Friday, April 17, 2009

O maior parasita


Pedro J. Bondaczuk

Às vezes, encontro mais filosofia e verdade em romances, aos quais nem sempre damos a devida importância (por acharmos que se trata de leitura de mero lazer) do que nas elucubrações cada vez mais neuróticas e confusas dos filósofos contemporâneos, emaranhados nos tantos (e desnecessários) jargões que criaram, para tornar suas obras inacessíveis ao “vulgo” comum.
É o caso, por exemplo, deste trecho do livro “Balada Africana”, do escritor sul-africano Stuart Cloete (a edição que tenho em meu poder é a da Boa Leitura Editora, com tradução de Raul de Polillo) que diz: “O maior de todos os parasitas é o homem que vive de todas as coisas vivas. Das coisas que crescem; das coisas que correm; das coisas que voam; e das coisas que nadam. O homem consome-as todas. Consome os seus próprios semelhantes na guerra; mas não sabe disso. Porque não são apenas os canibais que comem os corpos de homens”. E está errado o romancista sul-africano? Infelizmente, não!
O que são parasitas? A enciclopédia virtual livre Wikipédia dá a seguinte definição: “São organismos que vivem em associação com outros, dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro”. Não quero ensinar Biologia a ninguém, mas lembro que nem sempre os parasitas prejudicam a quem lhes serve para sobreviver. Ou, se (e quando) causarem danos, causam os muito pequenos, quase imperceptíveis. Alguns, contudo, chegam a ser implacáveis e letais, casos de alguns vírus e bactérias patogênicas.
Há “parasitas obrigatórios”, ou seja, os que dependem exclusivamente dos hospedeiros para sobreviver, e os “facultativos”, que praticam o parasitismo por opção, sem que tenham a menor necessidade disso. O homem, contudo, entra, simultaneamente, em ambas classificações. Ou seja, consome seres vivos que correm, voam e nadam (e até os imóveis, no caso, os vegetais) sem os quais não sobreviveria. Mas, ao contrário dos outros parasitas, é o único que explora, suga, debilita e não raro mata os da própria espécie. E, ainda por cima, posa de “civilizado”, racional, nobre e dotado da nobilíssima capacidade da piedade.
Alguns (raros), exercem-na, de fato. Outros... Stuart Cloete observa, também, no citado romance: “Outros homens lhes bebem o suor; bebem-lhes o sangue, que é a vida do homem. E devoram-lhes o tempo – de modo que eles não têm tempo para pensar, que é a função do homem; isto faz com que os homens corram e se esfalfem o dia todo, e o façam também durante a noite – mas nunca tratem de seus próprios assuntos, engajados que estão a serviço e para lucro de outro. E estes são os homens que denominamos civilizados – estes consumidores de homens – e os homens que permitem que os outros os consumam”.
Como se vê, superestimamos as virtudes humanas e por motivos óbvios: fazemos parte da espécie. Estamos, todavia, em um estágio ainda muito primário, primaríssimo de desenvolvimento mental, moral, ético e espiritual. Temos muito, muitíssimo, além da conta, a evoluir para sermos os racionais que nos julgamos e nos autodenominamos. Podemos vir a ser, óbvio. Mas ainda não somos.
Desde tenra idade, quando comecei a compreender o mundo em que vivia e a buscar explicações para tudo o que me cercava, além do meu papel na sociedade, até hoje, quando me aproximo de sete décadas de vida, nunca consegui compreender essa exploração do homem pelo homem. Se todos nascemos da mesma forma, se a totalidade da espécie (sem a mínima exceção) tem o mesmíssimo destino, qual seja, o da inexorável extinção, qual a razão plausível, ou minimamente justificável, para uns explorarem, humilharem, degradarem, escravizarem (ostensiva ou disfarçadamente) e matarem outros?
O homem, somente, poderá ser considerado racional e civilizado quando (ou se) modificar esse comportamento de parasita facultativo para, digamos, o da simbiose. E mais, para um inteligente mutualismo, que é, por definição, “interação de espécies em que ambas se beneficiem”.
A natureza não cansa de nos dar esse tipo de exemplos de convivência mutuamente útil e construtiva. Nós, arrogantes e néscios (mas que nos julgamos tão sábios e prescientes), é que não atentamos a eles. E não buscamos, claro, segui-los.
Na nossa flora intestinal, por exemplo, temos um desses casos em que as bactérias que a integram nos favorecem plenamente, completando, com sucesso, nosso complicado processo de digestão e, em contrapartida, sobrevivem dos restos que nosso organismo, de qualquer forma, iria eliminar. Por isso, por mais que me doa e que afete meu amor próprio, não posso deixar de concordar com Stuart Cloete quando classifica o homem como “o maior, o mais cruel e o mais mesquinho de todos parasitas”.

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