Monday, December 26, 2011







Florada de versos

Pedro J. Bondaczuk


A poesia encanta-me, me embevece, me justifica e me redime. Até aí, não expressei nada de novo. Milhões e milhões de pessoas, tempo e mundo afora, têm essa mesma percepção, e mais, sensação em relação a esse gênero tão nobre. Cito o meu caso, em particular, dada minha profissão, a de jornalista, mais especificamente a de editor, que tem no lado vicioso e perverso do homem, na maldade, na violência, na loucura e na corrupção humanas e em seus dramas e contradições, a matéria-prima do seu ofício. Preciso, pois, desesperadamente, de um antídoto para tanto negativismo e miséria. E este encontro, sem dúvida, na poesia.
Leio, compulsivamente, poemas de todas as tendências e estilos, tanto de poetas quanto de poetisas. Claro que tenho minhas preferências. Seria de estranhar se não as tivesse. Todos têm, de conformidade com sua formação, experiências, sensibilidade, cultura, leituras etc.etc.etc. Entre meus autores favoritos, destaca-se uma paulistana, pouco badalada pela mídia, raramente citada pelos críticos, mas que desempenha a arte de poetar com uma naturalidade impressionante, como o ato de respirar, por exemplo. Seus versos mágicos, posto que sutis e profundos, são, sobretudo, espontâneos. Nota-se, à primeira leitura, que nascem com naturalidade, sem que percam por isso a profundidade (pelo contrário). Refiro-me a Flora Figueiredo.
Peço licença para abrir, aqui, um parágrafo e justificar-me, dar uma explicação que já se impõe. Muitos criticam-me por caracterizar as mulheres que compõem poesia de “poetisas”, e não de “poetas”, como já virou moda. Alguns, maliciosamente, vêem nesse meu comportamento o ranço de preconceito de gênero. Tolice. Argumentam que poesia não tem sexo (como se eu não soubesse). E bla-bla-blá, bvla-bla-blá e bla-bla-blá. Detesto esses patrulheiros gratuitos!!! Faço essa distinção não por preconceito, mas, muito pelo contrário, como uma forma de homenagem, de reconhecimento e de reverência à sensibilidade feminina, que é ímpar. Queiram ou não, as mulheres são muito, mas muito mais sensíveis mesmo (entre tantas e tantas superioridades que ostentam em relação a nós, marmanjos) do que nós, homens. Para mim, portanto, queiram ou não os patrulheiros de plantão, elas são, e serão sempre, POETISAS. E ponto final!
Mas, voltando ao tema destas reflexões, conheci a poesia de Flora Figueiredo recentemente, há sete anos, através do Orkut. Foi paixão à primeira vista. Ou, mais especificamente, à primeira lida. Desde então, passei a colecionar tudo o que ela escreve, livros, poemas esparsos na internet e outros tantos, que amigos têm a gentileza de me enviar por e-mail. E quanto mais a leio, mais cresce minha admiração. Não por acaso, publico-os, amiúde, nos vários espaços de que disponho na mídia. Procuro, apenas, ser sempre coerente.
Flora, como seria de se esperar, tem outras tantas habilidades. É, também, cronista das mais talentosas, tradutora e, de uns tempos para cá, também letrista de belas canções do cancioneiro popular brasileiro. Como compositora, tem um dos seus poemas, musicado por Ivan Lins, gravado na voz de Simone. Outra incursão na “seara” da música é uma obra erudita para coral do maestro Aylton Escobar, com título sumamente sugestivo e apropriado: “Flora, cinco canções de amor”. Embora desempenhe bem essas outras funções, ela é, sobretudo, (e sempre será) poetisa. A minha poetisa predileta (ao lado de Cecília Meirelles, Cora Coralina, Gabriela Mistral, Adélia Prado, Suzana Vargas, Evelyne Furtado e centenas de outras).
Em entrevista que deu ao site “Geração Online” (WWW.geracaobooks.com.br) Flora explica como e quando se deu conta da sua paixão pela poesia: “O fascínio pela poesia veio muito cedo na voz de minha mãe que era uma apreciadora do gênero e declamava poemas de Guilherme de Almeida, Cecília Meirelles e Paulo Bonfim, seus preferidos. Essa sonoridade me arrebatou para sempre”. Está aí mais um motivo para minha veneração por Flora (como se fosse preciso!), sua memória poética centrada no campineiro, “príncipe dos poetas brasileiros”, Guilherme de Almeida.
Minha apreciação da sua poesia não é nenhuma “mania” pessoal, como os desavisados podem supor. Ela é excelente mesmo!!! E esta não é uma opinião exclusivamente minha, longe disso. Estou em excelente companhia. Muitos escritores ilustres têm idêntica convicção. Pudera! Basta ver os nomes de alguns dos vários que redigiram prefácios dos seus livros: Olavo Drummond, Fábio Lucas, Josué Montello e vai por aí afora. Afinal, como a própria poetisa confidencia, “ao compor, tento beijar a alma do leitor”. E, claro, consegue. Beija de fato.
Por falar em livros, Flora já publicou sete (se não errei na conta): Florescência (Editora Nova Fronteira, 1987); Calçada de verão (Ed. Nova Fronteira, 1989); Amor a céu aberto (Nova Fronteira, 1992); Estações (Art Editora e WS Editores, 1995); O trem que traz a noite ( Lacerda Editores, 2000); Chão de vento (Geração editorial, 2005) e Limão Rosa (Editora Novo Século, 2009). Vários deles são utilizados na rede municipal de ensino de São Paulo.
Nesta véspera de primavera, é para lá de oportuno falarmos de Flora. E não apenas falar, mas apresentar uma “florada de versos” que ela compôs. Encerro, pois, estas reflexões, com estes dois poemas dessa magnífica e sensível poetisa:


A pedidos

Querem um verso,
mas não sou capaz.
Vejo a palavra fraturar
as entrelinhas,
tento soldá-las,
mas não são minhas.
Rompeu-se o verbo
e me deixou para trás.

Flutuações

O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou a trôpega ilusão,
até que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se de seu reino idealizado,
veio pousar tamborilante em minha mão.
Assim, aquecido e aconchegado,
parece que se esqueceu de ir embora.
Na hora em que ressona distraído,
eu lhe pingo malemolências no ouvido
à sua inquietação eu me sujeito.
Eis que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu corpo repousa no meu peito.

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