Muita faísca, pouco trovão
Pedro J. Bondaczuk
O resultado da primeira semifinal do "Festival dos Festivais" da Rede Globo, embora fosse o esperado pela crítica, que já havia notado a tendência existente entre os organizadores pela valorização excessiva do visual em detrimento do conceitual, não deixou de ser decepcionante. A etapa desenvolvida sábado passado mostrou, entre outros concorrentes, duas músicas de reais qualidades, elogiadas por todos os que trabalham na área, ou seja, "Verdejar" e "Vidraça", ambas com excelentes arranjos, ótimas interpretações, além de melodias muito bonitas e letras bem confeccionadas. Todavia, para o espanto dos que esperavam um mínimo de racionalidade de julgamento, as duas acabaram desclassificadas pelo júri da competição, cedendo lugar, por exemplo, a composições como "Os Metaleiros Também Amam" e "Caribe, Calibre, Amor".
A única coisa que se salvou, no nosso entender, nessa fase, foi o fato de "Ellis, Ellis" ter conseguido sua classificação, adquirindo amplas chances de até vencer o festival. Desde, é claro, que haja um critério de fato para julgar as músicas concorrentes e que os jurados não se deixem pressionar pelas torcidas organizadas que, obviamente, pelo seu próprio caráter, têm a função de "caitituar" suas composições preferidas.
Ficou claro para todos os que assistiram a essa semifinal a posição do júri em relação àquilo que ele julga importante nesse tipo de promoção. Talvez impressionado pelo fato do festival ter sido organizado e ser transmitido por uma emissora de televisão, optou por uma linha meramente visual, buscando conseguir, com gente relativamente anônima, o mesmo efeito obtido com o "Rock in Rio", que, contudo, mostrou astros de renome internacional. Ou seja, preferiu muita encenação e pouca arte. Muita pirotecnia e nenhuma mensagem. Muita faísca para pouco trovão.
Das classificadas, ao nosso ver, duas não mereciam ir para as finais. E justificamos porque. A primeira, "Os Metaleiros Também Amam", apresentada com muito humor pelo grupo Ultraje a Rigor, sofre um processo natural de esvaziamento a cada vez que é reapresentada, por se tratar de uma sátira. Mais do que isso, não passa de uma brincadeira, até válida para ser vista uma vez ou duas. Mas não pode passar disso. Como toda a gozação, à medida em que é repetida, perde a graça. É o que acontece, por exemplo, com algumas anedotas engraçadíssimas. Da primeira vez que as ouvimos, nos arrebentamos de tanto rir. Da segunda, já damos uma risadinha amarela, apenas formal, o chamado "riso para não perder o amigo". Na terceira, por maior que seja a nossa cortesia, dificilmente conseguimos resistir em dizer: "essa piada eu já conheço" e fazer, dessa maneira, o piadista procurar outra platéia.
Outro detalhe, aliás bem observado por Nelson Motta no sábado, é que após o festival essas músicas todas serão, certamente, distribuídas através de gravações. E a graça de "Os Metaleiros Também Amam" está exatamente na encenação. Experimente o leitor fechar os olhos, na hora em que ela estiver sendo apresentada nas finais e apenas ouvir. Perceberá que se trata de uma musiquinha chata e com uma letra que nada diz, outra das tantas enganações do tipo "Farofafá" e "Onde a Vaca vai o Boi vai Atrás", que passaram por processos semelhantes no passado.
Já em relação ao "Caribe, Calibre, Amor" a nossa restrição não é exatamente para a composição em si, uma "chula" até animada e gostosa. É que para que fosse classificada, duas músicas de reais qualidades, como "Verdejar" e "Vidraça", tiveram que ser suprimidas das finais. A restrição fica, portanto, na comparação. Entre a composição de Mongol e a apresentada pelo conjunto paulista "Zona Sul", ficamos disparadamente com a última. O mesmo ocorre com o caso de "Vidraça". Ela tem letra e música muito melhores do que "Caribe, Calibre, Amor". Mas como não foi isso o que importou para os jurados...
Aliás, das seis classificadas, três estavam nas nossas previsões, conforme expressamos na sexta-feira passada neste mesmo espaço. Previmos, por exemplo, que dificilmente o júri resistiria à pressão para colocar nas finais o "Dono da Terra", defendida pelos meninos do grupo "Os Abelhudos". E de fato não resistiu. Afinal, sábado era o Dia da Criança e qual o marmanjo que não se sensibiliza com a inocência e a graça infantis? Só que numa competição séria, o que deve contar, em se tratando de música popular, é melodia e letra. Outra previsão correta foi a classificação de "O Condor", muito bem interpretada por Oswaldo Montenegro e pelo coral Raça. No elenco em que a composição esteve inserida, não havia como a deixar de fora. A terceira "barbada" nossa foi exatamente "Ellis, Ellis", apresentada com um brilhantismo invulgar por Emílio Santiago. A composição de Estevam Natolo Júnior e Marcelo Simões cresceu muito na interpretação desse extraordinário cantor. Principalmente diante da carga de emoção que ele colocou no seu desempenho, que o levou a deixar o palco literalmente em prantos.
Na média, essa final acompanhou o festival em seu todo. Muito longe de se constituir na maior competição do gênero já realizada, a despeito de todo o esforço despendido pelos seus promotores, e contrariando suas expectativas, acabou se constituindo num dos mais fracos de que temos notícia. Em termos de qualidade das músicas competidoras, ficou, até mesmo, muito abaixo de promoções congêneres organizadas por escolares. Só pode ser classificado, portanto, de regular para sofrível. Está longe de ser sequer um esboço de um "Festival dos Festivais".
