Tuesday, December 13, 2011







Ainda Eugene O’Neill

Pedro J. Bondaczuk

As circunstâncias que cercam nossas vidas são imprevisíveis e aleatórias. Não raro, alteram todos nossos planos e mudam radicalmente nosso rumo. Um fato qualquer, que a princípio não valorizamos devidamente ou que sequer atentamos para a sua importância, pode modificar para sempre nossa trajetória, para pior, ou para muito melhor. A distância entre o fracasso e o sucesso é muito curta, é milimétrica, muito menor do que ousamos admitir.
A vida do dramaturgo Eugene O’Neill – personagem do qual venho tratando há já alguns dias – começou a mudar nos albores do novo século, o XX, mais especificamente em 1900. Na ocasião, estava com doze anos de idade. Até então, havia sido criado sem afeto, longe dos pais, ora pelos avós, ora internado em colégios religiosos, de rígida disciplina e nenhuma liberdade. Isso levou-o a desenvolver profundo sentimento de rejeição.
Tudo começou a mudar (ao menos temporariamente) quando os pais, que faziam temporada em Nova York, resolveram colocar o adolescente em um externato, o De la Salle Institute, e tê-lo, dessa forma, em sua companhia. O garoto passou por uma transformação psicológica radical, da noite para o dia. Aplicou-se especialmente aos estudos, o que nunca fizera até então, tirando as notas mais altas da classe.
Tornou-se mais descontraído, mais amável, bem mais sociável. Sua alegria, porém, durou muito pouco, apenas dois anos e deveu-se não a algum eventual ato de indisciplina do rapaz, mas ao temor da mãe, Ella Quinlan, de que o filho descobrisse seu segredo. Ela era viciada em morfina e ficava aterrorizada com a simples possibilidade que alguém viesse a descobrir esse fato.
Eugene foi internado na Academia Bett, colégio laico, em Stamford. A rígida disciplina do estabelecimento fez com que o adolescente se revoltasse não somente com a instituição, mas com o próprio catolicismo. Não tardou a estreitar relações com o irmão James, tido e havido como “ovelha negra” da família e considerado má influência para qualquer jovem inocente, como ele. Ambos passaram a andar sempre juntos e a viver aventuras de arrepiar os cabelos dos mais velhos.
Mas foi justamente James que introduziu Eugene no mundo do teatro, onde o pai – sabe-se lá por que – não o queria. Quando completou vinte anos de idade, já era um homem experiente e vivido, mas sem rumo definido. Em princípio, até que procurou se regenerar da vida dissoluta que levava, tentando se libertar da má influência do irmão.
Resolveu trabalhar para prover o próprio sustento. Foi admitido como repórter de um jornal novaiorquino, mas se deu mal. Aquela não era a sua praia. Decidiu tentar a carreira artística, imitando o pai. Muito cedo percebeu, porém, que não tinha talento para o palco. Não levava nenhum jeito para ator. Empregou-se, então, em um escritório, numa função mecânica e burocrática, que não lhe exigia nenhum talento especial.
Nesse período, passava a maior parte do seu tempo livre numa livraria da 6ª Avenida. O proprietário, contudo, não era a companhia mais recomendável para o rapaz. Era notório anarquista que, sempre que podia, procurava aliciar adeptos para a sua causa. Foi ali, todavia, que Eugene entrou em contato com um livro que, desde então, passaria a ser uma espécie de “catecismo” para ele, tamanho foi o fascínio que lhe despertou.
Leu, releu, anotou e até decorou trechos e mais trechos de “Assim falava Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche. Apreciava, sobretudo, uma citação especial que lhe ficou gravada, para sempre, na memória: “Deves trazer o caos dentro de ti, para fazer nascer uma estrela bailarina”. E confusão, convenhamos, era o que não faltava em sua vida.
Aos 21 anos, Eugene engravidou uma moça, a jovem Kathleen Jenkins, com a qual se viu obrigado a se casar. Para não ter que assumir a responsabilidade de chefiar e prover uma família, só viu uma solução: deixar os Estados Unidos. Abandonar tudo e buscar outros ares para recomeçar. Foi para Honduras, disposto a trabalhar no que lhe aparecesse. Contudo, pouco depois de chegar a esse país, contraiu febre amarela. Regressou, pois, aos Estados Unidos para se tratar.
Meses depois, partiu de novo, dessa vez para bem mais longe, para Buenos Aires, a bordo do navio Charles Racine. Na capital argentina, fez de tudo para sobreviver. Trabalhou em um frigorífico, numa fábrica de máquinas de costura e até como estivador. Mas estava, frequentemente, desempregado. Nesses períodos de ócio forçado não saía dos bares e cafés da beira do cais onde, entre um trago e outro, ouvia, atentamente, as histórias dos marinheiros sobre seus amores, aventuras e desventuras, nos mais diversos recantos do mundo.
Em 1911, engajou-se na tripulação do navio “Ikalis” e retornou a Nova York, onde a indesejada esposa o esperava. Sua revolta com essa situação, com esse casamento forçado, era tamanha, que sequer quis conhecer o filho. Nunca chegou a vê-lo. Sua vida passou a girar em torno do bar “Jimmy-The Pries” (que ele viria a imortalizar anos depois em uma de suas peças mais famosas), freqüentado por marinheiros, prostitutas, desocupados, anarquistas e toda a sorte de discriminados sociais. Faria deles personagens de sua maravilhosa e vitoriosa obra que lhe valeu prêmios como o Pulitzer e o Nobel de Literatura. Voltarei ao assunto.

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