Monday, June 26, 2006

Outra grande ironia


Pedro J. Bondaczuk


A obra do mestre holandês Vincent Van Gogh mostra o quanto os contemporâneos de um gênio podem se equivocar na avaliação de um talento. Não cabe aqui discutir sobre seu possível distúrbio mental, que o levou a ser internado no asilo de Saint-Paul-de Mausolè, em Saint-Rémy, onde, aliás, pintou telas maravilhosas, hoje disputadas a peso de ouro pelos grandes museus e pelos colecionadores particulares do mundo todo.
O que se questiona é o senso estético do seu tempo, que fez com que esse homem atormentado por mil demônios tivesse uma existência profundamente infeliz. Não há amargura maior para um indivíduo, especialmente se for um artista, do que ver aquilo que acredita ser ridicularizado e diminuído pelos que o cercam.
Van Gogh passou por essa amarga experiência em inúmeras oportunidades. Bem que o seu irmão, Theo, um bem-sucedido marchand em Paris, tentou, por todas as formas e meios, transformar essa pessoa que tanto amava, mas que era encarada como ovelha negra da família, em um pintor de sucesso.
Quantos esnobes não adquiriram, nessa época, quadros que não passavam de mera empulhação, hoje completamente esquecidos (quando não utilizados, apenas, para aproveitar as telas ou as molduras e nada mais) como sendo trabalhos geniais! Como se sabe hoje, não eram! E, o pior de tudo, é que esses mesmos senhores emproados, com ares de entendidos, tiveram, sob seus narizes, uma autêntica obra de gênio, que não souberam entender. Pior para eles. A vida tem dessas ironias.
Em novembro de 1987, o atormentado mestre holandês do século XIX, amante das luzes, das cores e da gente simples dos campos, superou seu próprio recorde, quando o seu “Os lírios”, pintado num período em que era considerado i8rremediavelmente louco, foi arrematado, em um leilão, em Nova York, por US# 53,9 milhões (incluindo os 10% de comissão dos leiloeiros).
O quadro de maior valor anterior, por sinal, também era de Van Gogh: o famoso “Os girassóis”, adquirido por uma empresa de seguros japonesa, em março desse mesmo ano, por US$ 39,9 milhões. Cifras monumentais, como estas, não deixam de ser uma trágica ironia, envolvendo esse gênio, marcado, permanentemente, pela incompreensão e pela tragédia.
Quantas vezes Van Gogh não dependeu da boa vontade do irmão, ou dos amigos, e mesmo de pessoas caridosas, estranhas para ele, para ter, simplesmente, o que comer?! Quantas portas não lhe foram fechadas e quanta arrogância alheia, de pigmeus mentais, não teve que suportar?!
E, no entanto, era um desses seres raros, que de quando em quando os céus enviam ao mundo, para ilustrar os néscios e para encantar os tristes, criando beleza, virtualmente, do nada. Extraindo harmonia de cores e revérberos existentes somente na palheta de seus próprios sonhos.
Se esse pintor genial era, de fato, louco, como se chegou a acreditar, o que dizer das bilhões de pessoas que hoje apenas sobrevivem, sem sequer a mínima noção que de fato existam? Quem pode traçar, sem erros, os limites entre o normal e o anormal? E entre o gênio e o esquizofrênico? Sim, quem pode?

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