à humilhante escravidão, fazendo serviços braçais em campos
de trabalhos forçados, nos inúmeros “gulags” espalhados pelo imenso território
soviético, de dimensões continentais.
Gorbachev,
é verdade, pode não ter tido nenhuma responsabilidade nesses casos.
Provavelmente, não tem. Mas conta com o poder de acabar com essa vergonhosa
prática, vexatória e inconcebível num país que fez uma revolução para que
jamais um camponês voltasse a ser tratado como propriedade dos outrora
todo-poderosos senhores feudais.
Só
que muitos desses mujiques, outrora objetos, hoje membros ilustres do partido
único, fazem, atualmente, com 249 milhões de soviéticos, o mesmo contra o que
arriscaram as suas vidas para se livrar. Submetem seu povo à pior das servidões,
à de não poder pensar, de não ter direito a uma opinião própria e de sequer esboçar
algo nesse sentido.
Se
Mikhail Gorbachev concordar, num só desses pontos, com Reagan, estará dando um
passo histórico. Obterá, certamente, concessões no tocante a desarmamento e
muito mais. Estará criando uma base permanente de confiança para um diálogo
profícuo. Se isso acontecer, a reunião de Reykjavik, mesmo que não redunde na
assinatura de qualquer acordo, ficará nos registros políticos como o início de
um processo de desarmamento mundial. .
Mas
se preferir encastelar-se em suas rígidas posições e não ceder em absolutamente
nada, as superpotências estarão perdendo, provavelmente, a última oportunidade
de garantir um futuro a salvo do maquiavélico “MAD” (Mútua Destruição
Assegurada), chamado de “equilíbrio do medo”. Ambos têm, a partir de hoje, um
grave compromisso com a história, com o futuro, com a humanidade e,
principalmente, com a vida.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 11 de outubro de
1986).
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