Pedro J. Bondaczuk
O homem só, fora do seu grupo (quer familiar, quer social, político, ideológico etc.), é um dos animais mais frágeis e vulneráveis da natureza. Sua imensa força e inegável poder advêm do coletivo, da soma de várias capacidades individuais, a despeito da sua faculdade de raciocínio e compreensão, que o distingue dos demais seres vivos. Depende do que se pode chamar de “sistemas”, que se ligam uns aos outros para compor um todo, que é o conjunto de nações existentes no mundo e que se convencionou chamar de “humanidade”.
Há quem conteste essa dependência e cite o caso de náufragos, que vão parar em remotas ilhas desertas e conseguem sobreviver sozinhos, se adaptando a condições das mais adversas possíveis. Casos, contudo, como o de Robinson Crusoé (que alguns garantem que de fato existiu e que Daniel Defoe, portanto, se baseou num personagem real para escrever o seu clássico), ou do personagem do livro-reportagem de Gabriel Garcia Márquez, que sobreviveu por cerca de 180 dias em uma frágil balsa perdida nas águas do Caribe, são raros.
Ademais, essas pessoas permanecem isoladas por tempo relativamente curto, um ano ou dois se tanto, até serem resgatadas, por isso conseguem sobreviver (quando conseguem). Se não fossem, todavia, encontradas e reconduzidas à “civilização”, quanto tempo sobreviveriam, sem enlouquecer? Quantos meses demorariam para morrer de alguma doença banal (uma gripe, por exemplo), ou de anemia, por falta de assistência médica?
Não adianta argumentar. Gostemos ou não, dependemos de sistemas, com todas as injustiças e contradições que eles possam ter (e, sem dúvida, têm). Mas só os valorizamos quando, por alguma razão, perdemos o lugar em algum deles.
Se a perda for no social, por exemplo, corremos o risco de nos tornar marginais, de virarmos “sem-teto”, a quem ninguém dê guarida, socorro ou pelo menos atenção. É quando desejamos, desesperadamente, retornar à condição anterior à perda, às vezes (quase sempre) em vão.
Os rótulos variam, mas a sensação de impotência é sempre a mesma. Se a perda ocorre, por exemplo, no sistema político, tornamo-nos subversivos, com riscos de terminarmos à frente de um pelotão de fuzilamento ou de apodrecermos em alguma prisão. Se for no religioso, seremos considerados ateus, mesmo que creiamos piamente em Deus. E assim por diante.
Atentei para esse fato, porém, apenas após ler este trecho de Nathaniel Hawthorne, que a princípio analisei com desdém, mas que no final das contas tive que aceitar como a mais pura expressão da verdade, dadas as evidências: “Em meio à aparente confusão de nosso misterioso mundo, os indivíduos estão de tal forma perfeitamente ajustados a um sistema e os sistemas uns aos outros e todos a um todo que um homem, ao sair de um sistema por um momento, se expõe ao risco espantoso de perder seu lugar para sempre”.
E por que desdenhei, em princípio, dessa constatação? Por causa do histórico de vida de Hawthorne. É verdade que o autor de best-sellers como “A letra escarlate”, “Fanshave”, “Histórias narradas duas vezes” e “O fauno de mármore”, entre outras, é considerado o primeiro grande escritor da Literatura norte-americana, que deu ao mundo mentes notáveis e privilegiadas como Henry David Thoreau, Ernest Hemmingway, John Steinbeck, John dos Passos, Scot Fitzgerald, William Faulkner, Edgar Alan Poe, Walt Whitman, Ralph Waldo Emerson, Will Durand etc.etc.etc. Como se vê, não é pouca coisa. Além disso, ele é tido e havido como o maior contista já nascido nos Estados Unidos (o que, a meu ver, é contestável).
Se Hawthorne foi tudo isso, qual a razão de ficar com um pé atrás em relação à citada observação? O motivo é o seu engajamento. É a sua visão parcial e dogmática do mundo. É a rigidez com que avalia quem não pensa como ele. Afinal, esse escritor é considerado, até hoje, ícone do puritanismo. Portanto, com forma de encarar o mundo (e os homens) adstrita, exclusivamente, (se não fanaticamente) à sua linha de pensamento.
Ademais, na verdade, não afirmei que sua constatação era incorreta. Disse, apenas, que precisei meditar um pouco para concluir o quanto é verdadeira e pertinente. Nathaniel Hawthorne foi bisneto de um dos mais implacáveis juízes das feiticeiras de Salém (sua cidade natal), na Nova Inglaterra, episódio que a maioria dos norte-americanos não tem lá muito orgulho de recordar. Mas parece que ele tinha.
A conclusão a que chego é que o tão propalado livre-arbítrio não é tão livre quanto se pensa ou seria desejável. Estamos subjugados à férrea dependência advinda da nossa fragilidade individual. E isso derruba todos os postulados anarquistas, de uma vida sem regras, leis, normas ou quaisquer outras imposições que confiram ordem e rigor à vida em comunidade.
