Pedro J. Bondaczuk
O Brasil (infelizmente) tem como uma das suas características o desperdício. Não digo que seja o único e nem o mais perdulário. Mas os outros países não me importam (não muito, pelo menos), pois entendo que cada povo deva resolver seus próprios problemas. Os nossos, portanto, cabe apenas a nós resolvermos. Não se trata de nenhum ufanismo delirante e idiota e muito menos de estúpida alienação, mas de ser-se prático e objetivo.
O Brasil desperdiça de tudo: recursos naturais, como florestas, águas e minérios; alimentos, enquanto muitos ainda passam fome nesta terra em que, conforme constatou, há mais de 500 anos Pero Vaz Caminha, “em se plantando, tudo dá”; vidas, sonhos e talentos. Fosse tudo isso devidamente aproveitado, seríamos, sem favor algum, não apenas super, porém hiper-potência mundial. É pura questão de lógica. Mas não somos (ainda).
A formação do povo brasileiro implicou em horrendos genocídios, de fazer inveja ao vílimo Pol Pot, no Camboja, e aos paranóicos e criminosos asseclas de Adolf Hitler com sua “solução final”, o apocalíptico Holocausto de 6 milhões de judeus. E não se trata de exagero. Foi um processo perverso, maligno, canibalesco, posto que aleatório, sem planejamentos prévios.
O antropólogo, etnólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro (um dos homens mais lúcidos e brilhantes que este país já produziu e um dos mais perseguidos pelos que fizeram de tudo para que não seguíssemos nossos próprios destinos, mas ficássemos a reboque, perpetuamente, dos Estados Unidos), classificou, em seu livro “O povo brasileiro – a fundação e o sentido do Brasil”, o sistema, que agiu de forma tão sanguinária e brutal, de “máquina de moer carne”. E moeu muita!
Sua estimativa (bastante conservadora) é que, entre índios e negros trazidos da África, dez milhões de pessoas foram massacradas de 1500 a 1888! Esta terra generosa, que nos abriga e alimenta, portanto, foi regada (literalmente) com sangue, muito sangue de pessoas inocentes e indefesas. O País desperdiçou (e infelizmente ainda desperdiça) um bem tão precioso que sequer tem preço: vidas!
Mas não é a esse desperdício que me refiro hoje, nestas nossas descompromissadas reflexões. Trago à baila um infinitamente mais brando, porém nem por isso menos lamentável: o desperdício de talentos. Trata-se da morte dos sonhos de milhares, provavelmente milhões de escritores em potencial, que deixaram de ilustrar e engrandecer a Literatura Brasileira por absoluta falta de oportunidades. Exagero meu? Creiam-me, não é.
Atentem para o que escreveu a respeito a pesquisadora Maria Célia Rua de Almeida Paulillo, em seu excelente livro “Tradição e Modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista (106-1928)” (Coleção Selo Universidade): “Publicar um livro no Brasil do começo do século XX era uma realidade inacessível aos escritores novos e sem recursos. As editoras eram poucas, geralmente grandes empresas como a Francisco Alves, a Garnier e sua atividade concentrava-se na publicação de livros didáticos e obras sobre a legislação brasileira”.
O leitor dirá: “Grande coisa, hoje não é muito diferente!”. Embora seja uma absurda corrida de obstáculos, porém, hoje as oportunidades para novos talentos são infinitamente maiores do que naquele tempo. Até porque, eles têm, ao seu dispor, o precioso recurso do livro eletrônico, possível de ser veiculado, divulgado e até vendido internet afora.
Maria Célia prossegue: “No campo da literatura, (as editoras) ocupavam-se apenas de autores consagrados, lançando poucos títulos, com tiragens que não ultrapassavam 500, 600 exemplares. A indústria editorial era tão incipiente que o produto importado dominava o comércio: em primeiro lugar vinha o livro francês, seguido pelo português, que aqui encontrou um mercado favorável a ponto de os editores portugueses incluírem autores brasileiros em suas publicações”.
