Pedro J. Bondaczuk
Os caminhos do sucesso e da felicidade são, via de regra, ásperos e acidentados, e nunca teremos a certeza de que nossos esforços para alcançá-los não serão vãos. Todavia, se não tentarmos, se não buscarmos nossos objetivos com inteligência, vontade, competência e determinação, de uma coisa poderemos estar certos: o fracasso será fatal e inevitável.
O escritor Graham Greene escreveu, no livro “O Poder e a Glória” (metaforicamente é claro), “que o caminho do céu é através do inferno”. Ou seja, só chegaremos à nossa meta enfrentando os obstáculos naturais inerentes à nossa condição humana e à realidade do mundo.
Não podemos esperar, pois, que o mal e o erro não nos afetem. Vão afetar. Depende, porém, do quanto. E, principalmente, da forma que reagirmos. Mesmo inevitáveis, nem por isso devemos nos submeter a eles, mas combatê-los com todas as nossas forças. O caminho da omissão, a pretexto de que somos pequenos e insignificantes demais para mudar a terrível realidade que nos cerca, é o mais equivocado, pífio e covarde que se possa escolher.
Conheci, há cinqüenta anos, uma pessoa que me inspira e sacode até hoje, todas as vezes em que me sinto tentado a abrir mão do empenho na busca do meu ideal de solidariedade, fraternidade e justiça e penso em deixar “as coisas rolarem”, em tácita admissão da minha desimportância (perdoem o neologismo). Chamava-se Luiz Gonzaga e era, literalmente, mero “toquinho de gente”.
Nascera com má-formação congênita que lhe dava uma estatura de no máximo 40 centímetros (sem nenhum exagero). Não tinha pernas e os braços eram apenas dois tocos, dos ombros à altura dos cotovelos. Tinha lábios leporinos e dependia em tudo, em absolutamente tudo dos outros: para se alimentar, para ser levado de um lugar a outro, para fazer as necessidades fisiológicas, para se lavar, se vestir, enfim, sobreviver.
Era, como se vê, uma criança que tinha tudo para se desesperar e rogar desesperada pela morte que a livrasse daquele inferno. Todavia, o Luiz Gonzaga era inteligentíssimo e, sobretudo, positivo e otimista. Novinho ainda (tinha nove anos de idade quando o conheci), tinha plena noção da sua absoluta dependência, mas não se importava com isso.
“Pagava” a assistência recebida de uma enfermeira especialmente destacada para cuidar dele (os pais abandonaram-no em uma instituição de caridade, onde o conheci), com palavras invariavelmente meigas e um permanente sorriso. E este, se percebia, não era somente com os lábios, como que num esgar, como a maioria das pessoas faz. O Luizinho (como todos o chamavam) sorria com os olhos, lindos, lindos, de uma beleza ímpar, peculiar e única, de um azul como nunca mais vi em pessoa alguma, bem-desenhados e brilhantes, que refletiam profunda inteligência.
Quando o conheci, já sabia ler. Deliciava-se, sobretudo, com gibis, principalmente (que ironia), com os do “Super-Homem” e do “Pato Donald”. Mas lia tudo o que lhe colocassem pela frente. Apreciava, em especial, “As aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain. Num esforço sobreumano, para ele natural, estava aprendendo a escrever. Escrevia com o lápis entre os dentes, movimentando a cabeça. E a letra não era de se jogar fora. Era melhor, pelo menos, do que a de muitos marmanjos relapsos que não têm capricho sequer nisso. Luizinho dizia que tinha um grande sonho: o de ser escritor.
Não sei que fim ele levou. Creio que já deva ter morrido, dada sua extrema fragilidade. Foi, em grande parte, pensando nele, todavia, que venho tentando há anos concretizar o sonho que esse angelical menininho provavelmente nunca concretizou. Foi por ele que me empenhei, desde então (e continuo me empenhando) para me tornar, se não excelente, pelo menos bom escritor.
Todas as vezes que eu “tropeçava” na vida e tinha algum fracasso, alguma decepção amorosa, alguma perda de emprego ou outro desgosto qualquer – dessas bobagens que tantas vezes nos afligem e que damos dimensões gigantescas, quando não passam de picuinhas – eu ia visitar o Luizinho na instituição em que estava internado e tinha longas conversas com o menino.
Falávamos de tudo, com a maior naturalidade e descontração, como dois iguais (e não como um superior, no caso ele, e outro muitíssimo inferior, eu) sem reservas ou constrangimentos. E, sobretudo, ríamos, ríamos bastante, de tudo e de todos, principalmente de nós mesmos. O garoto – dava para perceber – fazia isso sem o menor laivo de mágoa com o que ou quem quer que fosse, pela sua condição e situação. Parecia, pelo contrário, divertir-se com ela. Que privilégio o meu de conhecer um ser humano na verdadeira acepção do termo, tão luminoso e iluminado!!!
Eu voltava para casa, desses encontros (e foram muitos), invariavelmente envergonhado com a minha covardia e tibieza face a probleminhas tão banais, comparados aos problemões daquele “pequeno grande homem”. Luizinho ensinou-me que, sejam quais forem nossas circunstâncias e condições, vale a pena viver e batalhar pelos nossos sonhos.
Claro que dessas batalhas nos sobrarão feridas. Não há como escapar. Mas estas serão curadas ao experimentarmos o doce sabor da vitória final, não importa o quão minúscula essa venha eventualmente a ser. Sempre valerá a pena... se a alma não for pequena, mesmo que o corpo seja deformado, judiado e diminuto, como o do meu heróico “pequenino grande homem”.
