Thursday, June 08, 2006
Emoção e talento para "reinventar a vida" - VII
Pedro J. Bondaczuk
(Continuação)
Notável filósofo e refinado poeta
O significado original da palavra poesia tem tudo a ver com prática, ação, dinamismo e ativismo ostensivo em determinadas causas. Os gregos sabiam, de sobejo, que se tratava de um instrumento pedagógico por excelência (pena que nos dias atuais não venha sendo utilizada com esse fim). Era através dela que, na Grécia Antiga, conhecimentos, informações e, sobretudo, tradições, eram transmitidos de uma geração a outra. A poesia exercia o papel que cabe, hoje, aos meios de comunicação.
Não havia (de início) registros escritos. Os poemas eram compostos e, posteriormente, decorados e assim difundidos através dos anos, de séculos até. E foi graças a essa forma de transmissão que nos chegaram, desse passado tão remoto, as geniais epopéias “Odisséia” e “Ilíada” de Homero, entre outras obras. Pode-se dizer, pois, que o poeta foi o jornalista primitivo, aquele que, de uma certa forma, deu origem a esse profissional tão controvertido e glamourizado dos nossos tempos.
Claro que a atuação de ambos difere tanto na linguagem quanto em suas concepções. O poeta, por exemplo, lida com o interior, com a psiquê, com a imaginação e, sobretudo, com os sentimentos, com a alma humana, com a emoção. Sua atuação é de dentro para fora. É, portanto, subjetivo por excelência. Já o jornalista tem na objetividade a sua linha de conduta. Reporta (ou pelo menos deveria fazer assim), tudo o que vê, ouve ou toma conhecimento por qualquer outro meio de informação, como a leitura, por exemplo. Tem, como matéria-prima, os fatos, nus e crus. Não lhe compete fazer juízo de valor. Seu papel é o de retratar a realidade (ou o que entende como tal), com a máxima veracidade e isenção.
Destaco que estas considerações não se destinam, somente, a ser uma espécie de retrospectiva dos bons poetas esquecidos e/ou injustiçados, embora a maioria dos que abordei possa ser classificada como tal. São descomprometidos comentários inspirados em alguns livros que me chegaram às mãos nos últimos tempos, cujo teor tocou minha sensibilidade e que percebi que estavam “encalhados” nas prateleiras das livrarias, por uma razão que não sei (e que não me cabe) explicar.
Por isso, não cabem melindres e nem observações de que esqueci de mencionar fulano, sicrano ou beltrano. Contudo, embora estas considerações não se destinem a homenagear quem quer que seja, faço questão de citar um escritor em especial, por admirar seu magnífico trabalho intelectual, sua vasta cultura, sua refinada sensibilidade e a clara visão que tem do mundo e, sobretudo, das pessoas.
Refiro-me ao professor universitário (com passagens pela PUC-Campinas, Unicamp e atualmente do Unisal), filósofo, jurista, acadêmico da Academia Campinense de Letras (onde, desde setembro de 1980 ocupa a cadeira de número 19, cujo patrono é Amadeu Amaral) e, sobretudo, poeta João Francisco Régis de Morais. Nascido em Passa-Quatro, Minas Gerais, seu currículo é dos mais extensos e notáveis.
Graduou-se em Filosofia na Faculdade Salesiana de Filosofia de Lorena. Fez cursos de especialização em Ciências Sociais e de Extensão Universitária. É doutorado em Educação e livre docente em Filosofia da Educação. Sua obra é das mais extensas, com mais de 40 livros publicados abrangendo as áreas de filosofia, educação, sociologia, literatura e religião. Só de poesia, são quatro: “Queda de areia”, “O caminho dos ventos”, “À beira de mim mesmo” e “Oito poemas para o visionário”.
Régis de Morais define da seguinte maneira sua predileção pela poesia: “Em meu caso, ser poeta é uma questão de sensualidade. Tocar as carnes da emoção sem medo de êxtases e orgasmos. E nada me encanta mais do que minha condição marginal de poeta neste mundo descarnado. Sei que a vida é uma árvore carnívora à sombra da qual realizo minha meditação do provisório. De um provisório que, porém, sempre permanece no fluxo do mundo”.
Vários escritores e intelectuais de renome analisaram a sua eclética obra (da qual destaco, além dos quatro livros de poesia que citei, “Sala de aula – que espaço é esse?”, “Espiritualidade e Educação”, “Dostoievski: o operário dos destinos”, “Sociologia jurídica contemporânea”, “Sociedade: o espelho partido”, “Corações em luz”, “Educação contemporânea: olhares e cenários”, “Cultura brasileira e Educação” e “Educação, mídias e meio-ambiente”). Um deles foi o escritor, tradutor, dicionarista e especialista em mitologias, Tássilo Orpheu Spalding (autor, entre outros, do “Dicionário de mitologia latina”, do Dicionário das mitologias européias e orientais” e do “Dicionário de coletivos”), que fez a seguinte avaliação sobre a poesia de Régis de Morais: “Lendo os teus poemas, só uma expressão me ocorre: ‘Porge que coepisti’, ‘continua como começaste’. O Brasil precisa muito de estadistas, financistas, cientistas, homens de indústria...Mas precisa, sobretudo, de poetas”.
Nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, assim se expressou sobre a obra poética de Régis de Morais: “Quanta coisa você descobria delicadamente, em verso não ruidoso, simples e aliciante, que permanecia infiltrado na lembrança! Meu abraço de louvação”.
Dele, tenho em mãos o “pequeno grande livro” intitulado “Oito poemas para o visionário”, em sua edição original, publicada pelo Instituto de Filosofia e Teologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Dele, transcrevo, com prazer, esta “Oração por Bill e Juan”:
“Senhor
explica o que se passa a Bill e Juan.
Um dia pedi que atendesses Marilyn Monroe
ao telefone
na hora em que a vida a empurrou
para o seu cofre escuro. Na hora
em que num último lance
tenta-se discar o número ignorado.
Volto a pedir-te por dois outros
que rodam em sua nebulosa de equívocos.
Bill chegou num jato (suponho).
Não veio como encarnação da CIA
ou dono da fome espúria
da televisão ABC.
Chegou num jato (suponho)
para uma tarefa de mais violência
silenciando a necessidade de trabalhar.
Apenas um rapaz de roupa branca
na porta do hotel. Pouco tempo de sua vida
valia por um terremoto.
E Juan. Morto por saber inglês
e acompanhar o moço tristonho de roupa branca.
Juan vendeu o que sabia
sem traições. Era (suponho)
um homem sonhador
ligado como todos à sofrida família.
Apenas um rapaz de roupa parda
na porta do hotel. Muito de sua vida
fora esperar e esperar.
Senhor
ergue do chão do meu país
o peso desses corpos.
Lá está Bill no meio da estrada
restos de rosto no chão.
Juan Espinosa perto das árvores
uma sombra que atormenta as sombras.
Recolhe Senhor
estes sacrifícios para que não sejam em vão
e sobretudo explica o que se passa a Bill e Juan.
É preciso que saibam
de como fica louco e absurdo
o amor que se desentende.
Um dia abri meu caderno amarelado
onde aninho um a um os desesperos
e ali escrevi dois nomes:
Bill Stewart e Juan Espinosa”.
(Continua)
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