Por tudo isso, chega a ser um milagre o fato da Literatura Brasileira ter produzido escritores geniais como Machado de Assis, Olavo Bilac, João Cruz e Sousa, José de Alencar e tantos e tantos e tantos nomes hoje consagrados. Eram, todavia, os melhores do seu tempo? Talvez nem fossem. Foram, pelo menos, os que tiveram oportunidade de publicar seus livros. E quantos não tiveram? Milhares, quem sabe milhões.
Volta e meia caem-me, nas mãos, originais manuscritos, de romancistas de primeiríssima linha, de poetas de um talento mágico, de extraordinários contistas do início do século XX – com o papel quase se desmanchando nas mãos de tão velho – que nunca puderam mostrar seus escritos ao público a que se destinava, a não ser nos restritíssimos círculos familiares. Escaparam da destruição por milagre. Mas permanecerão inéditos “ad aeternum”, porque as editoras atuais também têm um pé atrás em relação a escritores não consagrados.
E quem tinha acesso às editoras – e mesmo assim, para lançar incipientes edições de, no máximo, 600 exemplares? Monteiro Lobato, um dos mais ousados e honestos editores que este País já produziu (além dos seus reconhecidos e justamente louvados méritos de escritor), nos informa (em carta ao amigo Godofredo Rangel) quais eram esses privilegiados: “Naquele tempo, para alguém editar um livro, tinha que possuir uma destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre”.
Quantos se enquadravam em alguma dessas categorias? Poucos, pouquíssimos, diria que meia dúzia de gatos pingados. E a maioria que teve seus livros editados, com base nesses pífios e medíocres critérios, caiu (como indica a lógica que deveria cair) no absoluto ostracismo, assim como os verdadeiros talentos, que sequer puderam passar nos arredores das raríssimas editoras nacionais então existentes. Somos ou não somos, pois, a grande pátria do desperdício?!
O Brasil (infelizmente) tem como uma das suas características o desperdício. Não digo que seja o único e nem o mais perdulário. Mas os outros países não me importam (não muito, pelo menos), pois entendo que cada povo deva resolver seus próprios problemas. Os nossos, portanto, cabe apenas a nós resolvermos. Não se trata de nenhum ufanismo delirante e idiota e muito menos de estúpida alienação, mas de ser-se prático e objetivo.
O Brasil desperdiça de tudo: recursos naturais, como florestas, águas e minérios; alimentos, enquanto muitos ainda passam fome nesta terra em que, conforme constatou, há mais de 500 anos Pero Vaz Caminha, “em se plantando, tudo dá”; vidas, sonhos e talentos. Fosse tudo isso devidamente aproveitado, seríamos, sem favor algum, não apenas super, porém hiper-potência mundial. É pura questão de lógica. Mas não somos (ainda).
A formação do povo brasileiro implicou em horrendos genocídios, de fazer inveja ao vílimo Pol Pot, no Camboja, e aos paranóicos e criminosos asseclas de Adolf Hitler com sua “solução final”, o apocalíptico Holocausto de 6 milhões de judeus. E não se trata de exagero. Foi um processo perverso, maligno, canibalesco, posto que aleatório, sem planejamentos prévios.
O antropólogo, etnólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro (um dos homens mais lúcidos e brilhantes que este país já produziu e um dos mais perseguidos pelos que fizeram de tudo para que não seguíssemos nossos próprios destinos, mas ficássemos a reboque, perpetuamente, dos Estados Unidos), classificou, em seu livro “O povo brasileiro – a fundação e o sentido do Brasil”, o sistema, que agiu de forma tão sanguinária e brutal, de “máquina de moer carne”. E moeu muita!
