Friday, December 02, 2011







Romantismo está de novo no ar


Pedro J. Bondaczuk

A semana, em termos de programação de televisão, apresentou somente uma novidade nos últimos sete dias e esta aconteceu na Rede Globo, com a estréia de uma novela, a do horário das 18 horas, "Sinhá Moça", baseada num romance, de igual nome, da nossa conhecida escritora Maria Dezzone Pacheco Fernandes, aqui de Campinas. Trata-se de uma história de época, trazendo o romantismo de volta ao período vespertino da programação, ultimamente destinado às críticas de costume mais atuais, como foi o caso de "De Quina Pra Lua", que tratou das venturas e desventuras de uma família, cujo chefe ganhou um prêmio da Loto e veio a falecer em conseqüência de sua "boa sorte".

Outra abordagem pelos caminhos da recordação será a primeira minissérie nacional do corrente ano, que vai ser apresentada na mesma emissora, a partir desta segunda-feira, no horário das 22 horas, intitulada "Os Anos Dourados". Seu enfoque estará centralizado numa maneira de viver ainda muito familiar para boa parte dos brasileiros. Afinal, os anos 50 são, praticamente, um ontem recente.

Ao nosso ver, é saudável essa dosagem de passado e presente, na programação das novelas, feita pela Globo, permitindo que conheçamos (especialmente as gerações mais jovens) vários aspectos no tocante, não apenas ao comportamento das pessoas, mas à nossa história (muitas vezes distorcida por motivos ideológicos). O entendimento de muita coisa que estamos passando hoje depende da compreensão desses períodos, geralmente esquecidos pelos nossos principais novelistas.

O enredo de "Sinhá Moça" é duplamente oportuno, pelo tema em si e por passar-se há exatamente um século, dois anos antes da princesa Isabel haver assinado a "Lei Áurea", extinguindo, embora bastante tardiamente em relação aos outros povos, essa mancha lamentável em nosso passado, que foi a escravidão. Através dele, o público acaba inteirado não somente daquilo que pensavam nossos avós, acerca dessa prática (tão antiga quanto a própria espécie humana), mas também dos ideais que moviam os principais líderes abolicionistas.

No centro de tudo há uma maravilhosa e comovente história de amor, esse sentimento eterno que se manifesta de milhões de formas, mas que é o mais nobre e valioso de todos os que possuem os seres humanos.

A adaptação do romance de Maria Dezzone está entregue a um dos mais hábeis de nossos redatores para a televisão, Benedito Ruy Barbosa, jornalista do interior de São Paulo (é originário de Gália) que já nos brindou com tanta coisa boa nos últimos anos. Como por exemplo, apenas para citar seus trabalhos mais conhecidos, "Cabocla", "À Sombra dos Laranjais", "Voltei Pra Você", "Os Imigrantes", "Paraíso", "Somos Todos Irmãos" e muitos e muitos outros textos líricos, humanos, carregados de sentimento, mas nem por isso com menor objetividade.

Não foi por acaso que a Globo escalou, para defender a novela, um elenco dos mais experientes e populares. Entre os atores e atrizes podemos destacar as presenças de Rubens de Falco, um autêntico mito nesse tipo de história; Lucélia Santos (conhecida e adorada até na China por seu inesquecível papel em "A Escrava Isaura"); Mauro Mendonça; Marcos Paulo, Grande Otelo (outra legenda do cinema, teatro e televisão nacionais); Norma Blum; Patrícia Pillar; Luiz Carlos Arutin; Tony Tornado; Luciana Braga e mais uma dezena de artistas de grande expressão. A direção nesse caso só poderia ser entregue a outro nome famoso: Nilton Travesso, que dessa forma retorna às novelas e em grande estilo.

O enredo se desenrola na cidadezinha de Araruna, no Vale do Paraíba, e se baseia não somente no romance "quase impossível" de dois jovens, a filha do capitão Ferreira (que havia se tornado barão) com o filho do Dr. Fontes. Centraliza-se nos ideais abolicionistas que então surgiam entre os intelectuais rebeldes, uma questão que na época equivalia à subversão do "status quo" reinante e que trazia grandes complicações para os que tinham a coragem de defender posições tão "estranhas".

Mas o empenho desses visionários acabaria vingando apenas dois anos depois. Aliás, as grandes conquistas são sempre assim. Quando surge a primeira chama, esta é cercada de uma aura de exotismo. A idéia é ridicularizada, perseguida e marcada pelos que se entendem seres privilegiados e não admitem nada que possa colocar em risco tais privilégios que apenas eles e os alienados que os apoiam entendem lógicos e válidos.

Quanto à minissérie, que estréia na segunda-feira, prometemos traçar algumas considerações no próximo sábado, por se tratar de um tema que a minha geração conheceu bem, já que ela foi diretamente afetada pelos preconceitos e manias então existentes. Mas é importante essa volta do romantismo à televisão e até bastante saudável, por temperar com bons exemplos a enxurrada de violência e mau-caratismo que os enlatados despejam em nossos lares com intensidade crescente. E para lembrar a cada um de nós, preocupados com a aspereza da realidade de um período rico de incertezas e de indagações quanto ao futuro deste Planeta, que existem outros caminhos para a convivência entre as pessoas. Que a despeito dos pilantras e das pilantragens, o amor sobrevive ao tempo, às guerras, aos desastres e à degradação dos costumes. Por mostrar que apesar de tudo, ainda resta um fio de esperança para todos nós.

(Artigo publicado na página 12, Arte & Variedades do Correio Popular, em 3 de maio de 1986)



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