O homem só, fora do seu grupo (quer familiar, quer social, político, ideológico etc.), é um dos animais mais frágeis e vulneráveis da natureza. Sua imensa força e inegável poder advêm do coletivo, da soma de várias capacidades individuais, a despeito da sua faculdade de raciocínio e compreensão, que o distingue dos demais seres vivos. Depende do que se pode chamar de “sistemas”, que se ligam uns aos outros para compor um todo, que é o conjunto de nações existentes no mundo e que se convencionou chamar de “humanidade”.
Há quem conteste essa dependência e cite o caso de náufragos, que vão parar em remotas ilhas desertas e conseguem sobreviver sozinhos, se adaptando a condições das mais adversas possíveis. Casos, contudo, como o de Robinson Crusoé (que alguns garantem que de fato existiu e que Daniel Defoe, portanto, se baseou num personagem real para escrever o seu clássico), ou do personagem do livro-reportagem de Gabriel Garcia Márquez, que sobreviveu por cerca de 180 dias em uma frágil balsa perdida nas águas do Caribe, são raros.
Ademais, essas pessoas permanecem isoladas por tempo relativamente curto, um ano ou dois se tanto, até serem resgatadas, por isso conseguem sobreviver (quando conseguem). Se não fossem, todavia, encontradas e reconduzidas à “civilização”, quanto tempo sobreviveriam, sem enlouquecer? Quantos meses demorariam para morrer de alguma doença banal (uma gripe, por exemplo), ou de anemia, por falta de assistência médica?
Não adianta argumentar. Gostemos ou não, dependemos de sistemas, com todas as injustiças e contradições que eles possam ter (e, sem dúvida, têm). Mas só os valorizamos quando, por alguma razão, perdemos o lugar em algum deles.
Se a perda for no social, por exemplo, corremos o risco de nos tornar marginais, de virarmos “sem-teto”, a quem ninguém dê guarida, socorro ou pelo menos atenção. É quando desejamos, desesperadamente, retornar à condição anterior à perda, às vezes (quase sempre) em vão.
Os rótulos variam, mas a sensação de impotência é sempre a mesma. Se a perda ocorre, por exemplo, no sistema político, tornamo-nos subversivos, com riscos de terminarmos à frente de um pelotão de fuzilamento ou de apodrecermos em alguma prisão. Se for no religioso, seremos considerados ateus, mesmo que creiamos piamente em Deus. E assim por diante.
Atentei para esse fato, porém, apenas após ler este trecho de Nathaniel Hawthorne, que a princípio analisei com desdém, mas que no final das contas tive que aceitar como a mais pura expressão da verdade, dadas as evidências: “Em meio à aparente confusão de nosso misterioso mundo, os indivíduos estão de tal forma perfeitamente ajustados a um sistema e os sistemas uns aos outros e todos a um todo que um homem, ao sair de um sistema por um momento, se expõe ao risco espantoso de perder seu lugar para sempre”.
E por que desdenhei, em princípio, dessa constatação? Por causa do histórico de vida de Hawthorne. É verdade que o autor de best-sellers como “A letra escarlate”, “Fanshave”, “Histórias narradas duas vezes” e “O fauno de mármore”, entre outras, é considerado o primeiro grande escritor da Literatura norte-americana, que deu ao mundo mentes notáveis e privilegiadas como Henry David Thoreau, Ernest Hemmingway, John Steinbeck, John dos Passos, Scot Fitzgerald, William Faulkner, Edgar Alan Poe, Walt Whitman, Ralph Waldo Emerson, Will Durand etc.etc.etc. Como se vê, não é pouca coisa. Além disso, ele é tido e havido como o maior contista já nascido nos Estados Unidos (o que, a meu ver, é contestável).
Se Hawthorne foi tudo isso, qual a razão de ficar com um pé atrás em relação à citada observação? O motivo é o seu engajamento. É a sua visão parcial e dogmática do mundo. É a rigidez com que avalia quem não pensa como ele. Afinal, esse escritor é considerado, até hoje, ícone do puritanismo. Portanto, com forma de encarar o mundo (e os homens) adstrita, exclusivamente, (se não fanaticamente) à sua linha de pensamento.
Ademais, na verdade, não afirmei que sua constatação era incorreta. Disse, apenas, que precisei meditar um pouco para concluir o quanto é verdadeira e pertinente. Nathaniel Hawthorne foi bisneto de um dos mais implacáveis juízes das feiticeiras de Salém (sua cidade natal), na Nova Inglaterra, episódio que a maioria dos norte-americanos não tem lá muito orgulho de recordar. Mas parece que ele tinha.
A conclusão a que chego é que o tão propalado livre-arbítrio não é tão livre quanto se pensa ou seria desejável. Estamos subjugados à férrea dependência advinda da nossa fragilidade individual. E isso derruba todos os postulados anarquistas, de uma vida sem regras, leis, normas ou quaisquer outras imposições que confiram ordem e rigor à vida em comunidade.
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