Friday, June 16, 2006

Lições do cotidiano


Pedro J. Bondaczuk


As pessoas deveriam prestar mais atenção nas pequenas coisas do cotidiano; atentar para os gestos espontâneos de gentileza (e até de amabilidade), que partem de estranhos, de completos desconhecidos, com os quais cruzamos casualmente e que mal são reparados; valorizar atitudes generosas, de solidariedade, com as quais somos agraciados todos os dias, sem que sequer reconheçamos ou atentemos; reconhecer a nobreza, a amizade, o talento, a generosidade e o real valor das coisas ao nosso redor e daqueles que nos cercam, ou com os quais nos encontremos, posto que por acaso.

A vida não é constituída, na maior parte, de ocorrências grandiosas, dramáticas, sensacionais ou marcantes. Tais eventos acontecem, mas costumam ser raros e tendem a mudar nosso destino (para melhor ou para pior). São exceções. Em regra, são as pequenas coisas, supostamente sem importância, que tornam os relacionamentos espontâneos, suaves e agradáveis. Ou, ao contrário...

Mas mesmo que os tornem azedos e rixentos, temos como mudar tal situação: desarmando o mal-educado, o pessimista ou o mal-intencionado, com gestos de simpatia e compreensão. Ou, quando estes forem de todo intratáveis, nos afastando deles. Agindo com empatia em relação a esse "próximo" infeliz e amargurado, temos alguma chance de mudá-lo. Como? Compreendendo suas falhas e deslizes e procurando ajudá-lo (mesmo que ele não peça ou nem queira ajuda). Nisto é que reside grande parte da sabedoria de viver.

Meu vizinho do lado, do qual pouco ou nada conheço, tem o saudável hábito de ler poesia em voz alta. Faz esse exercício todas as manhãs, faça sol ou faça chuva, absolutamente todos os dias, inclusive nos feriados. A proximidade de nossas casas, (moro no Jardim Chapadão, em Campinas, logo atrás do prédio da Telesp), divididas por uma simples parede, propicia a que, mesmo que não queira, eu possa "bisbilhotar" o que se passa com sua família. E o que tenho ouvido neste tempo todo fez crescer seu prestígio aos meus olhos. Da minha parte, não sou tão expansivo, daí não termos feito (ainda) amizade.

No pouco tempo de vizinhança que temos (há um ano), embora raras vezes tivéssemos nos cumprimentado e nunca parássemos para dois dedos de prosa (mais por culpa minha do que dele, insisto), aprendi a admirá-lo. Agrada-me seu constante bom-humor, típico de quem já viveu muito e aprendeu, com os anos, a distinguir o que realmente importa do que não tem tanta (ou nenhuma) importância e que, em nossa cegueira intelectual (ou moral, ou estética) achamos que é fundamental para nos fazer felizes. Mas não é. Esse senhor circunspecto, avô, profissional bem sucedido (parece-me que advogado) e agora aposentado, é um sábio!. E na verdadeira acepção da palavra.

Quantas vezes, angustiado face às dificuldades financeiras (rotina neste país em permanente crise), ou magoado por alguma desfeita dos filhos (os jovens raramente têm sensibilidade no trato com quem quer que seja, especialmente de pessoas que não pertençam à sua geração), ou frustrado pela não valorização profissional, ou preocupado em elaborar um texto de suposta sabedoria (que nem mesmo sei se será lido ou apreciado), tenho subitamente caído na realidade, ao ouvir sua declamação vibrante e entusiástica de versos de Rilke, Rimbaud, Byron, Shelley, entre outros!

Tenho o sumo privilégio de embeber-me na beleza poética dos maiores gênios do gênero e absolutamente de graça! Basta, apenas, manter os ouvidos atentos, a mente aberta e o coração acessível às divinas mensagens. Bendito vizinho! Bendito acaso que nos aproximou! Mark Twain escreveu que "o nome do maior dos inventores é casualidade". Acabo de comprovar, pela milionésima vez, que é mesmo. Foi ele que colocou em meu caminho uma pessoa com tamanha cultura e sensibilidade. Nem todos, convenhamos, têm esse privilégio. Pelo contrário...

A rigor, as maiores amizades que consegui fazer (e que prezo tanto), foram frutos do acaso. Muitas são de leitores que ligam para a redação do jornal em que trabalho, para fazerem alguma reclamação (nem sempre pertinente ou dirigida à pessoa apropriada). Procuro atendê-los sempre bem, mesmo que suas palavras, a princípio, não sejam exatamente gentis ou que meu humor não esteja dos melhores. Tento compreender suas motivações e tenho sido, em geral, muito feliz nesse aspecto. Às vezes, mesmo contando com escassez de tempo, dada a minha função de editor, prolongo a conversa mais do que deveria. Sinto, do outro lado da linha, em geral, a presença de uma pessoa angustiada, ou solitária, ou ambas as coisas. Não tenho vocação para santo, mas o sofrimento alheio me sensibiliza e comove. Talvez por me sentir muito feliz e não achar que seja merecedor dessa graça.

Tal exercício de empatia tem me rendido bons frutos. Anatole France escreveu que "o acaso é o pseudônimo de Deus quando Ele não quer assinar". Estou cada vez mais convencido disso! Dia a dia, meu círculo de amigos se expande e a solidão, característica de todo o ser humano nesta vida (não sei se existe outra) repleta (ou toda ela constituída) de mistérios, se torna menor. Ou, pelo menos, fica mais suportável. Do mundo não levamos nada... Deixamos: lembranças boas ou más, obras idem e só sobreviveremos no coração daqueles que soubermos cativar. É a nossa única chance de "imortalidade". O resto... é, como diria Eclesiastes, "vanitas vanitatis". Vaidade...nada mais do que vaidade...

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