A verdadeira
normalidade
Pedro
J. Bondaczuk
“O gênio, o crime e a
loucura provêm, por igual, de uma anormalidade. Representam, de diferentes
maneiras, uma inadaptabilidade ao meio”. O autor dessa declaração é o poeta
português Fernando Pessoa. E, convenhamos, ele pode ter sido tudo, menos
“normal”, pelos padrões de comportamento aceitos no seu tempo que, ademais, são
os mesmos vigentes ainda hoje. Ostentou essa condição, sobretudo, por seu
perfil psicológico. Não estou afirmando que a “anormalidade” do escritor fosse
qualquer psicopatologia, embora apresentasse determinados procedimentos que
possibilitavam esse tipo de suspeita, senão conclusão. Tinha, sim, um que de
“loucura”, mas no sentido metafórico, no popular, no de quem age de forma
diferente da maioria.
Prefiro caracterizar a
personalidade e as ações de Fernando Pessoa como manifestações de
“genialidade”. Sua obra e sua inventividade (sobretudo a criação dos
heterônimos, cada qual com seu estilo distinto, como se fossem “muitos” poetas,
em vez de um único, ou seja, ele) permitem que seja classificado como “gênio”,
que de fato foi. Não se tratou de algo normal. Aliás, põe anormalidade nisso!!!
Não conheço nenhum escritor que sequer se aproximasse desse seu procedimento.
Há quem veja na criação dos heterônimos sintomas de dupla personalidade.
Tolice! Foi genialidade pura! Foi sacada inigualável! Aliás, se tivesse, mesmo,
esse desvio psicológico, ele não poderia ser chamado de “dupla personalidade”,
já que os heterônimos que criou foram pelo menos doze (suspeita-se que tenham
chegado ou se aproximado dos vinte).
A “normalidade” que
aqui se questiona, esclareço, não é a da sanidade mental e comportamental. É a
do conformismo. É a da falta de iniciativa. É a do comodismo e da recusa de
tentar coisas novas, com receio de fracassar. É a de pensar e agir
rigorosamente como a sociedade espera e prevê, mesmo que incorrendo em erros que
caracteriza a imensa maioria das pessoas. Para mim, isto nem é normal. Mas é o
padrão geralmente aceito no meio social. Que seja! É a essa “normalidade” (que
deve ser grafada, sempre, entre aspas) que me oponho e que tanta gente muito
mais habilitada do que eu se opõe.
O psicólogo austríaco,
Alfred Adler, fundador da “psicologia do desenvolvimento”, por exemplo, põe em
dúvida que ela sequer exista. Pincei, entre seus escritos, esta declaração: “As
únicas pessoas normais são aquelas que você não conhece bem”. Ou seja, no seu
entender (e no meu), basta conhecê-las para detectar nelas qualquer tipo de
anormalidade. O escritor Aldous Huxley segue nessa mesma linha. O autor de
“Admirável mundo novo” escreveu: “A normalidade é tão somente questão de
estatística”. Já o psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, vê, no
sujeito “normal” (pelos critérios que citei acima) um fracassado. Vislumbra
alguém sem coragem e disposição em se arriscar na luta por alguma causa justa e
nobre, por razões que sequer conseguiria explicar. Afirmou: “Ser ‘normal’ é o
ideal dos que não têm êxito, de todos os que se encontram abaixo do nível geral
de adaptação”.
Mas não foram, apenas,
especialistas no estudo da mente humana que se manifestaram contrários a esse
tipo de “normalidade”, que, no meu critério de avaliação, é o suprassumo da
anormalidade. O ex-Beatle John Lennon (anormalíssimo em seu comportamento, quer
no sentido positivo, da rebeldia e de criatividade, quer no negativo, sobretudo
por sua apologia às drogas), manifestou-se desta forma a propósito: “Eu tenho
um grande medo dessa coisa de ser ‘normal’”. Já o poeta português, Miguel
Torga, escreveu: “Até que ponto é o artista um anormal, não sei nem quero
saber. A anormalidade nunca me meteu medo, se é criadora. Agora até que ponto o
homem normal combate o artista e o quer destruir, já me interessa. A
normalidade causou-me sempre um grande pavor, exatamente porque é destruidora”.
A do tipo que citei, também me apavora.
Caso nossos remotos
ancestrais fossem todos conformados com o ambiente hostil em que viviam nos
primórdios da pré-história, se fossem acomodados à espera que a natureza
provesse todas suas necessidades, se não houvesse rebeldes criativos e
inconformados entre eles que tentassem, com seus próprios meios, aprender a
fazer fogo, construir habitações seguras e confortáveis, domesticar e criar
animais, cultivar a terra para produzir plantas comestíveis para garantir a
alimentação, o homem ainda estaria nas cavernas, exclusivamente á mercê do Deus
dará. Defendo a normalidade, sim, mas a notoriamente positiva (e óbvia). A do
respeito irrestrito às leis (se justas e universais, válidas rigorosamente para
todos, sem exceções) e às normas da boa convivência, sadia e harmoniosa. A da
moral e da ética, não fazendo ao próximo o que não queremos que nos façam. A da
bondade, do respeito, da solidariedade e da justiça. Isto, para mim, é ser
normal e virtuoso de fato. O mais...
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