Tuesday, June 20, 2006

De e-mails e de Sêneca


Pedro J. Bondaczuk


O telefone, há já um bom tempo, notadamente o celular, tornou-se instrumento essencial na vida da maioria das pessoas. Para algumas, até, se constitui praticamente na extensão do próprio corpo, tamanha é a sua utilização nas mais diversas circunstâncias e lugares. Sei que se trata de uma afirmação até acaciana, mas, estejam certos, tem lá sua razão de ser nestas descomprometidas considerações. Raros brasileiros não têm um, não importa sua condição econômica ou social.
Entre celulares regulares e irregulares, comprados e surrupiados, habilitados ou meramente clonados, o número desses aparelhinhos deve andar aí pela casa dos cem milhões ou mais. Oficialmente, fala-se numa cifra ligeiramente superior a 82 milhões de unidades. Se bem utilizados, resolvem problemas imensos. Se mal... Recorde-se o que ocorreu ainda recentemente, quando, do interior dos presídios onde cumprem pena, líderes de uma conhecida facção do crime organizado comandaram rebeliões em massa no sistema prisional paulista, além de mortais ataques contra a polícia e o patrimônio público.
Um conhecido meu, vítima de seqüestro, conseguiu se comunicar pelo celular com a PM (os seqüestradores não o revistaram e se deram mal) e foi resgatado ileso. O aparelhinho, nesse caso, provavelmente salvou-lhe a vida. Ou, no mínimo, livrou sua família de ser desfalcada de uma boa importância em dinheiro, a título de pagamento de resgate. São inúmeros os casos de pessoas socorridas com presteza em casos de acidentes ou de males súbitos, com a utilização desse importante meio de comunicação.
Por tudo isso, meus amigos ficam admirados, para não dizer pasmos, quando confesso que não tenho celular. Afinal, trata-se de um equipamento indispensável, hoje em dia, notadamente para jornalistas, cuja atividade requer máxima agilidade de comunicação. Até tive um, do qual me desfiz tão logo descobri que havia sido clonado, após tomar as providências de praxe para me livrar de problemas futuros. Aliás, mesmo o telefone fixo uso apenas em situações especialíssimas, de absoluta emergência. Sequer tenho um instalado na redação em que passo a maior parte dos meus dias (e não raro das minhas noites), onde produzo textos em profusão (cujas solicitações, felizmente, crescem em progressão geométrica). Tenho trauma em relação a esse meio de comunicação.
Explico a razão. Por mais de uma década acumulei, no Correio Popular de Campinas, as funções de editor e de comentarista político. Ao constatar, em fins dos anos 80, a expansão do tráfico de drogas nessa metrópole interiorana e em toda a região, dispus-me a escrever uma série de artigos, na tentativa de chamar a atenção das autoridades para o problema, para que estas cortassem o mal pela raiz. Não cortaram! Lá pelo oitavo ou décimo comentário publicado, porém, passei a receber telefonemas (obviamente anônimos), duros, incisivos e constantes como os ponteiros de um relógio, ameaçando a minha vida caso eu não interrompesse a campanha informal que havia iniciado. Não dei, na ocasião, maior importância às ameaças, que atribuí a meros trotes de desocupados. Provavelmente, não eram.
As advertências subiram de tom. E passei, finalmente, a levá-las a sério quando os telefonemas começaram a ser endereçados ao telefone da minha casa (até hoje não consegui descobrir quem, como e porque passou meu número, que sequer constava da lista telefônica, a estranhos), com o interlocutor mostrando que conhecia todos os movimentos da minha família (mulher, filhos e até cães e gatos) dizendo que eu não estranhasse “se algum deles fosse seqüestrado”. Mesmo assustado (diria, apavorado), mas como bom turrão, não dei o braço a torcer. Publiquei, ainda, mais uns quinze artigos. Felizmente, nada aconteceu. Desde então, porém, peguei trauma incurável de telefones.
Minhas comunicações, tanto as profissionais quanto as pessoais, são 99,9% feitas por e-mail. Gosto desse meio que, além de tudo, documenta as solicitações de trabalho, detalhando-as e permitindo que atenda rigorosamente o que o cliente quer (recebo, em média, dez solicitações de crônicas por semana, que atendo com método e com rigor). E os leitores dos vários veículos que reproduzem os meus textos têm se mostrado (salvo raríssimas exceções) assíduos e generosos.
A maioria das mensagens que recebo deles é de elogios. Bondade de quem age assim. Recebo, também, várias sugestões, na linha da interação entre cronista e seus destinatários, pautando os temas que desenvolvo. Procuro acolhê-las, na medida das minhas possibilidades e, principalmente, da minha capacidade. Alguns e-mails, claro, são de críticas, mas estas são tão generosas, e em plano tão elevado, que equivalem a elogios. Gostaria, é evidente, de responder, um a um, individualmente, a todos. A quantidade das mensagens, no entanto, (são centenas por dia), impede isso. Para não parecer que estou discriminando alguém (e não estou), fico devendo uma resposta pessoal a todos os que me escrevem. Periodicamente, porém, escrevo crônicas, como esta, para que meus leitores saibam que são acolhidos, respeitados e sobretudo estimados, apesar de não os conhecer pessoalmente.
A propósito da necessidade que as pessoas têm de serem ouvidas (neste caso, lidas) e da dificuldade disso ocorrer, descobri, num velho volume de clássicos latinos, um texto do escritor e filósofo romano Lucius Annaeus Sêneca (que viveu entre 4 a.C e 65 d.C), a esse respeito. O dito poeta, assinale-se, teve um fim trágico. Suspeito de cumplicidade na conspiração dos pisões contra Roma, foi condenado pelo imperador Nero a morrer, tendo as veias rasgadas com um punhal.
No poema "O Homem que ouve" (que traduzi, de forma mais ou menos livre, do latim) Sêneca escreveu: "E quem há de ouvir a nós em todo o mundo,/seja amigo ou professor, irmão ou pai,/mãe, irmã ou vizinho, filho, senhor,/ou servo? Quem há de ouvir: nosso advogado,/marido, esposa, os que nos são mais caros?/As estrelas ouvem, quando em desespero/fugimos do homem, os ventos ouvem, os mares,/as montanhas? A quem pode um homem dizer:/Aqui estou! Eis minha nudez, minhas chagas,/a dor secreta, o desespero, traição, tristeza,/a língua que não me serve para expressar/meus pesares, meu terror, meu abandono?//Que me ouçam por um dia – uma hora/um momento!/Para que eu não expire no terrível ermo,/no silêncio solitário! Ó Deus, há alguém para ouvir-me?//Não há ninguém para ouvir? – indagas. Há, sim,/há alguém que ouve, que sempre ouvirá./Corre até ele, meu amigo! está nas colinas esperando por ti./Por ti, sozinho".
Passam-se os anos, mudam-se os tempos, criam-se novos costumes e novos hábitos, sucedem-se as gerações, os povos evoluem materialmente, mas o homem, em sua essência, é intemporal. Naquilo que é básico, não muda jamais! Somos, como enfatiza a antropóloga norte-americana Loren Eiseley, "criaturas de muitas dimensões diferentes, passando pelas vidas uns dos outros como fantasmas passando por portas". Só não aceito, pelas razões que citei acima, ouvir e me fazer ouvido... por telefone. Idiossincrasia, claro, de um jornalista um tanto (para não dizer muito) excêntrico!!!

1 comment:

Anonymous said...

Professor Pedro: Preciso contato com você. Por gentileza, me telefone ou envie emeio! 9654 6499 / manj@tera.com.br