Pedro J. Bondaczuk
A palavra preguiça tem, com razão, conotação bastante negativa. Caracteriza a indolência, a falta de vontade de trabalhar, de agir e até de pensar. Em última análise, rotula o máximo da omissão. O sujeito preguiçoso quer tudo pronto ao seu dispor, sem se dispor a fazer coisíssima nenhuma, se possível nem se mover para comer, exigindo que outros lhe ponham comida na boca.
Fosse o mundo depender de pessoas assim, estaríamos perdidos. Há, porém, um sentido nobre para o termo, que raramente alguém utiliza, por causa do seu significado mais popular e pejorativo. É aquele estado de descontração total, de absoluto relaxamento, ideal para nos reparar as forças físicas e/ou mentais. É o que os romanos chamavam de “ócio com dignidade”.
É nesse estado que surgem algumas idéias, impossíveis de nos visitar quando estamos tensos, ativos e/ou excitados. Foi a ele que Mário de Andrade dedicou instigante texto, que denominou de “A divina preguiça”. Ademais, outros tantos escritores, como Paul Laforgue (genro de Karl Marx) e Bertrand Russell, também escreveram a respeito e traçaram essa distinção.
O artigo “A divina preguiça” foi publicado por Mário de Andrade no jornal “A Gazeta” de São Paulo, da Fundação Casper Líbero, em 3 de setembro de 1918. Antecede, portanto, ao livro “Macunaíma”, escrito dez anos depois. O texto jornalístico e o romance, portanto, não têm nenhuma relação, a não ser certa identidade temática.
Este “herói sem caráter”, aliás, é utilizado, por muitos, como uma espécie de símbolo do brasileiro (ou seu estereótipo, o que é mais correto afirmar). Ele sim era dotado daquele tipo de preguiça condenável, que a palavra, sempre que mencionada, traz, de imediato, à mente. Não é ele, portanto, o que recomendo.
Em certo trecho da referida crônica, o escritor paulistano chega a sugerir: “A arte nasceu porventura de um bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. E respondam-me, com sinceridade: “Quem nunca teve esse tipo de ‘preguiça’”?!
Discordo, todavia, de Paulo Prado ao caracterizar o brasileiro como Macunaíma em potencial. Num texto seu, muito conhecido, dá a entender que os males do Brasil seriam: “um patriotismo fofo, leis com parolas, preguiça, ferrugem, formiga e mofo”. Essas características, convenhamos, podem ser encontradas em pessoas de qualquer país do mundo. Não têm nada a ver com nacionalidade.
O historiador, e secretário do Ministério de Cultura, Célio Turino, escreveu um excelente texto a propósito do artigo de Mário de Andrade, intitulado “O herói sem nenhum trabalho”, publicado em 1° de fevereiro de 2007, cuja leitura recomendo a quem puder ter acesso a ele. É muito esclarecedor.
Já Eneida Maria de Souza observa, em “A preguiça-mal de origem”, que o escritor paulistano (um dos maiores intelectuais do seu tempo) entendia que a condição de ociosidade era válida, sobretudo, ao gesto de meditação, de descontração do intelecto, “a uma certa maneira de filosofar e de exercitar um saber paciente, calmo, desprovido do caráter utilitário de outro tipo de trabalho”.
Em carta escrita ao seu tio Pio, datada de 1933, Mário de Andrade confessou: “Tenho o dom espantoso e bem raro de me considerar feliz (...) A paz dos justos, a serenidade dos experientes, a generosidade dos superiores e aquela concepção de vida que não de alegria se alimenta, mas de amorosa contemplação e paciência, que por isso mesmo não é nem alegre, nem triste, mas é maravilhosamente sábia”.
Esse ócio digno e sereno é a coroação da utopia dos que idealizam a sociedade perfeita, igualitária e justa, em que ninguém precise sequer trabalhar, por todos terem garantida a satisfação das suas necessidades vitais. Na concepção desses delirantes sonhadores, o homem terá todo o tempo do mundo para dedicar-se, apenas, às artes, à filosofia e à expansão do que tem de mais nobre: sua capacidade de pensar e, sobretudo, de imaginar.
O que Mário de Andrade sugere, portanto, não é a preguiça, no sentido usual do termo. Não é a inércia, a acomodação ou a omissão. Longe disso. É, sim, um tempo benigno de reflexão, sem nenhum outro tipo de preocupação para atrapalhar e, sobretudo, de contemplação. Esse tipo de “divina preguiça” é o que também mais quero, sem dúvida. Quem não quer?
