Friday, June 09, 2006
Emoção e talento para "reinventar a vida" - Final
Pedro J. Bondaczuk
(Continuação)
Sonhar para chegar à verdade
O Estado de Minas Gerais é uma forja de talentos para a literatura brasileira, quer na poesia, quer no romance, quer no conto, memorialismo ou outro gênero qualquer. Pode-se citar, sem precisar pensar muito, de chofre, de dez a doze escritores mineiros de sucesso, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Murilo Mendes, Otto Lara Resende, Pedro Nava e vai por aí afora.
Faço, porém, questão de destacar um que, embora conhecido em âmbito nacional, pelo valor da sua obra, não muito extensa, mas de alta qualidade – seu nome, inclusive, figura na “Enciclopédia dos Autores Brasileiros”, de Afrânio Coutinho), não tem, ainda, a projeção que, de fato, merece. Trata-se do poeta, jornalista, ensaísta e conferencista Maurício de Moraes, natural da cidade mineira de Ouro Fino.
Sua carreira no jornalismo, iniciada em 1950, é digna de nota. Trabalhou no “Diário de São Paulo” e “Jornal da Manhã”, em São Paulo, e no vespertino “A Manhã”, no Rio de Janeiro. Estagiou no “Paris Soir”, na capital francesa e no “La Nación”, em Buenos Aires. Viajou muito, a serviço da notícia, tendo visitado cerca de vinte países.
Em 1954, recebeu o prêmio “Orador Emérito”, instituído pela revista “Letras”, de São Paulo. Como redator, atuou, por anos, no Instituto Agronômico do Estado de São Paulo, em Campinas. Atuou, por muitos anos, no Correio Popular e recebeu o título de Cidadão Campineiro, por serviços prestados à cidade. Todavia, sua paixão era divulgar sua Ouro Fino natal, notadamente nas crônicas que publicou na imprensa campineira.
Está mais do que na hora, pois, de provar que “santo de casa” também faz “milagres”. Daí abordar, posto que de passagem, a obra desse sensível poeta, cujos textos os leitores do Correio Popular se acostumaram a ler, por pelo menos duas décadas, mas cuja poesia não tem recebido a divulgação que de fato merece.
Da mesma forma que Drummond imortalizou Itabira, Maurício tem feito o mesmo em relação a Ouro Fino (de cuja academia de letras é membro ilustre, assim como da de Poços de Caldas e da Campinense de Letras, entre tantas outras). Todavia merece mais, muito mais destaque e, por que não, reverência pela sensível e hábil forma com que pastoreia emoções.
Autor de cinco livros, dos quais três de poesia (“Quando as estrelas descerem”, 1942; “Canção perdida”, 1950 e “A lua sem dono”), esse poeta criativo não recebeu das editoras a devida atenção. Por isso, corre o risco de deixar uma vasta obra inédita (o que seria, convenhamos, desperdício de talento). Sem nenhum exagero, Maurício mereceria, pelo menos, idêntico destaque que teve seu conterrâneo de Itabira (e seu amigo de longa data), Carlos Drummond de Andrade. Quem perde com essa indiferença das editoras, evidentemente, é a cultura brasileira. Ou, para ser mais exato, a arte da poesia.
Maurício, como todo poeta que se preze, tem rasgos de profeta. Intui, em seus versos, o futuro e raramente suas previsões deixam de se concretizar. Por exemplo, meses depois de lançar seu livro “A lua sem dono”, em que dizia que esse satélite (que então havia recebido a visita dos primeiros homens, no Projeto Apolo), não deveria pertencer a quem quer que fosse, pessoa, empresa, organização ou país; a ONU aprovou resolução exatamente nesse sentido. Ou seja, considerando a lua patrimônio de toda a humanidade.
Essas pessoas tão especiais, que “nascem conscritas” e que “têm o estigma da liberdade”, como acentuou Murilo Mendes, enxergam longe, além do visível e do palpável, do passado ou do futuro. Vasculham a alma humana, matéria-prima dos seus versos, e de lá extraem beleza, além de exorcizar seus demônios.