Sua estimativa (bastante conservadora) é que, entre índios e negros trazidos da África, dez milhões de pessoas foram massacradas de 1500 a 1888! Esta terra generosa, que nos abriga e alimenta, portanto, foi regada (literalmente) com sangue, muito sangue de pessoas inocentes e indefesas. O País desperdiçou (e infelizmente ainda desperdiça) um bem tão precioso que sequer tem preço: vidas!
Mas não é a esse desperdício que me refiro hoje, nestas nossas descompromissadas reflexões. Trago à baila um infinitamente mais brando, porém nem por isso menos lamentável: o desperdício de talentos. Trata-se da morte dos sonhos de milhares, provavelmente milhões de escritores em potencial, que deixaram de ilustrar e engrandecer a Literatura Brasileira por absoluta falta de oportunidades. Exagero meu? Creiam-me, não é.
Atentem para o que escreveu a respeito a pesquisadora Maria Célia Rua de Almeida Paulillo, em seu excelente livro “Tradição e Modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista (106-1928)” (Coleção Selo Universidade): “Publicar um livro no Brasil do começo do século XX era uma realidade inacessível aos escritores novos e sem recursos. As editoras eram poucas, geralmente grandes empresas como a Francisco Alves, a Garnier e sua atividade concentrava-se na publicação de livros didáticos e obras sobre a legislação brasileira”.
O leitor dirá: “Grande coisa, hoje não é muito diferente!”. Embora seja uma absurda corrida de obstáculos, porém, hoje as oportunidades para novos talentos são infinitamente maiores do que naquele tempo. Até porque, eles têm, ao seu dispor, o precioso recurso do livro eletrônico, possível de ser veiculado, divulgado e até vendido internet afora.
Maria Célia prossegue: “No campo da literatura, (as editoras) ocupavam-se apenas de autores consagrados, lançando poucos títulos, com tiragens que não ultrapassavam 500, 600 exemplares. A indústria editorial era tão incipiente que o produto importado dominava o comércio: em primeiro lugar vinha o livro francês, seguido pelo português, que aqui encontrou um mercado favorável a ponto de os editores portugueses incluírem autores brasileiros em suas publicações”.
Por tudo isso, chega a ser um milagre o fato da Literatura Brasileira ter produzido escritores geniais como Machado de Assis, Olavo Bilac, João Cruz e Sousa, José de Alencar e tantos e tantos e tantos nomes hoje consagrados. Eram, todavia, os melhores do seu tempo? Talvez nem fossem. Foram, pelo menos, os que tiveram oportunidade de publicar seus livros. E quantos não tiveram? Milhares, quem sabe milhões.
Volta e meia caem-me, nas mãos, originais manuscritos, de romancistas de primeiríssima linha, de poetas de um talento mágico, de extraordinários contistas do início do século XX – com o papel quase se desmanchando nas mãos de tão velho – que nunca puderam mostrar seus escritos ao público a que se destinava, a não ser nos restritíssimos círculos familiares. Escaparam da destruição por milagre. Mas permanecerão inéditos “ad aeternum”, porque as editoras atuais também têm um pé atrás em relação a escritores não consagrados.
E quem tinha acesso às editoras – e mesmo assim, para lançar incipientes edições de, no máximo, 600 exemplares? Monteiro Lobato, um dos mais ousados e honestos editores que este País já produziu (além dos seus reconhecidos e justamente louvados méritos de escritor), nos informa (em carta ao amigo Godofredo Rangel) quais eram esses privilegiados: “Naquele tempo, para alguém editar um livro, tinha que possuir uma destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre”.
Quantos se enquadravam em alguma dessas categorias? Poucos, pouquíssimos, diria que meia dúzia de gatos pingados. E a maioria que teve seus livros editados, com base nesses pífios e medíocres critérios, caiu (como indica a lógica que deveria cair) no absoluto ostracismo, assim como os verdadeiros talentos, que sequer puderam passar nos arredores das raríssimas editoras nacionais então existentes. Somos ou não somos, pois, a grande pátria do desperdício?!
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