Insatisfação
e rebeldia
Pedro J. Bondaczuk
A insatisfação é a mola
propulsora das nossas realizações, desde que, claro, não superestimemos nossa
capacidade, mas nos empenhemos para ampliá-la, mais e mais. É esse
descontentamento que move, entre outras coisas, a economia, gerando
necessidades (reais ou imaginárias), que as pessoas empreendedoras e dinâmicas
buscam satisfazer e lucrar com isso. Por não estarmos satisfeitos com
determinados comportamentos, nos empenhamos (ou deveríamos nos empenhar) em
mudá-los, em busca da perfeição. Desde que não exacerbada – e tudo o que é
exagerado tende a ser pernicioso – a insatisfação, portanto, nos mobiliza e
induz a criar obras materiais e espirituais e propiciar, dessa forma, o que se
define como “progresso”.
Carecemos, no entanto, nos dias
atuais, de certa rebeldia, sobretudo face à corrupção, aos desmandos e à
violência que campeiam e se multiplicam, arruinando nossas vidas. Onde foram
parar os grandes sonhos da juventude? Onde estão os valores éticos (e
estéticos) defendidos, há algum tempo, com garra e destemor por jovens
determinados e idealistas? Foram substituídos pelo comodismo? Parece que sim!
Foram trocados por cômodas posições individuais, sociais e econômicas, mais
instáveis e efêmeras, todavia, do que ousamos supor? É bastante provável! Foram
abastardados? Sabe-se lá!!!
O pior de tudo é que aqueles
idealistas da década de 60 do século passado não só renegaram seus ideais como
sequer os transmitiram aos filhos, numa admissão tácita de que estavam errados
(embora errassem, apenas, na estratégia e não nos objetivos).. Daí o cínico
desalento de hoje. Daí o individualismo inconseqüente. Daí o materialismo
exacerbado. Essa frenética busca por meras miragens, estas sim “caretices” de
quem não tem rumo e nem sonhos pelos quais batalhar. Como no início da década
de 60, temos, hoje, pessoas rebeldes e até em maior número do que naquela
ocasião. Mas sua rebeldia é inócua, posto que sem causa. Não se volta (salvo
uma ou outra exceção) à conquista de ideais superlativos.
As pessoas estão insatisfeitas
mas sequer conseguem definir o foco de suas insatisfações. Sua rebeldia
limita-se a mera tentativa de auto-afirmação, de batalha desordenada, muitas
vezes, destrutiva, ou, no mínimo, “catatônica”. Caracteriza-se pelo ceticismo
generalizado, mas passivo; pelo imobilismo, pela amargura, pelo isolamento.
Insisto: há exceções. Estas, contudo, são cada vez mais raras. Bandeiras,
convenhamos, não faltam para serem erguidas e defendidas. Existem em muito
maior quantidade do que existiam nos anos 60.
A rebeldia (mesmo a com causa) é
atitude geralmente mal-interpretada e volta e meia mal direcionada.
Rebelamo-nos, amiúde, contra o que não deveríamos nos rebelar: contra normas de
conduta saudáveis e necessárias e contra imposições de disciplina e de ordem
sem as quais nada e ninguém prosperam. Todavia, o que realmente envenena os
relacionamentos, e torna o mundo perigoso e ruim, passa batido e se avoluma,
geração após geração. Esse comportamento é mais comum na adolescência, quando
nos julgamos poderosos, invulneráveis, indestrutíveis e imortais, sem que,
claro, de fato, sejamos. Na minha época de juventude, o título de uma famosa
canção transformou-se em lema, em mantra, em palavra de ordem para a minha
geração: “não confie em ninguém com mais de trinta anos”. Sequer é necessária
maior análise para concluir sobre a estupidez e falta de sentido desse tipo de
rebeldia.
Naquela época, pensávamos, até
inconscientemente, que o passar dos anos tornava pessoas acomodadas, dóceis,
desossadas e, sobretudo, “caretas”. Ou seja, sem criatividade e nem
originalidade. Sequer passava pela nossa cabeça que não seríamos jovens para sempre
(achávamos que sim) e que um dia seríamos iguaizinhos aos que então
ridicularizávamos e pretendíamos segregar. Hoje, as coisas são diferentes?
