Nossas saudades
Pedro J. Bondaczuk
A saudade é um sentimento universal, embora se diga que apenas a língua portuguesa tem uma palavra que o caracterize, embora eu não acredite muito nisso. Mas não há quem não saiba o que é sentir a ausência de alguém, ou lamentar o que passou e que, obviamente, não volta mais e assim por diante. Às vezes, portanto, a saudade é a expressão de uma grande frustração, de impotência de não poder mudar o que, de maneira alguma, não pode ser mudado. Há ocasiões, todavia, que ela vem acompanhada da benigna esperança, no caso de uma pessoa que nos faça falta, que esteja ausente, mas que queremos (e podemos) rever. Quanto aos entes queridos que já morreram... Despertam uma saudade acompanhada de suprema e irremediável frustração. Ainda assim, não nos furtamos de recordar dos que “partiram”. Para onde? Quem o sabe?!!
Talvez a saudade mais dolorida (mas não posso garantir que seja) é a que sentimos de nós mesmos. É a recordação do que um dia fomos, mas que, por circunstâncias que fugiram, por uma razão ou outra, ao nosso controle, deixamos de ser. Isso ocorre, notadamente, na velhice. Mas não necessariamente. Todavia, nessa mesma fase, que os poetas rotulam de “inverno da vida”, não raro apenas a saudade nos serve de consolo. Há pessoas que nesse período de declínio físico e não raro mental, se sentem tão sozinhas, que mesmo esse sentimento de ausência, por paradoxal que pareça, é uma espécie de presença, a despeito do vazio que então sentimos na alma.
Nossas saudades são livres e velozes. Não se limitam nem pelo tempo e nem pelo espaço. Podemos estar saudosos de pessoas com quem convivemos há décadas ou de quem vimos ainda ontem, ou neste mesmo dia, poucas horas atrás, mas cuja ausência já nos incomoda e inquieta. Subitamente, elas trazem-nos à mente, mediante a recordação, seres especiais, a quem muito amamos, amadas das quais nos separamos por algum motivo e não voltamos a nos encontrar jamais. Levam-nos, em suas velozes asas, de volta a períodos e lugares em que fomos felizes e que deixaram marcas indeléveis em nossos corações e mentes.
E essas pessoas especiais, locais marcantes e episódios felizes tanto podem ser bastante remotos, da nossa infância, como recentes, recentíssimos, de poucas horas atrás, por exemplo. Às vezes nos deixam nostálgicos, outras, reitero, nos servem até (ou só) de consolo. Da minha parte, busco não sofrer com saudades. Agradeço, isto sim, a Deus, pelo privilégio de ter conhecido aquelas pessoas que me marcaram ou de haver vívido aqueles momentos jubilosos e ímpares. Charles Baudelaire tem um verso enfático a respeito em que diz: “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno!”. Eu diria:: como é ínfimo!!!
Aliás, os poetas têm visão mais lúcida e objetiva da vida (pelo menos assim me parece) do que as demais pessoas, mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica. São estereotipados, via de regra, como sonhadores, como os que mantêm a cabeça permanentemente nas nuvens e, por conseqüência, os pés fora do sólido solo da realidade. Enganam-se os que os vêem dessa maneira. Os poetas são, na verdade, homens de ação. Às vezes, agem até demais, impulsivamente, movidos exclusivamente pela emoção, pela ofuscante paixão, em detrimento da reflexão.
Há, em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas em dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas (salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.
Esses garimpeiros de beleza, que vêem o firmamento infinito onde o comum dos mortais apenas enxerga reles poça de água, sabem lidar muito bem com saudades. Quanto mais pungentes e doloridas, para eles se tornam preciosa fonte de beleza. Como? Com o instrumento da imaginação. Mas trabalhada com sensibilidade e com delicadeza. Essa é uma habilidade característica dos artistas. E entre estes, notadamente do poeta.
As nossas reminiscências, queiram ou não, têm muito de fantasia e de emoção e pouco, ou quase nada, de exatidão e de realidade. Memória... ah, a memória... Como e quantas vezes nos trai!!! Muitas pessoas, de quem sentimos freqüentes e intensas saudades, não são, exatamente, como ficaram gravadas em nossas mentes. Não nos querem bem, por exemplo, como chegamos a supor, suposição que teimamos em conservar face sua ausência. Mas isso importa? Creio que não!
