A ardente Beatriz e a eclética Denise
Pedro J. Bondaczuk
A sensibilidade poética, obviamente, é assexuada. Todavia, em alguns casos, pela temática adotada e pela forma com que determinado poema é desenvolvido, é possível, à simples leitura, distinguir se quem o escreveu é homem ou mulher. O que conta, porém, em todos os casos, é o talento, este também assexuado.
Destaco, nesta breve jornada sentimental pela obra de poetas injustiçados pelo público, uma poetisa de primeiríssima linha, que nada fica a dever, por exemplo, a uma Adélia Prado, ou Cora Coralina ou, mesmo, Cecília Meirelles. Refiro-me a Beatriz Sampaio Azevedo. Devo ressaltar, porém, que não se trata, exatamente, de uma artista pouco conhecida ou esquecida. Pelo contrário, é conhecidíssima e bem-sucedida.
Ocorre que seu sucesso não se dá, exatamente na poesia, embora conte com três excelentes livros publicados: “Idade da Pedra”, “Peripatético” e “Tudo quanto arde”. Beatriz Sampaio, como é conhecida, é cantora e compositora, graduada em artes cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez diversos cursos no exterior, tendo estudado, entre outras renomadas instituições, no Mannes College of Music e no Jazz and Contemporary Music Program de Nova York.
A poesia de Beatriz Sampaio é bem como ela: sensual, requintada e fina, quando o tema exige, mas desbocada (sem ser grosseira) e franca, em determinadas ocasiões, quando o assunto assim requer. Tem uma facilidade incrível no manejo das palavras, que são como que suas escravas, com as quais faz o que quer. Esse domínio vocabular fica mais patente do que nunca, por exemplo, no poema “Sempre divagar”, que transcrevo abaixo:
“Sempre divagar
observando as ruas da cidade
com o olho clínico
de quem quer desvendar.
Vagas pela cidade
olhando as luzes com olho clínico
de quem quer aprender.
Sempre devagar
observando as pessoas da cidade
com olho lúcido
de quem quer fantasiar.
Vagar pela cidade
olhando as cores
com olho músico
de quem quer frutificar”.
A arte poética é isto. É como soprar vidro incandescente, fazendo maravilhosas taças de cristal de fantasias ou, melhor, de “além-da-realidade” ou “transrrealidade”. Como nestes versos de apresentação, de cartão de visita poético da artista, intitulados “Eu sou a Beatriz”:
“Eu sou a Beatriz
sem dentes
eu sou a Beatriz
dândi abundante
eu sou a Beatriz
estridente gigante
eu não sou mais
a Beatriz de Dante”.
Ou como nestes versos, cujo título desconheço:
“Daqui por diante
vou ficar mais exigente:
só vai ser príncipe
o sapo que eu invente”.
Outra poetisa, que quero destacar, é a carioca Denise Emmer. A rigor, ela é muito mais conhecida do que Beatriz Sampaio e todos os demais que abordo nestas considerações, embora tenha uma trajetória que guarda algumas semelhanças com ela. Seu renome, ao contrário do que muitos pensam, não se deve apenas aos seus pais ilustres (é filha da consagrada escritora de novelas Janete Clair, cujo nome verdadeiro era Janete Stocco Emmer, e do não menos famoso escritor e dramaturgo Dias Gomes). Tem uma produção considerável, tanto na música, quanto na literatura, que a credenciam como a grande artista que é.
Além de poetisa, Denise é instrumentista, cantora e compositora. Graduou-se em Física (licenciatura e bacharelado) e pós-graduou-se em Filosofia. Participou de grupos de música antiga. É flautista, violoncelista e pianista clássica, além de respeitada arranjadora. Musicou vários de seus poemas, que se tornaram sucesso como trilhas sonoras de muitas novelas da Rede Globo.
Denise Emmer, contudo, esbanja talento em literatura, tendo publicado doze livros, sendo dez de poesias (dos quais os principais são “Geração estrela”, “Flor do milênio”, “Canções de acender a noite” e “Cantares de amor e abismo”) e dois romances (“O insólito festim” e “O violoncelo verde”). Conquistou oito prêmios literários e é membro titular do Pen Club do Brasil. Apesar de reconhecida pela crítica, e de ser conhecidíssima nos meios artísticos, poucas pessoas têm acesso à sua magnífica poesia. Este “O inventor de enigmas” é uma excelente amostra do seu imenso talento:
“Entre formas que fabrico
eis-me arquiteta das águas
ofício de soprar mundos
e remover madrugadas
rapsódias absurdas
sobre desertas estradas
impacto de portas batendo
esquivas entediadas”.
Lindo, não é verdade? Deveria ser mais divulgada, para que mais e mais pessoas pudessem ter este grande prazer estético de se deliciar com o seu talento.