Nossos filhos e netos aprenderam alguma coisa com nossos erros, que foram
imensos? Não! Definitivamente não! Com algumas mudanças, aqui e ali, seguem
cometendo as mesmíssimas tolices que nós que, certamente, resultarão em
idênticas conseqüências. Não é essa, pois, a rebeldia que defendo e que devemos
assumir.
Temos que nos rebelar, sim, e
muito, e sempre, mas contra injustiças, violência, corrupção, prepotência,
exploração do homem pelo homem e outras tantas mazelas, desnecessárias de serem
enumeradas. Mas em sentido prático e construtivo e não apenas limitado a um
inconseqüente e monótono bla-bla-blá. Precisamos agir, em vez de discursar.
Cabe-nos apresentar alternativas, e vivê-las, em vez de nos limitarmos a
deblaterar ou a agredir nossos próprios corpos. Compete-nos, sobretudo,
preservar e impedir que sigam destruindo o Planeta, nosso único domicílio
cósmico, que pede socorro e agoniza, sem que a maioria se dê conta.
A maior das rebeldias é a de não
aceitar nada menos do que a felicidade, para nós e para os que amamos. Devemos não apenas sonhar com ela, não só
lutar por sua concretização, mas “exigi-la”. E não num futuro distante, que
provavelmente sequer conheceremos. Sejamos rebeldes, sim, mas inteligentes!
Considero as artes, todas elas, como expressões de insatisfação. Todo artista
é, no fundo da alma, um rebelde. “Cria” beleza e transcendência, por não estar
satisfeito com a realidade que vive. Falta-lhe, porém, imprimir sentido prático
a isso. Precisa tentar transpor o que imagina do mundo ideal, refletido em suas
criações, para o mundo real.
O conformismo – pregado, até não
faz muito, por determinadas religiões como “virtude” – é o caminho mais curto
para a acomodação. Daí para a mediocridade é simples passo. A perseverança é o
antídoto contra a conformação. A rebeldia natural dos jovens (posto que caótica
e sem objetivo) é, insistentemente, combatida pelos encarregados de sua
educação (pais, professores etc.). É um erro. Em vez de sufocada, deveria ser
direcionada e, óbvio, em sentido construtivo. E, bem orientada, precisa ser
estimulada. Manda o bom senso que se aproveite essa tremenda energia dos jovens
para criar, construir e modificar para melhor o que esteja errado e seja danoso
e inadequado. Ser rebelde não é, pois, “destruir” a si próprio, recorrendo ao
álcool e às drogas e, principalmente, não é atacar os outros, mediante atos de
violência (como o terrorismo, por exemplo) que, de uma forma ou de outra,
retornarão ao violento. Afinal, como acentua famosa lei da Física, “a toda ação
corresponde uma reação, de igual intensidade e direção contrária”.
Contrariando famoso provérbio, no
final das contas, “o hábito faz o monge”. E como faz! Isto, apesar de todos os
esforços, notadamente dos jovens, para “desmoralizar” esse tipo de
comportamento, que só leva em conta a aparência exterior, aqueles sinais
visíveis de riqueza ou de pobreza, facilmente disfarçáveis e escamoteáveis, sem
atentar para o que a pessoa de fato é. Por paradoxal que possa parecer, a moda
conseguiu transformar, até, a “deselegância” em padrão de “elegância”. Cooptou,
dessa maneira, a (inútil e mal direcionada) rebeldia da juventude em relação à
aparência (cabelos e barba compridos) e ao traje, de movimentos como os dos
“beatniks”, “hippies” e “punks”. Calças
jeans, e ainda por cima puídas, que eram vestes características de pessoas não
apenas mal vestidas, mas miseráveis, são ostentadas, hoje em dia, com orgulho,
como “sumamente elegantes”, por rapazes e moças de classe média e até de
famílias abastadas, sem que quase ninguém mais repare e nem estranhe. Isso,
contudo, não é rebeldia. É mera distorção dos padrões estéticos. Sinais dos
tempos? Acredito que sim.
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