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades, do Correio Popular em 18 de outubro de 1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O resultado da primeira semifinal do "Festival dos Festivais" da Rede Globo, embora fosse o esperado pela crítica, que já havia notado a tendência existente entre os organizadores pela valorização excessiva do visual em detrimento do conceitual, não deixou de ser decepcionante. A etapa desenvolvida sábado passado mostrou, entre outros concorrentes, duas músicas de reais qualidades, elogiadas por todos os que trabalham na área, ou seja, "Verdejar" e "Vidraça", ambas com excelentes arranjos, ótimas interpretações, além de melodias muito bonitas e letras bem confeccionadas. Todavia, para o espanto dos que esperavam um mínimo de racionalidade de julgamento, as duas acabaram desclassificadas pelo júri da competição, cedendo lugar, por exemplo, a composições como "Os Metaleiros Também Amam" e "Caribe, Calibre, Amor".
A única coisa que se salvou, no nosso entender, nessa fase, foi o fato de "Ellis, Ellis" ter conseguido sua classificação, adquirindo amplas chances de até vencer o festival. Desde, é claro, que haja um critério de fato para julgar as músicas concorrentes e que os jurados não se deixem pressionar pelas torcidas organizadas que, obviamente, pelo seu próprio caráter, têm a função de "caitituar" suas composições preferidas.
Ficou claro para todos os que assistiram a essa semifinal a posição do júri em relação àquilo que ele julga importante nesse tipo de promoção. Talvez impressionado pelo fato do festival ter sido organizado e ser transmitido por uma emissora de televisão, optou por uma linha meramente visual, buscando conseguir, com gente relativamente anônima, o mesmo efeito obtido com o "Rock in Rio", que, contudo, mostrou astros de renome internacional. Ou seja, preferiu muita encenação e pouca arte. Muita pirotecnia e nenhuma mensagem. Muita faísca para pouco trovão.
Das classificadas, ao nosso ver, duas não mereciam ir para as finais. E justificamos porque. A primeira, "Os Metaleiros Também Amam", apresentada com muito humor pelo grupo Ultraje a Rigor, sofre um processo natural de esvaziamento a cada vez que é reapresentada, por se tratar de uma sátira. Mais do que isso, não passa de uma brincadeira, até válida para ser vista uma vez ou duas. Mas não pode passar disso. Como toda a gozação, à medida em que é repetida, perde a graça. É o que acontece, por exemplo, com algumas anedotas engraçadíssimas. Da primeira vez que as ouvimos, nos arrebentamos de tanto rir. Da segunda, já damos uma risadinha amarela, apenas formal, o chamado "riso para não perder o amigo". Na terceira, por maior que seja a nossa cortesia, dificilmente conseguimos resistir em dizer: "essa piada eu já conheço" e fazer, dessa maneira, o piadista procurar outra platéia.
Outro detalhe, aliás bem observado por Nelson Motta no sábado, é que após o festival essas músicas todas serão, certamente, distribuídas através de gravações. E a graça de "Os Metaleiros Também Amam" está exatamente na encenação. Experimente o leitor fechar os olhos, na hora em que ela estiver sendo apresentada nas finais e apenas ouvir. Perceberá que se trata de uma musiquinha chata e com uma letra que nada diz, outra das tantas enganações do tipo "Farofafá" e "Onde a Vaca vai o Boi vai Atrás", que passaram por processos semelhantes no passado.
Já em relação ao "Caribe, Calibre, Amor" a nossa restrição não é exatamente para a composição em si, uma "chula" até animada e gostosa. É que para que fosse classificada, duas músicas de reais qualidades, como "Verdejar" e "Vidraça", tiveram que ser suprimidas das finais. A restrição fica, portanto, na comparação. Entre a composição de Mongol e a apresentada pelo conjunto paulista "Zona Sul", ficamos disparadamente com a última. O mesmo ocorre com o caso de "Vidraça". Ela tem letra e música muito melhores do que "Caribe, Calibre, Amor". Mas como não foi isso o que importou para os jurados...
Aliás, das seis classificadas, três estavam nas nossas previsões, conforme expressamos na sexta-feira passada neste mesmo espaço. Previmos, por exemplo, que dificilmente o júri resistiria à pressão para colocar nas finais o "Dono da Terra", defendida pelos meninos do grupo "Os Abelhudos". E de fato não resistiu. Afinal, sábado era o Dia da Criança e qual o marmanjo que não se sensibiliza com a inocência e a graça infantis? Só que numa competição séria, o que deve contar, em se tratando de música popular, é melodia e letra. Outra previsão correta foi a classificação de "O Condor", muito bem interpretada por Oswaldo Montenegro e pelo coral Raça. No elenco em que a composição esteve inserida, não havia como a deixar de fora. A terceira "barbada" nossa foi exatamente "Ellis, Ellis", apresentada com um brilhantismo invulgar por Emílio Santiago. A composição de Estevam Natolo Júnior e Marcelo Simões cresceu muito na interpretação desse extraordinário cantor. Principalmente diante da carga de emoção que ele colocou no seu desempenho, que o levou a deixar o palco literalmente em prantos.
Na média, essa final acompanhou o festival em seu todo. Muito longe de se constituir na maior competição do gênero já realizada, a despeito de todo o esforço despendido pelos seus promotores, e contrariando suas expectativas, acabou se constituindo num dos mais fracos de que temos notícia. Em termos de qualidade das músicas competidoras, ficou, até mesmo, muito abaixo de promoções congêneres organizadas por escolares. Só pode ser classificado, portanto, de regular para sofrível. Está longe de ser sequer um esboço de um "Festival dos Festivais".
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades, do Correio Popular em 18 de outubro de 1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment