Resposta aos preconceituosos
Pedro J. Bondaczuk
O Comitê Nobel do Parlamento da Noruega foi de uma rara felicidade ao atribuir o Prêmio da Paz de 1986 ao escritor judeu, sobrevivente de dois campos de concentração nazistas (Auschwitz e Buchenwald) e ardoroso defensor dos direitos humanos, Elie Wiesel. Principalmente se levarmos em conta que o ranço de preconceito contra determinados povos ou minorias étnicas parece estar recrudescendo, na Europa e em outras partes do mundo, tendo, desta feita, como pretexto, a onda de terrorismo que se manifesta em nossa época.
Aliás, desculpas para perseguir certos grupos nunca faltaram e, certamente, jamais vão faltar. A verdade é que, mesmo havendo maior consciência da necessidade de se exigir de governos o respeito aos compromissos que eles assumiram ao firmarem a Carta das Nações Unidas, em poucas vezes na história eles foram tão violados quanto agora.
Como que numa feliz coincidência, no mesmo dia em que um defensor dos direitos humanos, de reconhecida combatividade, teve os esforços de toda a sua vida premiados com a outorga do Nobel da Paz, a organização Anistia Internacional, com sede em Londres, divulgou o seu relatório anual denunciando as mazelas que se fazem contra inúmeros cidadãos, somente porque estes cometem o “crime” de pensar. De ter opiniões próprias, nem sempre coincidentes com as dos poderosos de plantão.
Execuções sumárias (e na maioria das vezes secretas), prisões arbitrárias e sumamente ilegais, torturas as mais degradantes, cometidas por sádicos paranóicos, que deveriam estar encerrados em manicômios e não prestando serviços a máquinas de repressão de governos vis, se repetem em vários quadrantes do mundo. Dos 159 países membros da Organização das Nações Unidas, 80% violam, de uma maneira ou de outra, aquilo que juraram, solenemente, defender e preservar, ao aporem suas assinaturas em um documento público.
Passam por cima, impunemente, dos mais comezinhos direitos individuais, como se fossem seres de outras castas, personificações de divindades, e não humanos, exatamente iguais àqueles que criminosamente espezinham em nome de ideologias falidas e belas teorias, mas que nunca saíram do papel.
Não poderia, portanto, ser mais oportuna a escolha da Comissão do Nobel para a atribuição do Prêmio da Paz de 1986. Elie Wiesel sentiu na própria carne os efeitos do racismo, da estúpida discriminação, do auge da irracionalidade humana. Foi submetido, quando ainda adolescente, às maiores degradações a que um homem poderia ser reduzido.
Viu a mãe ser trucidada, sem a menor chance de defesa, numa câmara de gás, em Auschwitz. Por dois longos anos suportou as piores torturas físicas e morais pelas quais uma pessoa poderia passar, mas resistiu. É claro que tamanho sofrimento deixou marcas profundas e indeléveis em seu espírito. Não havia como não deixar.
Todavia, ao invés de alimentar um estéril e destrutivo espírito de vingança e de ódio, Wiesel decidiu fazer algo de construtivo, de útil, de prático e positivo. Enquanto milhares de intelectuais, a pretexto de curarem velhas feridas e conciliarem os povos, tentaram colocar uma pedra sobre aqueles acontecimentos terríveis dos seis anos de insânia que abalaram a Europa, o jovem escritor romeno decidiu se transformar na consciência do mundo ocidental. Não para cobrar alguma possível vingança, ou qualquer espécie de reparação pecuniária (a que, convenhamos, tinha pleno direito), mas para alertar as pessoas sobre os riscos da omissão. Para evitar que a cegueira moral, a estupidez, o preconceito, a covardia e, sobretudo, a ignorância, voltassem a dominar cidadãos de bem. Somente assim, entendia Wiesel, essas barbaridades não tornariam a ser cometidas, sob os olhares passivos dos que as poderiam evitar, mas não evitaram.
Nenhuma sociedade tem condições de prosperar se não tiver por fundamentos o direito e a lei. Se não for regida por um conjunto de normas justas e universais, que a todos obrigue, sem qualquer distinção, privilégio ou exceção, descambará para a baderna, a desordem e a desagregação.
Respeitar, portanto, o compromisso firmado nas Nações Unidas não é nenhuma magnanimidade de qualquer sistema político ou governo. É sua obrigação prioritária. A violação desses direitos e princípios, sim, é crime hediondo, de lesa-pátria (senão, de lesa-humanidade) e passiva de severas sanções dos seus pares no concerto das nações civilizadas.
É essa consciência que precisa ser definitivamente firmada, para que possamos dizer, de alto e bom som, que vivemos, de fato, num mundo de seres racionais, inteligentes e civilizados. E o Prêmio Nobel da Paz, outorgado a Elie Wiesel, pode contribuir, e muito, para esse tipo de conscientização..
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 15 de outubro de 1986).
Pedro J. Bondaczuk
O Comitê Nobel do Parlamento da Noruega foi de uma rara felicidade ao atribuir o Prêmio da Paz de 1986 ao escritor judeu, sobrevivente de dois campos de concentração nazistas (Auschwitz e Buchenwald) e ardoroso defensor dos direitos humanos, Elie Wiesel. Principalmente se levarmos em conta que o ranço de preconceito contra determinados povos ou minorias étnicas parece estar recrudescendo, na Europa e em outras partes do mundo, tendo, desta feita, como pretexto, a onda de terrorismo que se manifesta em nossa época.
Aliás, desculpas para perseguir certos grupos nunca faltaram e, certamente, jamais vão faltar. A verdade é que, mesmo havendo maior consciência da necessidade de se exigir de governos o respeito aos compromissos que eles assumiram ao firmarem a Carta das Nações Unidas, em poucas vezes na história eles foram tão violados quanto agora.
Como que numa feliz coincidência, no mesmo dia em que um defensor dos direitos humanos, de reconhecida combatividade, teve os esforços de toda a sua vida premiados com a outorga do Nobel da Paz, a organização Anistia Internacional, com sede em Londres, divulgou o seu relatório anual denunciando as mazelas que se fazem contra inúmeros cidadãos, somente porque estes cometem o “crime” de pensar. De ter opiniões próprias, nem sempre coincidentes com as dos poderosos de plantão.
Execuções sumárias (e na maioria das vezes secretas), prisões arbitrárias e sumamente ilegais, torturas as mais degradantes, cometidas por sádicos paranóicos, que deveriam estar encerrados em manicômios e não prestando serviços a máquinas de repressão de governos vis, se repetem em vários quadrantes do mundo. Dos 159 países membros da Organização das Nações Unidas, 80% violam, de uma maneira ou de outra, aquilo que juraram, solenemente, defender e preservar, ao aporem suas assinaturas em um documento público.
Passam por cima, impunemente, dos mais comezinhos direitos individuais, como se fossem seres de outras castas, personificações de divindades, e não humanos, exatamente iguais àqueles que criminosamente espezinham em nome de ideologias falidas e belas teorias, mas que nunca saíram do papel.
Não poderia, portanto, ser mais oportuna a escolha da Comissão do Nobel para a atribuição do Prêmio da Paz de 1986. Elie Wiesel sentiu na própria carne os efeitos do racismo, da estúpida discriminação, do auge da irracionalidade humana. Foi submetido, quando ainda adolescente, às maiores degradações a que um homem poderia ser reduzido.
Viu a mãe ser trucidada, sem a menor chance de defesa, numa câmara de gás, em Auschwitz. Por dois longos anos suportou as piores torturas físicas e morais pelas quais uma pessoa poderia passar, mas resistiu. É claro que tamanho sofrimento deixou marcas profundas e indeléveis em seu espírito. Não havia como não deixar.
Todavia, ao invés de alimentar um estéril e destrutivo espírito de vingança e de ódio, Wiesel decidiu fazer algo de construtivo, de útil, de prático e positivo. Enquanto milhares de intelectuais, a pretexto de curarem velhas feridas e conciliarem os povos, tentaram colocar uma pedra sobre aqueles acontecimentos terríveis dos seis anos de insânia que abalaram a Europa, o jovem escritor romeno decidiu se transformar na consciência do mundo ocidental. Não para cobrar alguma possível vingança, ou qualquer espécie de reparação pecuniária (a que, convenhamos, tinha pleno direito), mas para alertar as pessoas sobre os riscos da omissão. Para evitar que a cegueira moral, a estupidez, o preconceito, a covardia e, sobretudo, a ignorância, voltassem a dominar cidadãos de bem. Somente assim, entendia Wiesel, essas barbaridades não tornariam a ser cometidas, sob os olhares passivos dos que as poderiam evitar, mas não evitaram.
Nenhuma sociedade tem condições de prosperar se não tiver por fundamentos o direito e a lei. Se não for regida por um conjunto de normas justas e universais, que a todos obrigue, sem qualquer distinção, privilégio ou exceção, descambará para a baderna, a desordem e a desagregação.
Respeitar, portanto, o compromisso firmado nas Nações Unidas não é nenhuma magnanimidade de qualquer sistema político ou governo. É sua obrigação prioritária. A violação desses direitos e princípios, sim, é crime hediondo, de lesa-pátria (senão, de lesa-humanidade) e passiva de severas sanções dos seus pares no concerto das nações civilizadas.
É essa consciência que precisa ser definitivamente firmada, para que possamos dizer, de alto e bom som, que vivemos, de fato, num mundo de seres racionais, inteligentes e civilizados. E o Prêmio Nobel da Paz, outorgado a Elie Wiesel, pode contribuir, e muito, para esse tipo de conscientização..
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 15 de outubro de 1986).
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