Atribui-se o exercício da imaginação, que é nobre (raiz de todas as artes e ciências) exclusivamente aos poetas, encarados de forma pejorativa. E, por extensão, aos ficcionistas, que "inventam" histórias que nunca aconteceram, mas com tanta verossimilhança, que são como se fossem fatos. Trata-se de um talento. É um dom. Representa uma virtude, que só pode ser desenvolvida (ou melhorada) pelo constante exercício.
Os pseudo-racionalistas, atados ao seu feroz materialismo, consideram que dar asas à imaginação não se trate de atitude científica, prática, construtiva. "É coisa de desocupado", afirmam, do alto de sua arrogância (ou ignorância). Estão enganados. Tais pessoas são dignas de piedade por desconhecerem a beleza, mesmo que a encontrem pelo caminho em cada esquina e em cada momento de suas cinzentas e mesquinhas vidas.
Ninguém aprecia, obviamente, nenhum tipo de sofrimento, seja de que natureza for. Fazemos de tudo para nos livrar do que nos machuca, oprime e aborrece, a menos que sejamos masoquistas, e gostemos de sofrer. Por isso, a saudade, embora quase sempre nos abale, se constitui em exceção: é sempre (ou quase sempre, faço essa concessão) bem-vinda! Senti-la é a maior homenagem que podemos prestar a alguém.
Significa que quem no-la despertou foi uma pessoa especial, que nos encantou, marcou e proporcionou momentos de intensa emoção e felicidade. Ninguém se recorda saudoso de alguém que o tenha ferido, humilhado ou espezinhado. Pablo Neruda escreveu estes versos magistrais sobre esse sentimento, no poema “Saudade”:
Saudade
"...Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor não foi embora,
mas a amada já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade;
E esse é o maior dos sofrimentos.
Não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver...
O maior sofrimento é nunca ter sofrido..."
Grande verdade, expressada com talento e beleza!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A saudade é um sentimento universal, embora se diga que apenas a língua portuguesa tem uma palavra que o caracterize, embora eu não acredite muito nisso. Mas não há quem não saiba o que é sentir a ausência de alguém, ou lamentar o que passou e que, obviamente, não volta mais e assim por diante. Às vezes, portanto, a saudade é a expressão de uma grande frustração, de impotência de não poder mudar o que, de maneira alguma, não pode ser mudado. Há ocasiões, todavia, que ela vem acompanhada da benigna esperança, no caso de uma pessoa que nos faça falta, que esteja ausente, mas que queremos (e podemos) rever. Quanto aos entes queridos que já morreram... Despertam uma saudade acompanhada de suprema e irremediável frustração. Ainda assim, não nos furtamos de recordar dos que “partiram”. Para onde? Quem o sabe?!!
Talvez a saudade mais dolorida (mas não posso garantir que seja) é a que sentimos de nós mesmos. É a recordação do que um dia fomos, mas que, por circunstâncias que fugiram, por uma razão ou outra, ao nosso controle, deixamos de ser. Isso ocorre, notadamente, na velhice. Mas não necessariamente. Todavia, nessa mesma fase, que os poetas rotulam de “inverno da vida”, não raro apenas a saudade nos serve de consolo. Há pessoas que nesse período de declínio físico e não raro mental, se sentem tão sozinhas, que mesmo esse sentimento de ausência, por paradoxal que pareça, é uma espécie de presença, a despeito do vazio que então sentimos na alma.
Nossas saudades são livres e velozes. Não se limitam nem pelo tempo e nem pelo espaço. Podemos estar saudosos de pessoas com quem convivemos há décadas ou de quem vimos ainda ontem, ou neste mesmo dia, poucas horas atrás, mas cuja ausência já nos incomoda e inquieta. Subitamente, elas trazem-nos à mente, mediante a recordação, seres especiais, a quem muito amamos, amadas das quais nos separamos por algum motivo e não voltamos a nos encontrar jamais. Levam-nos, em suas velozes asas, de volta a períodos e lugares em que fomos felizes e que deixaram marcas indeléveis em nossos corações e mentes.
