O
bolo cresce, mas poucos convidados o comem
Pedro J. Bondaczuk
A economia brasileira será no ano 2000 a quarta do
mundo, com um Produto Interno Bruto de US$ 1 trilhão. Esta é a conclusão de um
estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e que será entregue ao presidente José Sarney nos próximos dias.
Os autores desse trabalho garantem que não se trata
de nenhuma projeção otimista e muito menos de uma avaliação calcada em arroubos
ufanistas. Para o BNDES, essa situação será uma decorrência lógica do
crescimento do PIB brasileiro às taxas atuais, entre 7,5 e 8% ao ano, contra
uma expansão populacional de 2,5%.
De acordo com a entidade financeira, como o “bolo”
cresce 5% anuais a mais que os “convidados”, a renda per capita nossa, que gira
hoje em torno de US$ 1.800 a cada período de 365 dias, mais do que dobrará,
ultrapassando os US$ 4.000.
Esse estudo, no entanto, contrasta de maneira
chocante com um outro, elaborado por um grupo que preparou o anteprojeto de
reforma da Previdência Social, que mostra uma realidade incômoda e perigosa. O
presidente José Sarney irá tomar ciência, nesta semana, que 52 milhões de
brasileiros são carentes, estando distribuídos entre as classificações de
pobres, miseráveis e indigentes. Essa cifra, diga-se de passagem, perfaz a do
total da nossa mão-de-obra válida, estimada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística em 52.442.112.
A exposição de motivos do projeto do ministro
Raphael de Almeida Magalhães decompõe percentualmente cada uma dessas faixas de
carência. Assinala que 12,8% dos brasileiros ganham somente até meio
salário-mínimo (Cz$ 420,00). Restam, ainda, 26,2% de pobres, com renda cujo
pico é de Cz$ 1.680,00. Tudo isso num país que hoje, a despeito de uma dívida
externa recorde em nível global, de US$ 105 bilhões, é a oitava economia do
Ocidente!
Deduz-se com a maior das facilidades que o problema
do brasileiro não é a inexistência de riqueza para dividir. O “bolo” foi
confeccionado, com o suor, sacrifício e engenhosidade do seu povo. O que ele
foi é mal repartido. A distribuição de renda nacional é simplesmente
escandalosa. Tanto é que uma pequena medida redistributiva, representada pelo
Plano Cruzado, permitiu, conforme depoimento dado anteontem pela
superintendente regional da Sunab em São Paulo, Marylena Chiarelli, o ingresso
imediato de 20 milhões de novos consumidores no mercado.
Essas pessoas, até início deste ano, raramente
adquiriam o básico para a sobrevivência, como carne bovina, frango, ovos, leite
e outros alimentos, corriqueiros na mesa dos cidadãos de classe média. São o
que os técnicos classificam de “consumidores emergentes”.
Por estes três dados, divulgados todos, por
coincidência, na sexta-feira, dá, certamente, para o leitor entender a razão
porque o crítico defende com tanto empenho as medidas decretadas pelo governo
em 28 de fevereiro passado.
Mesmo com suas evidentes falhas, suas visíveis
distorções e suas brechas para que seja sabotado. Se o Plano Cruzado é
imperfeito, que seja melhorado. Se dá margem ao surgimento do indesejável ágio,
que se estudem meios para se frear esse comportamento, detectando as razões que
o determinem e as alimentando, se estas forem justas.
O que não se pode sequer cogitar é em permitir que
esse contingente de 52 milhões de carentes cresça, ao invés de diminuir. Essas
pessoas são tão ou mais brasileiras do que nós. É mercê do seu trabalho que
nossa riqueza é gerada. Isso sim pode ser classificado de “milagre brasileiro”.
Ou seja, o fato de tantos operários desnutridos, doentes e mal-assistidos em
termos de saúde ainda conseguirem produzir alguma coisa.
Que vantagem cada um de nós terá se dentro de 13
anos formos a quarta economia mundial, mas tivermos um contingente de 100
milhões de famintos e miseráveis, como tudo leva a crer que acontecerá, se não
houver uma política coerente e humana?
Uma distribuição de renda mais sensata é um fator
gerador de novos lucros. Haverá mais pessoas consumindo, forçando as empresas a
produzirem mais, a investirem maiores somas, a empregarem mais operários, a
recolherem mais impostos e a auferirem maiores benefícios, lucrando não
unitariamente, mas na quantidade comercializada. É a chamada economia de
escala, praticada largamente em países prósperos e por isso poderosos, como os
Estados Unidos, o Japão, a Alemanha Ocidental, a França e a Itália, apenas para
citar três exemplos.
A simples ciranda financeira de antes foi uma das
responsáveis por este quadro desolador nos parâmetros sociais brasileiros. Que
cidadão de salário-mínimo pode investir em poupança? Qual deles tem condições
de adquirir ações, debêntures ou OTNs?
Mas o ideal seria que todos pudessem poupar de
alguma forma o seu suado dinheirinho, para que nosso desenvolvimento fosse
auto-financiado e não dependesse de empréstimos feitos, como classificou nesta
semana um influente economista norte-americano, “por banqueiros irresponsáveis,
de maneira irresponsável para governos igualmente irresponsáveis”.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 9 de novembro de 1986)
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