Thursday, December 22, 2011







Sentir é criar?

Pedro J. Bondaczuk

Os sentidos são divinos, porque são a nossa relação com o universo, e a nossa relação com o universo Deus”. Quem faz esta observação tão peremptória não sou eu, mas é um dos mais festejados e reputados poetas de todos os tempos, o português Fernando Pessoa. Concordo, posto que apenas parcialmente, com ele.

Vocês já imaginaram se não tivéssemos os cinco sentidos? Como seria? Como saberíamos onde estamos? Como distinguiríamos esse lugar, com seus detalhes, sua cor, seu formato, seus sons, sua consistência e seus cheiros? Não vejo como conseguiríamos sobreviver. E muito menos se multiplicar, prosperar e sermos o que somos.

Mas, sem o pensamento, sem a compreensão, sem a razão, como ficaríamos? Seríamos, apenas, mais um dos milhões de animais, quiçá vegetais, deste planeta abundante de vida. Há quem entenda que seríamos mais felizes sem a capacidade de raciocínio. Seríamos? Objetivamente, não há como saber. Todavia, penso que não. Não teríamos, sequer, a mais pálida noção do conceito de felicidade. Aliás, de nenhum outro, como esperança, fé, amor e vai por aí afora.

Contudo, entendo, como Fernando Pessoa, que a natureza se torna mais compreensível quando, em vez de vê-la, a sentimos. Tentar racionalizá-la, traduzi-la em idéias, pode redundar em belas fantasias, mas é o método mais falho para captarmos a realidade. A criação é fruto de sentimentos muito mais do que da razão. Mas não “somente” dela. É nesse aspecto que divirjo de Fernando Pessoa. Ou seja, no da “exclusividade” dos sentimentos, em detrimento dos pensamentos.

O poeta observa que "sentir é compreender. Pensar é errar". Depende, portanto, do que queremos. Se buscamos a compreensão, através somente do raciocínio, acorrentando nossos sentimentos e policiando as emoções, estamos em um caminho equivocado. E o motivo é muito simples, exposto com meridiana clareza pelo poeta ao constatar: "Sentir é criar. Sentir é pensar sem idéias e por isso é compreender, visto que o Universo não tem idéias".

Mas como expressar sentimentos, de formas que todos compreendam, sem palavras, que são frutos de raciocínio? Aldous Huxley tem uma observação pertinente, que completa esse raciocínio: "A ciência não explicou nada. Quanto mais sabemos, mais fantástico se torna o mundo e mais profunda fica a escuridão ao seu redor". Mas apenas os sentimentos explicam? Obviamente, não.

Tenho inabalável convicção de que três condições espirituais são indispensáveis para a manutenção da saúde psíquica e, por conseqüência, a física: fé, esperança e amor. Sem elas, estaremos perdidos num mar tempestuoso de dúvidas, medos e de ódio, que têm que ser vencidos se pretendermos conservar a sanidade. Essa certeza íntima não é gratuita. Baseia-se tanto na experiência pessoal, quanto na observação, na leitura, na comparação, no raciocínio e em tantos e tantos outros fatores, tanto objetivos, quanto subjetivos.

Sem uma crença transcendental, nossa vida não terá nenhum sentido. Quem não espera nada, por sua vez, e não acredita que possa alcançar o que deseja, carece de metas e todos os seus esforços se tornam inúteis e vãos. E aquele que não ama, tem a alma repleta de sentimentos negativos que, invariavelmente se refletem no corpo, o fazendo adoecer.

O filósofo Will Durant, com base em pesquisas científicas sérias, constatou, em seu livro “Filosofia da Vida”: “A fé, a esperança e o amor parecem expandir-se em cada célula do nosso corpo; a dúvida, o medo e o ódio contraem-nos os tecidos, como se fossem venenos – e, fisicamente, são venenos”.

Embora pareça (e de fato seja) redundante a afirmação, a experiência (unida ao raciocínio) comprova sobejamente que nada no ser humano, absoluta e rigorosamente nada, é mais nobre e maior do que a razão. Nada se compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e de entender tudo e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento, o abstrato, ou seja, o que não existe. Não fora sua racionalidade e esse animal, fisicamente tão frágil e desvalido, já teria, fatalmente, desaparecido da face da Terra, como tantas outras espécies desapareceram ao longo do tempo.

Qual a conclusão a que podemos chegar, com base nestas parcas (e óbvias) digressões? O que devemos preservar? A inteligência, desenvolvida ao longo dos anos mediante o exercício e o estudo? Ou a sensibilidade, com a qual nascemos, e que tínhamos quando crianças, mas que, na idade adulta, não raro abrimos mão? Embora a maioria possa optar pela primeira, manda a prudência que cultivemos com afinco a segunda. Ou seja, que sejamos sensíveis, emotivos, apaixonados até em todos os nossos relacionamentos, empreendimentos e nossas realizações.

Claro que o ideal seria ter as duas simultaneamente. Reitero que é nesse aspecto que divirjo da constatação de Fernando Pessoa. Sensibilidade e racionalidade devem sempre andar juntas. Mas ambas devem ser conservadas e, mais, desenvolvidas pela vida toda e não somente por um certo tempo. Isso, creiam, não é sempre possível. Não, pelo menos, o tempo todo. O poeta Paulo Mendes Campos adverte: “Inteligência degenera com a idade, sensibilidade não; inteligência é desonesta, sensibilidade não”. Pensem nisso.


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