O poeta francês Paul Valéry, em seu livro “Cartas sobre a crise do espírito”, escreveu: “A dificuldade de reconstruir o passado, mesmo o mais recente, é inteiramente comparável à dificuldade de construir o futuro, mesmo o mais próximo: ou melhor, é a mesma dificuldade. O profeta está no mesmo saco que o historiador. Deixêmo-los aí”.
Quem consegue essa síntese com perfeição, porém, é o poeta. E Maurício de Moraes comprova isso em sua obra, parte reminiscente (traçando o perfil de pessoas queridas, algumas inseridas em sua própria estrutura, como pais, irmãos e filhos) e parte futurista (através de imagens que são autênticos painéis “desenhados” com palavras).
Separei, a esmo, aleatoriamente, alguns poemas deste poeta das gerais para exemplificar o teor da sua obra. O primeiro deles, que tem um título comprido (chama-se “Na branca lua do mundo bandeiras de ventos tristes”) é este:
“Não teremos cavalos na lua,
nos seus caminhos sem verde,
nas sombras corpos de baile,
ah, não, nunca teremos!
Palavras de todas as línguas
gravaram ecos de prata
apenas inacessíveis
aos sonhos, às noivas
de todos os poetas.
Homens de todas as terras,
bandeiras de todas as cores,
conquista de todos os ritmos,
moldaram sítios na lua!
Quem é o dono da lua?
A lua, coitada, não tem,
não tem a lua seu dono,
nem cabras, nem rosas, nem estrelas,
a lua não tem meninos,
nem campos de futebol,
a lua perdeu namorados,
a lua ficou só areia,
sem flores, sem serenatas!”
O outro poema de Maurício de Moraes, que trago à apreciação do leitor de bom-gosto é este “Itinerário de um só caminho”:
“Tikara, o japonês,
Ivã, o russo,
William, o americano,
Genaro, o italiano,
Maurice, o francês,
Gilbert, o inglês,
Marcos, o judeu,
Luís, o brasileiro,
Pablo, o espanhol,
Nacif, o árabe.
Vê-los num mundo azul,
com fardas brancas e
iguais,
vestidos à forma dos
caçadores de pássaros,
cantando à alvorada
de todos os
heróis,
em amor e Deus!”
Este poema “A fazenda” é evocativo, com lembranças, sobretudo, da infância do poeta, vivida na liberdade do campo:
Lá está a casa grande da fazenda
do Morro Alto e em sua imensa varanda
ensolarada o banco de sentar, o retrato de
D. Pedro II (ídolo de vovó Júlia), os vasos
de flores silvestres, as janelas abertas para
o cafezal da serra, o cheiro de carne de porco assada,
a porta que dá para a banca de fazer queijo,
os pratos de ferro ágata, o coalho que corre
às canecas dos meninos felizes, o silêncio das
tardes de trópico, o zunido das mangagavas,
o canto triste dos sabiás no bambuzal, a voz
do feitor rompendo o ar: Zé Júlio, bota o café
na tulha que lá vem chuva!
A fazenda, a sala grande, a hora de pensar
e de sentir como hoje e agora o que ficou à distância.
Maurício é fascinado pelo movimento, pelas graciosas evoluções das bailarinas. Aliás, esse é um tema recorrente em sua obra. Sintam a naturalidade, a espontaneidade dos versos deste poema “O balé”:
Elas se afastam e se aproximam
e nas tessituras verdes dos braços
bailam como se tentassem bordar
em silhuetas melancólicas a paisagem da tarde.
As árvores soluçam silenciosas ao vento
e são como adolescentes se abraçando com
a ternura dos gestos que definem a graça do espaço.
Quero ficar de olhos postos nas árvores da tarde
e segui-las curiosamente em seus movimentos
de bailarinas esguias no escuro da quase noite
que envolve no pensamento
a triste e suave sensação de amar,
de amar e de amar.
Auguste Kekulé, o célebre químico e professor alemão, recomendou, em 1890: “Vocês devem aprender a sonhar. Então, talvez descubram a verdade”. E isto, ou seja, explorar o mundo dos sonhos e expressar o que “viram”, na linguagem mágica dos anjos, os poetas, cujo perfil tracei, emocionado, nestas considerações, sabem, e de sobejo. Por isso, antecipam o futuro, com mais graça e mais beleza (e, claro, com maior verdade), do que furibundos e enlouquecidos profetas. Por isso...reinventam a vida...
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