Os caminhos do sucesso e da felicidade são, via de regra, ásperos e acidentados, e nunca teremos a certeza de que nossos esforços para alcançá-los não serão vãos. Todavia, se não tentarmos, se não buscarmos nossos objetivos com inteligência, vontade, competência e determinação, de uma coisa poderemos estar certos: o fracasso será fatal e inevitável.
O escritor Graham Greene escreveu, no livro “O Poder e a Glória” (metaforicamente é claro), “que o caminho do céu é através do inferno”. Ou seja, só chegaremos à nossa meta enfrentando os obstáculos naturais inerentes à nossa condição humana e à realidade do mundo.
Não podemos esperar, pois, que o mal e o erro não nos afetem. Vão afetar. Depende, porém, do quanto. E, principalmente, da forma que reagirmos. Mesmo inevitáveis, nem por isso devemos nos submeter a eles, mas combatê-los com todas as nossas forças. O caminho da omissão, a pretexto de que somos pequenos e insignificantes demais para mudar a terrível realidade que nos cerca, é o mais equivocado, pífio e covarde que se possa escolher.
Conheci, há cinqüenta anos, uma pessoa que me inspira e sacode até hoje, todas as vezes em que me sinto tentado a abrir mão do empenho na busca do meu ideal de solidariedade, fraternidade e justiça e penso em deixar “as coisas rolarem”, em tácita admissão da minha desimportância (perdoem o neologismo). Chamava-se Luiz Gonzaga e era, literalmente, mero “toquinho de gente”.
Nascera com má-formação congênita que lhe dava uma estatura de no máximo 40 centímetros (sem nenhum exagero). Não tinha pernas e os braços eram apenas dois tocos, dos ombros à altura dos cotovelos. Tinha lábios leporinos e dependia em tudo, em absolutamente tudo dos outros: para se alimentar, para ser levado de um lugar a outro, para fazer as necessidades fisiológicas, para se lavar, se vestir, enfim, sobreviver.
Era, como se vê, uma criança que tinha tudo para se desesperar e rogar desesperada pela morte que a livrasse daquele inferno. Todavia, o Luiz Gonzaga era inteligentíssimo e, sobretudo, positivo e otimista. Novinho ainda (tinha nove anos de idade quando o conheci), tinha plena noção da sua absoluta dependência, mas não se importava com isso.
“Pagava” a assistência recebida de uma enfermeira especialmente destacada para cuidar dele (os pais abandonaram-no em uma instituição de caridade, onde o conheci), com palavras invariavelmente meigas e um permanente sorriso. E este, se percebia, não era somente com os lábios, como que num esgar, como a maioria das pessoas faz. O Luizinho (como todos o chamavam) sorria com os olhos, lindos, lindos, de uma beleza ímpar, peculiar e única, de um azul como nunca mais vi em pessoa alguma, bem-desenhados e brilhantes, que refletiam profunda inteligência.
Quando o conheci, já sabia ler. Deliciava-se, sobretudo, com gibis, principalmente (que ironia), com os do “Super-Homem” e do “Pato Donald”. Mas lia tudo o que lhe colocassem pela frente. Apreciava, em especial, “As aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain. Num esforço sobreumano, para ele natural, estava aprendendo a escrever. Escrevia com o lápis entre os dentes, movimentando a cabeça. E a letra não era de se jogar fora. Era melhor, pelo menos, do que a de muitos marmanjos relapsos que não têm capricho sequer nisso. Luizinho dizia que tinha um grande sonho: o de ser escritor.
Não sei que fim ele levou. Creio que já deva ter morrido, dada sua extrema fragilidade. Foi, em grande parte, pensando nele, todavia, que venho tentando há anos concretizar o sonho que esse angelical menininho provavelmente nunca concretizou. Foi por ele que me empenhei, desde então (e continuo me empenhando) para me tornar, se não excelente, pelo menos bom escritor.
Todas as vezes que eu “tropeçava” na vida e tinha algum fracasso, alguma decepção amorosa, alguma perda de emprego ou outro desgosto qualquer – dessas bobagens que tantas vezes nos afligem e que damos dimensões gigantescas, quando não passam de picuinhas – eu ia visitar o Luizinho na instituição em que estava internado e tinha longas conversas com o menino.
Falávamos de tudo, com a maior naturalidade e descontração, como dois iguais (e não como um superior, no caso ele, e outro muitíssimo inferior, eu) sem reservas ou constrangimentos. E, sobretudo, ríamos, ríamos bastante, de tudo e de todos, principalmente de nós mesmos. O garoto – dava para perceber – fazia isso sem o menor laivo de mágoa com o que ou quem quer que fosse, pela sua condição e situação. Parecia, pelo contrário, divertir-se com ela. Que privilégio o meu de conhecer um ser humano na verdadeira acepção do termo, tão luminoso e iluminado!!!
Eu voltava para casa, desses encontros (e foram muitos), invariavelmente envergonhado com a minha covardia e tibieza face a probleminhas tão banais, comparados aos problemões daquele “pequeno grande homem”. Luizinho ensinou-me que, sejam quais forem nossas circunstâncias e condições, vale a pena viver e batalhar pelos nossos sonhos.
Claro que dessas batalhas nos sobrarão feridas. Não há como escapar. Mas estas serão curadas ao experimentarmos o doce sabor da vitória final, não importa o quão minúscula essa venha eventualmente a ser. Sempre valerá a pena... se a alma não for pequena, mesmo que o corpo seja deformado, judiado e diminuto, como o do meu heróico “pequenino grande homem”.
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