OEA busca identidade
Pedro J. Bondaczuk
A Organização dos Estados Americanos, com sede em Washington e que congrega 23 países das três Américas, vive um momento em que ou se define como um organismo atuante, em termos de soluções dos problemas continentais, ou fatalmente cairá no cemitério das velharias e inutilidades históricas, num lamentável fim para uma entidade criada com propósitos tão elevados.
É para buscar essa identidade perdida que a OEA se reúne, em Assembléia Geral, amanhã, em Brasília, no 14º encontro ordinário dessa espécie, num momento em que grandes tensões inquietam os povos abaixo do Rio Grande (conforme nos classifica a imprensa norte-americana).
O esvaziamento da organização começou, na verdade, em 1962, no momento em que expulsou Cuba. Evoluiu com a própria intensificação, na América Latina, do conflito estratégico-ideológico travado por Estados Unidos e União Soviética, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, fazendo com que os países da área se transformassem em meros joguetes das superpotências.
Estas, ávidas por impor seus conceitos e para usar sua influência em proveito próprio, jamais se importaram com os reais problemas vividos pelos povos latino-americanos. O desgaste da OEA teve seu golpe de misericórdia em 1982, quando um de seus membros (o principal deles, por abrigar a sede do organismo e ser o que fornece a sua quase totalidade de recursos) quebrou o pacto de solidariedade estabelecido na carta constitutiva da organização, firmada por todos os associados em abril de 1948, apoiando forças extracontinentais contra um Estado ao qual jurou fidelidade.
Referimo-nos à posição tomada pelo governo dos Estados Unidos contra a Argentina, durante a Guerra das Malvinas. Embora protestando uma estrita neutralidade no conflito do Atlântico Sul, soube-se na ocasião que Washington prestou, até mesmo, apoio logístico à Armada Britânica, que atravessou o mundo para vir fazer uma guerra às nossas barbas, humilhando, com sua arrogância, um parceiro da nossa esfera.
Depois disso, e mercê de uma desastrada gestão do ex-secretário Alejandro Orfilla, que recebeu até mesmo uma censura de seus pares muito recentemente, sob suspeita de ter praticado uma série de irregularidades, a OEA acabou por se esvaziar de vez. A tal ponto, que os problemas da América Latina passaram a ser levados a grupos paralelos que se formaram à sua sombra, e não mais a esse organismo continental.
Assim foi com a questão da guerrilha na América Central, onde o Grupo de Contadora, composto por México, Colômbia, Panamá e Venezuela, atuou como catalisador do diálogo, evitando o alastramento da guerra na região e a conseqüente intervenção armada norte-americana na Nicarágua e em El Salvador. Repetiu-se com o caso da dívida externa da maioria dos países latino-americanos, cuja ação comum, para fazer frente ao angustiante problema, vem sendo coordenada pelo Grupo de Cartagena. E ameaça multiplicar-se em tantas outras situações, que atormentam a região como um todo.
Oportunamente, a 14ª Assembléia terá por sede Brasília, numa demonstração de que há um fato novo dentro do organismo. Ou seja, o empenho, até aqui tíbio, do país que pelo seu porte e sua natural liderança (ditada não apenas pela extensão territorial, população e poderio militar, mas pela própria postura coerente de sua política externa) pode ser considerado o mais importante da OEA, ao lado dos EUA. Claro que nos referimos ao Brasil.
A própria escolha de um diplomata brasileiro, de extraordinária folha de serviços prestados e com vasta experiência no "métier", como é o embaixador João Clemente Baena Soares, demonstra que o nosso país resolveu "entrar de sola" na revalorização desse tão importante organismo. E a sua gestão já começa com um grande teste, que é a inequívoca tensão entre Washington e Manágua, agravada com a denúncia de que a Nicarágua estaria adquirindo aviões de combate soviéticos Mig-21.
Cabe à OEA, que congrega, inclusive, os dois beligerantes, o papel que vem sendo desempenhado (com muita competência, diga-se de passagem) pelo Grupo de Contadora, visando a aparar mais estas arestas e a permitir pelo menos uma convivência pacífica entre países com realidades e posturas ideológicas tão antagônicas,
Os objetivos da entidade, aliás, consubstanciados em sua carta constitutiva, são exatamente estes: promover a solidariedade entre os Estados das três Américas, defender a soberania nacional de cada um deles, além de articular um intercâmbio de serviços sociais, políticos e técnicos, para a integração e o desenvolvimento regionais.
Na ocasião da guerra das Malvinas foi cogitada, até mesmo, a mudança da sede da OEA, para evitar o tratamento que a aliança vem merecendo por parte do país que abriga, na maior parte das vezes até de menosprezo. Pensou-se em transferi-la para San José, na Costa Rica, o que ainda não aconteceu, provavelmente, por problemas econômicos.
Bem que a questão poderia ser novamente levantada. Só que a cidade ideal para sediar o organismo é, sem dúvida nenhuma, Brasília. Pela importância que o nosso país tem em todo o Terceiro Mundo. Pela isenção de ânimo que o Brasil sempre demonstrou no trato das grandes questões internacionais. E, principalmente, pela grande tradição, legada ao Itamaraty, pela figura (até legendária, em se tratando de diplomacia), do Barão de Rio Branco. Só uma posição clara poderá salvar a OEA da extinção.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de novembro de 1984).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A Organização dos Estados Americanos, com sede em Washington e que congrega 23 países das três Américas, vive um momento em que ou se define como um organismo atuante, em termos de soluções dos problemas continentais, ou fatalmente cairá no cemitério das velharias e inutilidades históricas, num lamentável fim para uma entidade criada com propósitos tão elevados.
