Árduo desafio para o veterano político
Pedro J. Bondaczuk
O atual ministro de Relações Exteriores da Itália, Giulio Andreotti, tem um magnífico desafio à sua frente, talvez o maior da sua longa carreira política. Foi incumbido, ontem, pelo presidente Francesco Cossiga de formar um novo gabinete, o 46º do pós-guerra, tendo tudo contra si. Em primeiro lugar, terá que conciliar enormes conflitos no seio da aliança pentapartidária que teoricamente lhe dará sustentação, sem o que não terá maioria para governar. E sem esta, não conseguirá, logicamente, compor seu gabinete.
É verdade que o seu Partido Democrata Cristão é majoritário no Parlamento, secundado pelo PCI, do saudoso e hábil Enrico Berlinguer, o criador do que se convencionou chamar de “Eurocomunismo”. Mas sozinho, ou com a ausência de um só parlamentar que seja da atual coalizão, que sustentou o governo de maior duração da Itália nas derradeiras quatro décadas, o do socialista Bettino Craxi, seus projetos para se tornar, pela sexta vez no período, primeiro-ministro, já nascerão mortos. E o presidente Cossiga não terá outra alternativa senão dissolver o Parlamento e convocar, com antecedência de um ano, novas eleições gerais no país, para solucionar o impasse.
A lógica parece indicar que este será o caminho mais provável. Se com Bettino Craxi, político de uma popularidade que extrapola em muito à do seu próprio partido, e dotado de rara habilidade negociadora, a aliança esboroou-se ao esbarrar em suas próprias divergências, com Andreotti a impressão que dá é que ela estará irremediavelmente perdida.
As cinco agremiações políticas que a compõem divergem profundamente em questões substanciais e não somente em pequenos detalhes. Uma delas é sobre a proposta de reforma do sistema judiciário italiano, que será submetida a plebiscito nacional no dia 14 de junho próximo. Outra refere-se ao programa de energia nuclear italiano, visto indisfarçavelmente com maus olhos por boa parcela dos parlamentares da coalizão e por ponderável segmento da opinião pública, que passou a temer as usinas atômicas após a ocorrência do desastre com a unidade soviética de Chernobyl, em abril do ano passado.
Dois dos pequenos integrantes da aliança acham que as negociações para a formação do novo gabinete encabeçado pelos democratas cristãos, já começaram de forma equivocada. São os partidos Republicano e Liberal, que entendem que enquanto não houver consenso acerca desses temas, será uma temeridade, senão uma perda de tempo, se pensar na constituição de um outro governo. Ou, o que parece evidente, uma absoluta impossibilidade.
Algumas dessas questões em que não existe plena concordância foram, inclusive, as que “dinamitaram” o gabinete de Bettino Craxi. Aliás, desde julho de 1986, quando estourou a crise governamental anterior, por divergências também em pontos essenciais do programa da aliança, cogitou-se de se entregar a Andreotti a tarefa de compor um ministério. E ele fracassou rotundamente na ocasião, deixando o país mais de um mês sem gabinete constituído.
Acontece que as desavenças de então não foram contornadas e a elas foram acrescentadas algumas novas, tão graves ou mais do que aquelas. Se na época, o político democrata cristão com o maior “cacife” no Parlamento não conseguiu sucesso, não há porque achar que consiga agora. Provavelmente, as negociações irão se arrastar, de forma desgastante, para a coligação, durante algumas semanas, até que o impasse seja considerado insolúvel. E que o presidente Francesco Cossiga venha realmente a lançar mão do seu derradeiro recurso, que é a convocação antecipada de eleições gerais no país.
Aliás, este confronto nas urnas, agora, seria dos mais interessantes. Serviria para testar, por exemplo, até onde os comunistas se desgastaram depois da morte de Berlinguer. Ou até que ponto a boa gestão de Bettino Craxi poderá influir na performance eleitoral do seu partido. Ou para conceder, quem sabe, a maioria absoluta (o que se nos afigura improvável), à democracia cristã. Enfim, não deixaria de ser algo saudável para romper a estagnação que desde julho parece ter se instalado nesta aliança, que foi muito boa enquanto durou.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 10 de março de 1987).
Pedro J. Bondaczuk
O atual ministro de Relações Exteriores da Itália, Giulio Andreotti, tem um magnífico desafio à sua frente, talvez o maior da sua longa carreira política. Foi incumbido, ontem, pelo presidente Francesco Cossiga de formar um novo gabinete, o 46º do pós-guerra, tendo tudo contra si. Em primeiro lugar, terá que conciliar enormes conflitos no seio da aliança pentapartidária que teoricamente lhe dará sustentação, sem o que não terá maioria para governar. E sem esta, não conseguirá, logicamente, compor seu gabinete.
É verdade que o seu Partido Democrata Cristão é majoritário no Parlamento, secundado pelo PCI, do saudoso e hábil Enrico Berlinguer, o criador do que se convencionou chamar de “Eurocomunismo”. Mas sozinho, ou com a ausência de um só parlamentar que seja da atual coalizão, que sustentou o governo de maior duração da Itália nas derradeiras quatro décadas, o do socialista Bettino Craxi, seus projetos para se tornar, pela sexta vez no período, primeiro-ministro, já nascerão mortos. E o presidente Cossiga não terá outra alternativa senão dissolver o Parlamento e convocar, com antecedência de um ano, novas eleições gerais no país, para solucionar o impasse.
A lógica parece indicar que este será o caminho mais provável. Se com Bettino Craxi, político de uma popularidade que extrapola em muito à do seu próprio partido, e dotado de rara habilidade negociadora, a aliança esboroou-se ao esbarrar em suas próprias divergências, com Andreotti a impressão que dá é que ela estará irremediavelmente perdida.
As cinco agremiações políticas que a compõem divergem profundamente em questões substanciais e não somente em pequenos detalhes. Uma delas é sobre a proposta de reforma do sistema judiciário italiano, que será submetida a plebiscito nacional no dia 14 de junho próximo. Outra refere-se ao programa de energia nuclear italiano, visto indisfarçavelmente com maus olhos por boa parcela dos parlamentares da coalizão e por ponderável segmento da opinião pública, que passou a temer as usinas atômicas após a ocorrência do desastre com a unidade soviética de Chernobyl, em abril do ano passado.
Dois dos pequenos integrantes da aliança acham que as negociações para a formação do novo gabinete encabeçado pelos democratas cristãos, já começaram de forma equivocada. São os partidos Republicano e Liberal, que entendem que enquanto não houver consenso acerca desses temas, será uma temeridade, senão uma perda de tempo, se pensar na constituição de um outro governo. Ou, o que parece evidente, uma absoluta impossibilidade.
Algumas dessas questões em que não existe plena concordância foram, inclusive, as que “dinamitaram” o gabinete de Bettino Craxi. Aliás, desde julho de 1986, quando estourou a crise governamental anterior, por divergências também em pontos essenciais do programa da aliança, cogitou-se de se entregar a Andreotti a tarefa de compor um ministério. E ele fracassou rotundamente na ocasião, deixando o país mais de um mês sem gabinete constituído.
Acontece que as desavenças de então não foram contornadas e a elas foram acrescentadas algumas novas, tão graves ou mais do que aquelas. Se na época, o político democrata cristão com o maior “cacife” no Parlamento não conseguiu sucesso, não há porque achar que consiga agora. Provavelmente, as negociações irão se arrastar, de forma desgastante, para a coligação, durante algumas semanas, até que o impasse seja considerado insolúvel. E que o presidente Francesco Cossiga venha realmente a lançar mão do seu derradeiro recurso, que é a convocação antecipada de eleições gerais no país.
Aliás, este confronto nas urnas, agora, seria dos mais interessantes. Serviria para testar, por exemplo, até onde os comunistas se desgastaram depois da morte de Berlinguer. Ou até que ponto a boa gestão de Bettino Craxi poderá influir na performance eleitoral do seu partido. Ou para conceder, quem sabe, a maioria absoluta (o que se nos afigura improvável), à democracia cristã. Enfim, não deixaria de ser algo saudável para romper a estagnação que desde julho parece ter se instalado nesta aliança, que foi muito boa enquanto durou.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 10 de março de 1987).
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