Monday, May 18, 2015

O bolo cresce, mas poucos convidados o comem



Pedro J. Bondaczuk


A economia brasileira será no ano 2000 a quarta do mundo, com um Produto Interno Bruto de US$ 1 trilhão. Esta é a conclusão de um estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que será entregue ao presidente José Sarney nos próximos dias.

Os autores desse trabalho garantem que não se trata de nenhuma projeção otimista e muito menos de uma avaliação calcada em arroubos ufanistas. Para o BNDES, essa situação será uma decorrência lógica do crescimento do PIB brasileiro às taxas atuais, entre 7,5 e 8% ao ano, contra uma expansão populacional de 2,5%.

De acordo com a entidade financeira, como o “bolo” cresce 5% anuais a mais que os “convidados”, a renda per capita nossa, que gira hoje em torno de US$ 1.800 a cada período de 365 dias, mais do que dobrará, ultrapassando os US$ 4.000.

Esse estudo, no entanto, contrasta de maneira chocante com um outro, elaborado por um grupo que preparou o anteprojeto de reforma da Previdência Social, que mostra uma realidade incômoda e perigosa. O presidente José Sarney irá tomar ciência, nesta semana, que 52 milhões de brasileiros são carentes, estando distribuídos entre as classificações de pobres, miseráveis e indigentes. Essa cifra, diga-se de passagem, perfaz a do total da nossa mão-de-obra válida, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 52.442.112.

A exposição de motivos do projeto do ministro Raphael de Almeida Magalhães decompõe percentualmente cada uma dessas faixas de carência. Assinala que 12,8% dos brasileiros ganham somente até meio salário-mínimo (Cz$ 420,00). Restam, ainda, 26,2% de pobres, com renda cujo pico é de Cz$ 1.680,00. Tudo isso num país que hoje, a despeito de uma dívida externa recorde em nível global, de US$ 105 bilhões, é a oitava economia do Ocidente!

Deduz-se com a maior das facilidades que o problema do brasileiro não é a inexistência de riqueza para dividir. O “bolo” foi confeccionado, com o suor, sacrifício e engenhosidade do seu povo. O que ele foi é mal repartido. A distribuição de renda nacional é simplesmente escandalosa. Tanto é que uma pequena medida redistributiva, representada pelo Plano Cruzado, permitiu, conforme depoimento dado anteontem pela superintendente regional da Sunab em São Paulo, Marylena Chiarelli, o ingresso imediato de 20 milhões de novos consumidores no mercado.

Essas pessoas, até início deste ano, raramente adquiriam o básico para a sobrevivência, como carne bovina, frango, ovos, leite e outros alimentos, corriqueiros na mesa dos cidadãos de classe média. São o que os técnicos classificam de “consumidores emergentes”.

Por estes três dados, divulgados todos, por coincidência, na sexta-feira, dá, certamente, para o leitor entender a razão porque o crítico defende com tanto empenho as medidas decretadas pelo governo em 28 de fevereiro passado.

Mesmo com suas evidentes falhas, suas visíveis distorções e suas brechas para que seja sabotado. Se o Plano Cruzado é imperfeito, que seja melhorado. Se dá margem ao surgimento do indesejável ágio, que se estudem meios para se frear esse comportamento, detectando as razões que o determinem e as alimentando, se estas forem justas.

O que não se pode sequer cogitar é em permitir que esse contingente de 52 milhões de carentes cresça, ao invés de diminuir. Essas pessoas são tão ou mais brasileiras do que nós. É mercê do seu trabalho que nossa riqueza é gerada. Isso sim pode ser classificado de “milagre brasileiro”. Ou seja, o fato de tantos operários desnutridos, doentes e mal-assistidos em termos de saúde ainda conseguirem produzir alguma coisa.

Que vantagem cada um de nós terá se dentro de 13 anos formos a quarta economia mundial, mas tivermos um contingente de 100 milhões de famintos e miseráveis, como tudo leva a crer que acontecerá, se não houver uma política coerente e humana?

Uma distribuição de renda mais sensata é um fator gerador de novos lucros. Haverá mais pessoas consumindo, forçando as empresas a produzirem mais, a investirem maiores somas, a empregarem mais operários, a recolherem mais impostos e a auferirem maiores benefícios, lucrando não unitariamente, mas na quantidade comercializada. É a chamada economia de escala, praticada largamente em países prósperos e por isso poderosos, como os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha Ocidental, a França e a Itália, apenas para citar três exemplos.

A simples ciranda financeira de antes foi uma das responsáveis por este quadro desolador nos parâmetros sociais brasileiros. Que cidadão de salário-mínimo pode investir em poupança? Qual deles tem condições de adquirir ações, debêntures ou OTNs?

Mas o ideal seria que todos pudessem poupar de alguma forma o seu suado dinheirinho, para que nosso desenvolvimento fosse auto-financiado e não dependesse de empréstimos feitos, como classificou nesta semana um influente economista norte-americano, “por banqueiros irresponsáveis, de maneira irresponsável para governos igualmente irresponsáveis”.           

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de novembro de 1986)


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