Violência ameaça estabilidade da Europa
Pedro J. Bondaczuk
O Leste europeu, depois do colapso dos regimes comunistas na região, está à procura de sua identidade. Os países que integravam o antigo bloco soviético, entre os quais a própria URSS --- hoje vivendo uma situação caótica em que ninguém sabe quem é quem --- procuram se alinhar com o Ocidente, mas economicamente não se mostram parceiros à altura, embora disponham de um enorme potencial.
Todavia, as mazelas administrativas, em especial no pós-guerra, foram tantas e tamanhas, que hoje eles estão mais para o Terceiro Mundo do que para o Segundo. Do Primeiro, então, estão muito, mas muito distantes mesmo!
Unidos num bloco, sua fragilidade não aparecia tanto, mesmo adotando um sistema de economia centralizada absolutamente carente de criatividade. Separados, os europeus do Leste estão caindo numa espécie de vazio.
Para complicar tudo, a Europa conta, atualmente, com um "foco infeccioso" de violência, que já foi causador de quatro guerras, sendo três regionais e uma mundial. Trata-se da crise da Iugoslávia, país artificialmente costurado pelos todopoderosos do continente no início do século, de forma imperita e até desastrada, com vários "pontos" malcosidos, e que hoje se decompõe a olhos vistos, numa explosão de ódio entre as duas principais etnias que integraram até aqui essa insensata colcha de retalhos.
Enquanto havia um líder carismático do porte de um marechal Jozip Broz Tito --- que acenando com um ideal comum, no caso o comunismo, ou quando necessário recorrendo à mais dura repressão, revelava pelo menos a existência de um comando central ---, a Federação se manteve unida, embora num verdadeiro milagre de engenharia política.
A Iugoslávia de hoje, contudo, já não conta com uma liderança forte que, ou pela persuasão ou mesmo pela simples força, sustente pelo menos um mínimo de coesão. Teme-se que, nessas circunstâncias, ninguém consiga evitar que sérvios e croatas, seculares inimigos, resolvam suas velhas pendências num campo de batalha, como aliás já está acontecendo.
Como toda infecção, porém, esta também tende a se espalhar por todo o organismo, caso não seja inicialmente isolada e em seguida devidamente tratada. A crise iugoslava, raramente enfocada com seriedade pelos analistas políticos, é uma ameaça iminente para toda a Europa e, por conseqüência, para a paz mundial. Até porque ela pode ser, em modelo reduzido, uma amostra daquilo a que a União Soviética está sujeita.
Os soviéticos, todavia, contam com uma vantagem. Enfraquecido ou não pela desagregação do seu império e pelo inegável vazio de poder, Mikhail Gorbachev mostrou que, apesar de impopular entre o seu povo, ainda detém uma certa ascendência sobre ele. Não é amado, mas ainda é respeitado.
A própria oposição que enfrenta se deve ao fato de ser um líder carismático. O norte-americano Jay A. Conger, em seu livro "Líder Carismático", lançado pela "Editora Makron Books" recentemente, constata: "Como um organismo estranho no corpo humano, o carismático acaba por ver-se cercado de anticorpos que podem tentar acabar com ele".
Os golpistas de linha dura tentaram, mas em vão. Embora a obra supracitada seja voltada para a liderança empresarial, traz ensinamentos preciosos igualmente na esfera política.
O italiano Nicoló Machiavel já dizia que "a mudança não tem eleitores". Embora necessária, enfrenta resistências mil até que se consolide. É o que ocorre com o presidente soviético. Até aqui, com suas atitudes, que muitas vezes foram mal interpretadas e definidas como inseguras, vacilantes, tíbias, quando na verdade são prudentes, Gorbachev conseguiu impedir a "balcanização" da URSS.
O presidente da Standard Oil dos Estados Unidos, Robert B. Horton, afirmou: "Para liderar, é preciso análise plácida". Ninguém segue um imbecil. Para liderar é preciso paixão...ardor, zelo, entusiasmo. Esse envolvimento pessoal é absolutamente necessário a um bom líder.
Precisamos da qualidade que Lyndon Johnson, creio eu, chamou de "fogo nas entranhas". O presidente soviético, embora aparente vacilações, tem estas características. Só que a Iugoslávia não conta com a sorte de ter um Gorbachev ou alguém que pelo menos se aproxime dele para administrar a decomposição organizada do país.
