Monday, December 19, 2011







Séries nacionais - I

Pedro J. Bondaczuk

A televisão ofereceu, em termos de seriados nacionais, diversas e eexcelentes opções ao telespectador em 1984. Além de "O Bem Amado", recém-extinto pela Rede Globo, mais nove foram levados ao ar em três canais, dando uma média de quase um por mês. E a qualidade foi tão alta, que o crítico fica em situação difícil na hora de apontar aquele que no seu entender foi o melhor. Aliás, é bastante subjetiva essa escolha, já que todos eles têm os seus méritos, por apresentarem um nível mais ou menos parecido. Ela acaba ficando restrita a detalhes, tais como atuações destacadas desse ou daquele ator, tomadas diferentes de cena, um ou outro diálogo um pouco mais ousado e assim por diante.

A Rede Globo exibiu cinco produções dessa espécie (foi o canal com maior quantidade), principiando com "Padre Cícero", no começo do ano, abordando aspectos da vida desse sacerdote nordestino cuja conduta acabou por criar uma aura mística em torno de seu nome em todo o sertão, mais especificamente na cidade cearense de Juazeiro do Norte. A história já começou a somar méritos pela sua própria oportunidade. É que 1984 marcou o cinqüentenário da morte dessa figura carismática, venerada como um santo nos dias de hoje por milhões de brasileiros. Foi, portanto, um assunto muito atual.

No seriado "Padre Cícero" duas atrações chamaram em especial a atenção do crítico. A primeira foi a da atriz Débora Duarte, vivendo a figura da beata Maria Araújo. Sinceramente, foi uma das mais brilhantes e de garra que já tivemos a oportunidade de apreciar. Débora praticamente "encarnou" esse tipo característico do Nordeste. As beatas, inclusive, existem na região ainda nos dias de hoje. Foi, portanto, um desempenho impecável. Outra performance brilhante foi a de Stênio Garcia, no papel do padre Cícero, ele que já está acostumado a representar personagens complexos. Os leitores, certamente, se recordam de uma atuação, há cerca de uns três anos, revivendo o escultor Aleijadinho. Stênio apenas veio confirmar aquilo que mais impressiona em suas representações, ou seja, a naturalidade que imprime à figura que está vivendo.

Quando o crítico já estava se dando por satisfeito com a grande qualidade do primeiro seriado e não esperava nada de mais significativo até o final do ano, eis que a Globo lança, condensada em sete capítulos, a história de Zélia Gattai, "Anarquistas Graças a Deus", prevista inicialmente para ser uma novela. Em princípio, confessamos, não esperávamos grande coisa. Não porque não apreciássemos o texto dessa autora surpreendente, que já conhecíamos e reputávamos como das melhores. Mas por causa da condensação da sua história. Temíamos por uma descaracterização do enredo.

No entanto, o "Anarquistas" revelou-se a maior surpresa do ano. Durante pelo menos seis meses, freqüentou as colunas especializadas de TV, sempre citado como dos melhores trabalhos de 1984, o que efetivamente foi. Tudo foi bom nessa história, que extrapolou fronteiras e também fez sucesso na Itália. O texto, a montagem, a edição, as tomadas externas, o figurino revivendo o clima da década dos 20s e, principalmente, as performances do elenco. E aí, novamente, Débora Duarte voltaria a brilhar, vivendo a figura da matriarca do clã dos Gattai. Essa segunda atuação marcante é que nos leva a apontar, sem receio nenhum, a atriz como sendo a melhor do ano, independente do seu trabalho atual, onde confirma sua excelente fase na novela "Corpo a Corpo".

Mas os olhos da crítica iriam se fixar mais intensamente no ator Ney Latorraca, que finalmente tinha a oportunidade de viver seu primeiro papel principal na televisão. E como o viveu! Com que intensidade, com que talento, com que sentido de convicção! O seu tipo, o italiano Ernesto Gattai, viria a ser superado, apenas, por outro personagem do próprio Ney, seis meses após. Seria o caixeiro-viajante Que-Qué, em "Rabo de Saia".

Os dois seriados seguintes, "Meu Destino é Pecar", baseado numa peça de Nelson Rodrigues, e "A Máfia no Brasil", conservaram em alta a qualidade, fixando no gosto do público as histórias curtas, ao mesmo tempo em que movimentavam o rico e variado elenco global. No primeiro gostamos muito das interpretações de Lucélia Santos e de Marcos Paulo, embora o ator principal, Tarcísio Meira, tivesse ficado também em plano elevado. Em "A Máfia no Brasil", nos impressionou a segurança de Nina de Pádua, que conhecíamos apenas de "Casos Especiais". Mas ocorreu, ainda, a revelação do talento de atriz de Márcia Porto, além da confirmação do de Reginaldo Faria, muito convincente no seu papel de chefe mafioso.

O grande seriado da Rede Globo, em 1984, contudo (e provavelmente da TV) foi, sem dúvida, esse verdadeiro achado chamado "Rabo de Saia", baseado num conto do escritor pernambucano João Condé. Esse trabalho, por exemplo, veio confirmar Ney Latorraca como o melhor ator do ano. Mostrou três figuras femininas com atuações impecáveis, Dina Sfat, Lucinha Lins e Tássia Camargo. Forneceu ao telespectador todos os ingredientes que ele sempre espera das boas histórias: suspense, ação, mistério, romance, humor, e verossimilhança, entre outras coisas.

Todavia, não foi apenas a Rede Globo que produziu e apresentou bons seriados. Na próxima semana, voltaremos ao assunto, dessa vez analisando "A Marquesa de Santos", "Viver a Vida" e "Meu Destino é Pecar", da Rede Manchete e "Joana", da TVS.

(Comentário publicado na página 19, de Arte e Variedades, do Correio Popular em 14 de dezembro de 1984)

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