A palavra preguiça tem, com razão, conotação bastante negativa. Caracteriza a indolência, a falta de vontade de trabalhar, de agir e até de pensar. Em última análise, rotula o máximo da omissão. O sujeito preguiçoso quer tudo pronto ao seu dispor, sem se dispor a fazer coisíssima nenhuma, se possível nem se mover para comer, exigindo que outros lhe ponham comida na boca.
Fosse o mundo depender de pessoas assim, estaríamos perdidos. Há, porém, um sentido nobre para o termo, que raramente alguém utiliza, por causa do seu significado mais popular e pejorativo. É aquele estado de descontração total, de absoluto relaxamento, ideal para nos reparar as forças físicas e/ou mentais. É o que os romanos chamavam de “ócio com dignidade”.
É nesse estado que surgem algumas idéias, impossíveis de nos visitar quando estamos tensos, ativos e/ou excitados. Foi a ele que Mário de Andrade dedicou instigante texto, que denominou de “A divina preguiça”. Ademais, outros tantos escritores, como Paul Laforgue (genro de Karl Marx) e Bertrand Russell, também escreveram a respeito e traçaram essa distinção.
O artigo “A divina preguiça” foi publicado por Mário de Andrade no jornal “A Gazeta” de São Paulo, da Fundação Casper Líbero, em 3 de setembro de 1918. Antecede, portanto, ao livro “Macunaíma”, escrito dez anos depois. O texto jornalístico e o romance, portanto, não têm nenhuma relação, a não ser certa identidade temática.
Este “herói sem caráter”, aliás, é utilizado, por muitos, como uma espécie de símbolo do brasileiro (ou seu estereótipo, o que é mais correto afirmar). Ele sim era dotado daquele tipo de preguiça condenável, que a palavra, sempre que mencionada, traz, de imediato, à mente. Não é ele, portanto, o que recomendo.
Em certo trecho da referida crônica, o escritor paulistano chega a sugerir: “A arte nasceu porventura de um bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. E respondam-me, com sinceridade: “Quem nunca teve esse tipo de ‘preguiça’”?!
Discordo, todavia, de Paulo Prado ao caracterizar o brasileiro como Macunaíma em potencial. Num texto seu, muito conhecido, dá a entender que os males do Brasil seriam: “um patriotismo fofo, leis com parolas, preguiça, ferrugem, formiga e mofo”. Essas características, convenhamos, podem ser encontradas em pessoas de qualquer país do mundo. Não têm nada a ver com nacionalidade.
O historiador, e secretário do Ministério de Cultura, Célio Turino, escreveu um excelente texto a propósito do artigo de Mário de Andrade, intitulado “O herói sem nenhum trabalho”, publicado em 1° de fevereiro de 2007, cuja leitura recomendo a quem puder ter acesso a ele. É muito esclarecedor.
Já Eneida Maria de Souza observa, em “A preguiça-mal de origem”, que o escritor paulistano (um dos maiores intelectuais do seu tempo) entendia que a condição de ociosidade era válida, sobretudo, ao gesto de meditação, de descontração do intelecto, “a uma certa maneira de filosofar e de exercitar um saber paciente, calmo, desprovido do caráter utilitário de outro tipo de trabalho”.
Em carta escrita ao seu tio Pio, datada de 1933, Mário de Andrade confessou: “Tenho o dom espantoso e bem raro de me considerar feliz (...) A paz dos justos, a serenidade dos experientes, a generosidade dos superiores e aquela concepção de vida que não de alegria se alimenta, mas de amorosa contemplação e paciência, que por isso mesmo não é nem alegre, nem triste, mas é maravilhosamente sábia”.
Esse ócio digno e sereno é a coroação da utopia dos que idealizam a sociedade perfeita, igualitária e justa, em que ninguém precise sequer trabalhar, por todos terem garantida a satisfação das suas necessidades vitais. Na concepção desses delirantes sonhadores, o homem terá todo o tempo do mundo para dedicar-se, apenas, às artes, à filosofia e à expansão do que tem de mais nobre: sua capacidade de pensar e, sobretudo, de imaginar.
O que Mário de Andrade sugere, portanto, não é a preguiça, no sentido usual do termo. Não é a inércia, a acomodação ou a omissão. Longe disso. É, sim, um tempo benigno de reflexão, sem nenhum outro tipo de preocupação para atrapalhar e, sobretudo, de contemplação. Esse tipo de “divina preguiça” é o que também mais quero, sem dúvida. Quem não quer?
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