Pedro J. Bondaczuk
A sensibilidade poética, obviamente, é assexuada. Todavia, em alguns casos, pela temática adotada e pela forma com que determinado poema é desenvolvido, é possível, à simples leitura, distinguir se quem o escreveu é homem ou mulher. O que conta, porém, em todos os casos, é o talento, este também assexuado.
Destaco, nesta breve jornada sentimental pela obra de poetas injustiçados pelo público, uma poetisa de primeiríssima linha, que nada fica a dever, por exemplo, a uma Adélia Prado, ou Cora Coralina ou, mesmo, Cecília Meirelles. Refiro-me a Beatriz Sampaio Azevedo. Devo ressaltar, porém, que não se trata, exatamente, de uma artista pouco conhecida ou esquecida. Pelo contrário, é conhecidíssima e bem-sucedida.
Ocorre que seu sucesso não se dá, exatamente na poesia, embora conte com três excelentes livros publicados: “Idade da Pedra”, “Peripatético” e “Tudo quanto arde”. Beatriz Sampaio, como é conhecida, é cantora e compositora, graduada em artes cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez diversos cursos no exterior, tendo estudado, entre outras renomadas instituições, no Mannes College of Music e no Jazz and Contemporary Music Program de Nova York.
A poesia de Beatriz Sampaio é bem como ela: sensual, requintada e fina, quando o tema exige, mas desbocada (sem ser grosseira) e franca, em determinadas ocasiões, quando o assunto assim requer. Tem uma facilidade incrível no manejo das palavras, que são como que suas escravas, com as quais faz o que quer. Esse domínio vocabular fica mais patente do que nunca, por exemplo, no poema “Sempre divagar”, que transcrevo abaixo:
“Sempre divagar
observando as ruas da cidade
com o olho clínico
de quem quer desvendar.
Vagas pela cidade
olhando as luzes com olho clínico
de quem quer aprender.
Sempre devagar
observando as pessoas da cidade
com olho lúcido
de quem quer fantasiar.
Vagar pela cidade
olhando as cores
com olho músico
de quem quer frutificar”.
A arte poética é isto. É como soprar vidro incandescente, fazendo maravilhosas taças de cristal de fantasias ou, melhor, de “além-da-realidade” ou “transrrealidade”. Como nestes versos de apresentação, de cartão de visita poético da artista, intitulados “Eu sou a Beatriz”:
“Eu sou a Beatriz
sem dentes
eu sou a Beatriz
dândi abundante
eu sou a Beatriz
estridente gigante
eu não sou mais
a Beatriz de Dante”.
Ou como nestes versos, cujo título desconheço:
“Daqui por diante
vou ficar mais exigente:
só vai ser príncipe
o sapo que eu invente”.
Outra poetisa, que quero destacar, é a carioca Denise Emmer. A rigor, ela é muito mais conhecida do que Beatriz Sampaio e todos os demais que abordo nestas considerações, embora tenha uma trajetória que guarda algumas semelhanças com ela. Seu renome, ao contrário do que muitos pensam, não se deve apenas aos seus pais ilustres (é filha da consagrada escritora de novelas Janete Clair, cujo nome verdadeiro era Janete Stocco Emmer, e do não menos famoso escritor e dramaturgo Dias Gomes). Tem uma produção considerável, tanto na música, quanto na literatura, que a credenciam como a grande artista que é.
Além de poetisa, Denise é instrumentista, cantora e compositora. Graduou-se em Física (licenciatura e bacharelado) e pós-graduou-se em Filosofia. Participou de grupos de música antiga. É flautista, violoncelista e pianista clássica, além de respeitada arranjadora. Musicou vários de seus poemas, que se tornaram sucesso como trilhas sonoras de muitas novelas da Rede Globo.
Denise Emmer, contudo, esbanja talento em literatura, tendo publicado doze livros, sendo dez de poesias (dos quais os principais são “Geração estrela”, “Flor do milênio”, “Canções de acender a noite” e “Cantares de amor e abismo”) e dois romances (“O insólito festim” e “O violoncelo verde”). Conquistou oito prêmios literários e é membro titular do Pen Club do Brasil. Apesar de reconhecida pela crítica, e de ser conhecidíssima nos meios artísticos, poucas pessoas têm acesso à sua magnífica poesia. Este “O inventor de enigmas” é uma excelente amostra do seu imenso talento:
“Entre formas que fabrico
eis-me arquiteta das águas
ofício de soprar mundos
e remover madrugadas
rapsódias absurdas
sobre desertas estradas
impacto de portas batendo
esquivas entediadas”.
Lindo, não é verdade? Deveria ser mais divulgada, para que mais e mais pessoas pudessem ter este grande prazer estético de se deliciar com o seu talento.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment