Thursday, June 22, 2006
Revolução brasileira
O Brasil, a despeito da crise que assola o País há um tempo razoável, passa por um período de profundas transformações, que costumam ser lentas e em geral traumáticas. É bem possível que esteja em andamento por aqui (sem que nos apercebamos disso, por sermos os personagens centrais do processo) uma “revolução” no sentido mais amplo do termo. Essa expressão, aliás, nem sempre é entendida em seu verdadeiro significado. De tanto ser impropriamente utilizado, tornou-se uma espécie de “golpe de Estado”, de violenta alteração da ordem institucional vigente.
Até o século XVII, a palavra expressava apenas “o movimento circular de corpos celestes em suas órbitas”. Era um termo restrito só ao campo da astronomia. “Revolução” passou a indicar uma mudança súbita na direção das coisas em movimento” há menos de cem anos. Daniel J. Boorstin tem um lúcido ensaio a esse propósito, no qual alerta os pseudomovimentos revolucionários, que costumam enganar facilmente os imediatistas, que não têm uma visão ampla, histórica dos acontecimentos.
Ressalta que a distinção muitas vezes não é identificada pelos agentes da mudança, mas reconhecida apenas uma, duas ou mais gerações à frente. Há, no meio da imensidão de notícias geradas nesta época de comunicação total, instantes decisivos e muitos apenas equívocos. O que é tido por “revolucionário”, hoje, no futuro talvez sequer mereça registro por parte dos historiadores. Ou, quando muito, obtenha apenas ligeira menção, de passagem, e nada mais.
A distinção das grandes vertentes mudancistas, em geral, atinge as massas apenas na fase final do processo. Boorstin ressalta: “Os momentos decisivos autênticos que chamamos revoluções têm raízes de séculos. A Revolução Americana de 1789 emergiu da migração de pessoas, de alterações na vida econômica e da mudança do raciocínio a respeito do homem e da sociedade”. Não é o que vem ocorrendo no Brasil contemporâneo?
Poucas vezes (ou talvez até mesmo nenhuma) o brasileiro se mostrou mais crítico a respeito do seu País como agora. O cidadão é bombardeado diariamente por uma infinidade de denúncias dando conta de mazelas políticas, econômicas, sociais e em praticamente todos os campos da atividade humana. Fica a impressão, aos mais desavisados, de que somos o povo mais aético, impatriota e incompetente do Planeta. Convenhamos, isso está longe, muito distante da verdade.
Os atos de corrupção, as omissões e as arbitrariedades denunciados hoje sequer são comportamentos distorcidos novos. Basta que se leia editoriais e artigos de jornais de 30 ou 40 anos atrás para constatar que já naquele tempo tudo isso ocorria, com maior ou menor gravidade e freqüência, com outros personagens que não os atuais. Ocorre que agora o brasileiro está mais informado, graças aos recursos da mídia eletrônica, e, por isso, mais consciente e politizado.
Boorstin, no seu mencionado ensaio, ressalta que os momentos decisivos em geral são ocultos, não-identificados como tal, “se alastrando quietamente para a História através de escritos herméticos endereçados a especialistas, e só muito lentamente chegando ao público”. Intuímos que uma “revolução” autêntica está em andamento no País, fazendo muitas vitimas (as 32 milhões de pessoas abaixo da linha da miséria em todo o Brasil), gerando as naturais tensões que caracterizam tais dramáticos processos, mas que, se formos competentes, determinados e sobretudo ativos, vai transformar esta sociedade para melhor, embora não seja possível prever em quanto tempo.
(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 111 e 113, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).
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