É para buscar essa identidade perdida que a OEA se reúne, em Assembléia Geral, amanhã, em Brasília, no 14º encontro ordinário dessa espécie, num momento em que grandes tensões inquietam os povos abaixo do Rio Grande (conforme nos classifica a imprensa norte-americana).
O esvaziamento da organização começou, na verdade, em 1962, no momento em que expulsou Cuba. Evoluiu com a própria intensificação, na América Latina, do conflito estratégico-ideológico travado por Estados Unidos e União Soviética, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, fazendo com que os países da área se transformassem em meros joguetes das superpotências.
Estas, ávidas por impor seus conceitos e para usar sua influência em proveito próprio, jamais se importaram com os reais problemas vividos pelos povos latino-americanos. O desgaste da OEA teve seu golpe de misericórdia em 1982, quando um de seus membros (o principal deles, por abrigar a sede do organismo e ser o que fornece a sua quase totalidade de recursos) quebrou o pacto de solidariedade estabelecido na carta constitutiva da organização, firmada por todos os associados em abril de 1948, apoiando forças extracontinentais contra um Estado ao qual jurou fidelidade.
Referimo-nos à posição tomada pelo governo dos Estados Unidos contra a Argentina, durante a Guerra das Malvinas. Embora protestando uma estrita neutralidade no conflito do Atlântico Sul, soube-se na ocasião que Washington prestou, até mesmo, apoio logístico à Armada Britânica, que atravessou o mundo para vir fazer uma guerra às nossas barbas, humilhando, com sua arrogância, um parceiro da nossa esfera.
Depois disso, e mercê de uma desastrada gestão do ex-secretário Alejandro Orfilla, que recebeu até mesmo uma censura de seus pares muito recentemente, sob suspeita de ter praticado uma série de irregularidades, a OEA acabou por se esvaziar de vez. A tal ponto, que os problemas da América Latina passaram a ser levados a grupos paralelos que se formaram à sua sombra, e não mais a esse organismo continental.
Assim foi com a questão da guerrilha na América Central, onde o Grupo de Contadora, composto por México, Colômbia, Panamá e Venezuela, atuou como catalisador do diálogo, evitando o alastramento da guerra na região e a conseqüente intervenção armada norte-americana na Nicarágua e em El Salvador. Repetiu-se com o caso da dívida externa da maioria dos países latino-americanos, cuja ação comum, para fazer frente ao angustiante problema, vem sendo coordenada pelo Grupo de Cartagena. E ameaça multiplicar-se em tantas outras situações, que atormentam a região como um todo.
Oportunamente, a 14ª Assembléia terá por sede Brasília, numa demonstração de que há um fato novo dentro do organismo. Ou seja, o empenho, até aqui tíbio, do país que pelo seu porte e sua natural liderança (ditada não apenas pela extensão territorial, população e poderio militar, mas pela própria postura coerente de sua política externa) pode ser considerado o mais importante da OEA, ao lado dos EUA. Claro que nos referimos ao Brasil.
A própria escolha de um diplomata brasileiro, de extraordinária folha de serviços prestados e com vasta experiência no "métier", como é o embaixador João Clemente Baena Soares, demonstra que o nosso país resolveu "entrar de sola" na revalorização desse tão importante organismo. E a sua gestão já começa com um grande teste, que é a inequívoca tensão entre Washington e Manágua, agravada com a denúncia de que a Nicarágua estaria adquirindo aviões de combate soviéticos Mig-21.
Cabe à OEA, que congrega, inclusive, os dois beligerantes, o papel que vem sendo desempenhado (com muita competência, diga-se de passagem) pelo Grupo de Contadora, visando a aparar mais estas arestas e a permitir pelo menos uma convivência pacífica entre países com realidades e posturas ideológicas tão antagônicas,
Os objetivos da entidade, aliás, consubstanciados em sua carta constitutiva, são exatamente estes: promover a solidariedade entre os Estados das três Américas, defender a soberania nacional de cada um deles, além de articular um intercâmbio de serviços sociais, políticos e técnicos, para a integração e o desenvolvimento regionais.
Na ocasião da guerra das Malvinas foi cogitada, até mesmo, a mudança da sede da OEA, para evitar o tratamento que a aliança vem merecendo por parte do país que abriga, na maior parte das vezes até de menosprezo. Pensou-se em transferi-la para San José, na Costa Rica, o que ainda não aconteceu, provavelmente, por problemas econômicos.
Bem que a questão poderia ser novamente levantada. Só que a cidade ideal para sediar o organismo é, sem dúvida nenhuma, Brasília. Pela importância que o nosso país tem em todo o Terceiro Mundo. Pela isenção de ânimo que o Brasil sempre demonstrou no trato das grandes questões internacionais. E, principalmente, pela grande tradição, legada ao Itamaraty, pela figura (até legendária, em se tratando de diplomacia), do Barão de Rio Branco. Só uma posição clara poderá salvar a OEA da extinção.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de novembro de 1984).
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