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 17 de setembro de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
O Leste europeu, depois do colapso dos regimes comunistas na região, está à procura de sua identidade. Os países que integravam o antigo bloco soviético, entre os quais a própria URSS --- hoje vivendo uma situação caótica em que ninguém sabe quem é quem --- procuram se alinhar com o Ocidente, mas economicamente não se mostram parceiros à altura, embora disponham de um enorme potencial.
Todavia, as mazelas administrativas, em especial no pós-guerra, foram tantas e tamanhas, que hoje eles estão mais para o Terceiro Mundo do que para o Segundo. Do Primeiro, então, estão muito, mas muito distantes mesmo!
Unidos num bloco, sua fragilidade não aparecia tanto, mesmo adotando um sistema de economia centralizada absolutamente carente de criatividade. Separados, os europeus do Leste estão caindo numa espécie de vazio.
Para complicar tudo, a Europa conta, atualmente, com um "foco infeccioso" de violência, que já foi causador de quatro guerras, sendo três regionais e uma mundial. Trata-se da crise da Iugoslávia, país artificialmente costurado pelos todopoderosos do continente no início do século, de forma imperita e até desastrada, com vários "pontos" malcosidos, e que hoje se decompõe a olhos vistos, numa explosão de ódio entre as duas principais etnias que integraram até aqui essa insensata colcha de retalhos.
Enquanto havia um líder carismático do porte de um marechal Jozip Broz Tito --- que acenando com um ideal comum, no caso o comunismo, ou quando necessário recorrendo à mais dura repressão, revelava pelo menos a existência de um comando central ---, a Federação se manteve unida, embora num verdadeiro milagre de engenharia política.
A Iugoslávia de hoje, contudo, já não conta com uma liderança forte que, ou pela persuasão ou mesmo pela simples força, sustente pelo menos um mínimo de coesão. Teme-se que, nessas circunstâncias, ninguém consiga evitar que sérvios e croatas, seculares inimigos, resolvam suas velhas pendências num campo de batalha, como aliás já está acontecendo.
Como toda infecção, porém, esta também tende a se espalhar por todo o organismo, caso não seja inicialmente isolada e em seguida devidamente tratada. A crise iugoslava, raramente enfocada com seriedade pelos analistas políticos, é uma ameaça iminente para toda a Europa e, por conseqüência, para a paz mundial. Até porque ela pode ser, em modelo reduzido, uma amostra daquilo a que a União Soviética está sujeita.
Os soviéticos, todavia, contam com uma vantagem. Enfraquecido ou não pela desagregação do seu império e pelo inegável vazio de poder, Mikhail Gorbachev mostrou que, apesar de impopular entre o seu povo, ainda detém uma certa ascendência sobre ele. Não é amado, mas ainda é respeitado.
A própria oposição que enfrenta se deve ao fato de ser um líder carismático. O norte-americano Jay A. Conger, em seu livro "Líder Carismático", lançado pela "Editora Makron Books" recentemente, constata: "Como um organismo estranho no corpo humano, o carismático acaba por ver-se cercado de anticorpos que podem tentar acabar com ele".
Os golpistas de linha dura tentaram, mas em vão. Embora a obra supracitada seja voltada para a liderança empresarial, traz ensinamentos preciosos igualmente na esfera política.
O italiano Nicoló Machiavel já dizia que "a mudança não tem eleitores". Embora necessária, enfrenta resistências mil até que se consolide. É o que ocorre com o presidente soviético. Até aqui, com suas atitudes, que muitas vezes foram mal interpretadas e definidas como inseguras, vacilantes, tíbias, quando na verdade são prudentes, Gorbachev conseguiu impedir a "balcanização" da URSS.
O presidente da Standard Oil dos Estados Unidos, Robert B. Horton, afirmou: "Para liderar, é preciso análise plácida". Ninguém segue um imbecil. Para liderar é preciso paixão...ardor, zelo, entusiasmo. Esse envolvimento pessoal é absolutamente necessário a um bom líder.
Precisamos da qualidade que Lyndon Johnson, creio eu, chamou de "fogo nas entranhas". O presidente soviético, embora aparente vacilações, tem estas características. Só que a Iugoslávia não conta com a sorte de ter um Gorbachev ou alguém que pelo menos se aproxime dele para administrar a decomposição organizada do país.
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 17 de setembro de 1991).
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