Friday, May 08, 2015

Por um pacto social autêntico


Pedro J. Bondaczuk


O propalado pacto social que se busca obter (e deve ser conseguido, para o bem de todos nós) vem sendo chamado de forma inadequada. Na verdade, este, que está sendo negociado, é, meramente, de caráter econômico.

O País precisa, todavia, de um acordo nacional mais amplo para proteger, por exemplo, cerca de 36 milhões de crianças abandonadas ou carentes. E, principalmente, para evitar que cerca de sete milhões de meninos, meninas e adolescentes brasileiros continuem vivendo nas ruas, revolvendo lixeiras, esmolando ou trabalhando como vendedores ambulantes, quando não empregados por perversos traficantes de drogas, na qualidade de entregadores, ou explorados por calejados bandidos para a prática de pequenos delitos, como roubo de bolsas.

A Anistia Internacional acaba de divulgar um relatório chocante a esse respeito. E, dada a seriedade de postura dessa organização de defesa dos direitos humanos, com sede em Londres, não há porque duvidar de suas denúncias. Até porque elas são perfeitamente constatáveis. Basta que se abram bem os olhos e que se deixe um pouco de lado esse nosso individualismo pernicioso, que descamba para o puro egoísmo.

A entidade relatou que centenas de crianças vêm sendo assassinadas por esquadrões da morte em cidades brasileiras, sob a alegação dos bandos de extermínio de que estão cometendo esse hediondo crime para que “as ruas possam ficar limpas”. A sociedade é que precisa ficar limpa de elementos doentios, que se arrogam ao direito de vida e morte sobre seus semelhantes, à margem da ética e da lei.

Torna-se urgente, urgentíssima uma política consistente, que impeça que o País continue a jogar o seu futuro pelo ralo. Trata-se de uma tarefa que não pode mais esperar coisa alguma, nem vitórias sobre a inflação, nem que trabalhadores e empresários cheguem a eventuais entendimentos, nem o equacionamento da dívida externa (ou eterna?), nem coisa alguma.

Afinal, são vidas que estão em jogo. Para complicar, o tempo atua contra essas pessoas, absolutamente abandonadas e largadas ao Deus dará. O relatório da Anistia faz, em certo trecho, esta constatação, sumamente vexatória, ao afirmar, literalmente: “As crianças pobres no Brasil são tratadas com desprezo pelas autoridades e arriscam a vida pelo simples fato de sair às ruas”.

Que venha, pois, um genuíno pacto social, para não acontecer no País o que foi descrito pelo poeta francês, Leconte de Lisle, no poema “Sonhos Mortos”: “Mas o gênio, a esperança, a força, a mocidade/ei-los mortos na espuma e no sangue da luta”.        

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 7 de setembro de 1990)



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