Friday, December 30, 2011







Renovar ou morrer


Pedro J. Bondaczuk


A televisão, como forma de entretenimento, encontra-se, com o advento do vídeocassete, na mesma encruzilhada pela qual passou o rádio quando do surgimento da TV. Ou se renova e busca novos caminhos, ou perderá cada vez mais telespectadores, esvaziando-se paulatinamente, com conseqüentes reflexos no seu faturamento comercial e, portanto, na própria sobrevivência. O rádio encontrou o seu espaço e até mesmo evoluiu. Acreditamos que a TV também o fará.

O professor Antonio Chaves publicou, no último dia 5, no jornal "O Estado de São Paulo", sob o título "Cassetes e vídeocassetes", uma interessante estatística, que dá bem a idéia da evolução desse revolucionário processo de gravação de imagem e som. Em 1975, segundo ele, foram fabricados no mundo todo 645 mil desses aparelhos, sendo 300 mil no Japão, 240 mil nos EUA, 100 mil no Leste europeu (países socialistas) e 5 mil em outros.

Passados apenas dois anos, em 1977 portanto, houve um incremento de 117,05% de vídeocassetes produzidos no total, que passou a ser de um milhão e quatrocentas mil unidades. O Japão teve a mais expressiva evolução (133,34%), passando a contar com 700 mil dessas máquinas, vindo a seguir os EUA, com 550 mil (108,34% a mais); outros países, com 10 mil (crescimento de 100%); e a Europa do Leste, com 140 mil (aumento de 40%).

Considerando uma progressão mínima de 50% ao ano, taxa que deve ter sido na realidade bem maior, teremos, no final do corrente ano, 23.350.774 desses aparelhos espalhados pelo mundo. O Japão continuará liderando esse tipo de mercado, com 11.960.155 unidades, seguido dos EUA, com 8.827.732; Europa do Leste, com 2.392.030 e outros, com 170.857.

No Brasil, a despeito do preço elevado dessas engenhocas para as nossas atuais condições econômicas, os vídeocassetes vendidos vêm se multiplicando num ritmo vertiginoso, existindo, já às centenas, vídeoclubes e salas especiais de vídeos (basta ler as páginas de serviços dos grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, que anunciam diariamente as programações dessas entidades, para concluir sobre a velocidade do seu crescimento).

"Onde isso afetaria as emissoras de TV?", perguntariam os leitores. À medida em que os programas dos nossos canais comerciais (que são sete) forem tornando-se maçantes, chatos e repetitivos, mais público (já habituado ao hipnotismo exercido pelo vídeo), vai procurar esses vídeoclubes. E eles têm a vantagem de, sem qualquer custo adicional, a bão ser a fita virgem de vídeoteipe, poderem copiar o que as emissoras têm de melhor, onde elas gastam autênticas fortunas para produzir, reapresentando milhares de vezes essas cópias, enquanto houver interesse de alguém em assisti-las.

Debate-se muito, atualmente, a questão do direito autoral sobre aquilo que gravam os vídeocassetes. E eu pergunto: existe alguma maneira de controlar isso? Como fiscalizar cada aparelho gravador, dos milhares que há espalhados por aí? Como evitar a cada vez mais crescente ação dos "piratas"? Não dá, não é mesmo?!

Por essa razão, não vai restar à TV, pelo menos a médio prazo, outro caminho se não se renovar. Buscar outro "oxigênio". Apresentar, todos os dias e em todos os horários, coisas novas, interessantes, instrutivas e bem trabalhadas. E reduzir drasticamente (já que é impossível eliminar) a carga de violência transmitida cotidianamente, em "doses cavalares", ao público, para depois não ter que reclamar das autoridades providências para conter a crescente onda de criminalidade nas grandes cidades.

Há duas semanas, neste mesmo espaço, tivemos a oportunidade de comentar esse fenômeno característico do nosso tempo e de mencionar um dado (sem que tivéssemos, na ocasião, qualquer estatística comprobatória em mãos) estarrecedor: o da existência de uma relação direta entre os programas de TV que enfocam a violência e o aumento de ocorrências criminosas.

No dia 7 passado, matéria publicada no Correio Popular veio em nosso socorro. Sob o título "Televisão acusada de incitar a violência", saiu estampada na editoria de Cinema do jornal. Essa notícia comprova plenamente a nossa (e a de tantos estudiosos do comportamento) tese.

Falando num simpósio no Canadá, o ministro da Saúde dos EUA, Dr. Everett C. Koop, denunciou que a violência na TV levou a sociedade a uma "epidemia de assassínios, suicídios e assaltos". E citou números. Afirmou que nos últimos 30 anos, a taxa de homicídios entre os homens brancos com menos de 24 anos de idade se elevou de 366 mortos por 100 mil habitantes em 1950, para 2.800 por 100 mil em 1980 (crescimento de 391,88%!). Os suicídios, segundo o Dr, Koop, entre jovens negros, triplicaram durante o mesmo período. E os homicídios e casos de violência contra menores seguem multiplicando-se a uma progressão geométrica.

Caso os responsáveis pelas programações de TV continuem relevando fatos como este, e se não começarem, já a partir de hoje, de agora, a usar um pouco mais de imaginação e oferecer algo que realmente tenha conteúdo ao telespectador, que o atraia de verdade, as emissoras, muito em breve, estarão em maus lençóis. Afinal, o amante do vídeo, aquele que não consegue dispensar esse tipo de entretenimento, já tem opção. Com a vantagem, inclusive, de poder escolher o que, quando e quantas vezes deseja assistir o programa que o interessa.

(Comentário publicado na página 16, editoria de Artes, do Correio Popular, em 10 de fevereiro de 1984).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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