E essas pessoas especiais, locais marcantes e episódios felizes tanto podem ser bastante remotos, da nossa infância, como recentes, recentíssimos, de poucas horas atrás, por exemplo. Às vezes nos deixam nostálgicos, outras, reitero, nos servem até (ou só) de consolo. Da minha parte, busco não sofrer com saudades. Agradeço, isto sim, a Deus, pelo privilégio de ter conhecido aquelas pessoas que me marcaram ou de haver vívido aqueles momentos jubilosos e ímpares. Charles Baudelaire tem um verso enfático a respeito em que diz: “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno!”. Eu diria:: como é ínfimo!!!
Aliás, os poetas têm visão mais lúcida e objetiva da vida (pelo menos assim me parece) do que as demais pessoas, mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica. São estereotipados, via de regra, como sonhadores, como os que mantêm a cabeça permanentemente nas nuvens e, por conseqüência, os pés fora do sólido solo da realidade. Enganam-se os que os vêem dessa maneira. Os poetas são, na verdade, homens de ação. Às vezes, agem até demais, impulsivamente, movidos exclusivamente pela emoção, pela ofuscante paixão, em detrimento da reflexão.
Há, em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas em dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas (salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.
Esses garimpeiros de beleza, que vêem o firmamento infinito onde o comum dos mortais apenas enxerga reles poça de água, sabem lidar muito bem com saudades. Quanto mais pungentes e doloridas, para eles se tornam preciosa fonte de beleza. Como? Com o instrumento da imaginação. Mas trabalhada com sensibilidade e com delicadeza. Essa é uma habilidade característica dos artistas. E entre estes, notadamente do poeta.
As nossas reminiscências, queiram ou não, têm muito de fantasia e de emoção e pouco, ou quase nada, de exatidão e de realidade. Memória... ah, a memória... Como e quantas vezes nos trai!!! Muitas pessoas, de quem sentimos freqüentes e intensas saudades, não são, exatamente, como ficaram gravadas em nossas mentes. Não nos querem bem, por exemplo, como chegamos a supor, suposição que teimamos em conservar face sua ausência. Mas isso importa? Creio que não!
Atribui-se o exercício da imaginação, que é nobre (raiz de todas as artes e ciências) exclusivamente aos poetas, encarados de forma pejorativa. E, por extensão, aos ficcionistas, que "inventam" histórias que nunca aconteceram, mas com tanta verossimilhança, que são como se fossem fatos. Trata-se de um talento. É um dom. Representa uma virtude, que só pode ser desenvolvida (ou melhorada) pelo constante exercício.
Os pseudo-racionalistas, atados ao seu feroz materialismo, consideram que dar asas à imaginação não se trate de atitude científica, prática, construtiva. "É coisa de desocupado", afirmam, do alto de sua arrogância (ou ignorância). Estão enganados. Tais pessoas são dignas de piedade por desconhecerem a beleza, mesmo que a encontrem pelo caminho em cada esquina e em cada momento de suas cinzentas e mesquinhas vidas.
Ninguém aprecia, obviamente, nenhum tipo de sofrimento, seja de que natureza for. Fazemos de tudo para nos livrar do que nos machuca, oprime e aborrece, a menos que sejamos masoquistas, e gostemos de sofrer. Por isso, a saudade, embora quase sempre nos abale, se constitui em exceção: é sempre (ou quase sempre, faço essa concessão) bem-vinda! Senti-la é a maior homenagem que podemos prestar a alguém.
Significa que quem no-la despertou foi uma pessoa especial, que nos encantou, marcou e proporcionou momentos de intensa emoção e felicidade. Ninguém se recorda saudoso de alguém que o tenha ferido, humilhado ou espezinhado. Pablo Neruda escreveu estes versos magistrais sobre esse sentimento, no poema “Saudade”:
Saudade
"...Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor não foi embora,
mas a amada já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade;
E esse é o maior dos sofrimentos.
Não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver...
O maior sofrimento é nunca ter sofrido..."
Grande verdade, expressada com talento e beleza!
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