Sunday, April 26, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Aflições e temores de um povo humilde


Pedro J. Bondaczuk



As viagens que o papa João Paulo II tem feito às várias partes do mundo, nos seus quase dez anos de pontificado (que serão completados no próximo mês), são, como poderia se esperar, repletas de incidentes de toda a sorte. Afinal, foram 39 vezes que o Pontífice saiu da Itália, num fato absolutamente inédito em se tratando de líderes máximos do catolicismo. Ontem, contudo, ocorreu algo inédito em seus múltiplos giros.

Pela primeira vez, ele teve que fazer escala num país que, além de não estar programado para ser visitado, vem sendo alvo de severas críticas por parte do Papa, por causa do sistema segregacionista que adota, único no Planeta, tanto pela sua duração, quanto pelo repúdio internacional que desperta. É claro que nos referimos à África do Sul.

O avião de João Paulo II deveria seguir para Maseru, capital do pequenino reino montanhoso do Lesotho, encravado em pleno território sul-africano, mas não conseguiu aterrissar no aeroporto dessa cidade, por razões de segurança. Como não pôde descer de novo em Gaborone, no Botswana, já que tal regresso seria muito arriscado, o piloto não teve outro jeito. Pousou, mesmo, em Johannesburgo. Aliás, as autoridades de Pretória deram ao Pontífice um tratamento digno de chefe de Estado. Cederam-lhe, inclusive, um automóvel BMW para que ele seguisse por via rodoviária para seu ponto de destino.

Mas o dia foi mais cheio de aflição para o povo do Lesotho. Milhares de pessoas postaram-se desde cedo nas ruas da capital à espera do Papa, que não aparecia. É claro que em tais circunstâncias os boatos tendem a correr à solta. E nunca é possível determinar a sua origem. A tensão foi ainda agravada com o caso do seqüestro do ônibus de peregrinos que viajavam para Maseru para ver o ilustre visitante.

Guerrilheiros locais usaram esse condenável expediente para fazer exigências talvez até justas às autoridades do país. O método é que foi reprovável. E o final desse caso foi de uma forma sangrenta, empanando de certa forma o brilho de um evento tão ansiosamente esperado pelo povo local. À noite, finalmente, veio o alívio geral. João Paulo II chegou a Maseru, pondo fim às aflições populares.

Para o Pontífice, que já foi vítima de um atentado que quase lhe suprime a vida, em plena Praça de São Pedro no Vaticano; que presenciou explosões de descontentamento popular (como no Chile) e foi ameaçado de morte em inúmeras ocasiões, os incidentes de ontem foram de pequena monta. Mas os fiéis de Lesotho jamais irão esquecer esse dia, em que chegaram a pensar até mesmo no impensável. Que João Paulo II, e não 71 peregrinos, tinha sido vítima de seqüestro.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de setembro de 1988)

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