Wednesday, June 28, 2006

É proibido...


Pedro J. Bondaczuk


As primeiras palavras que mentalizamos, na tenra infância, tão logo começamos a engatinhar e a tomar contato ativo com o mundo, é no sentido de restrição. "Não mexa nisso, não faça aquilo, não ponha isso na boca" e vai por aí afora.
Claro que os que nos dizem essas coisas (no caso nossos pais), agem no intuito de nos proteger. Mas é a nossa primeira "lição de ditadura". Muitas outras virão a partir de então, ao longo de toda a nossa vida. E as proibições vão aumentando de grau e de intensidade à medida em que crescemos. E passam a ser uma constante no lar, na escola, no trabalho, etc.
Trata-se de um duro aprendizado para a vida em comunidade, onde precisamos abrir mão de parcela considerável de liberdade individual, em favor do grupo. É óbvio que algumas proibições são exageradas, outras são tentativas de domínio de pessoas despreparadas, que extrapolam de sua autoridade para se impor e outras são tão ridículas, que só merecem risos.
É claro que as restrições são incômodas, antipáticas e impopulares. O homem, no entanto, somente é totalmente livre nos estritos limites da lei. Desde que ela seja, logicamente, justa, aplicável e que abranja a todos os indivíduos, indistintamente, sem exceções de quaisquer espécie.
No meu tempo de jovem, criou-se um slogan que refletia bem a rebeldia de minha geração contra certos tipos de imposição: "É proibido proibir". Tínhamos em mente uma liberdade que hoje sabemos ser impossível. Para existir, na intensidade que pretendíamos, seria necessário que não houvesse um único indivíduo que desconhecesse o limite do que pode ou não fazer, por estar violando direitos alheios.
Muitos utilizavam essa reivindicação (ou exigência?), para defender, por exemplo, a liberalização da maconha. É certo que uma proibição liminar nesse sentido tem se mostrado contraproducente. O que é preciso é convencer as pessoas da estupidez de se recorrer às drogas, que têm todas as desvantagens e perigos possíveis, sem a contrapartida de um único benefício.
Até por que, mentes mais fracas julgam que a violação de uma norma, mesmo que implique em prejuízos à própria saúde ou até em riscos à sua sobrevivência, é uma manifestação de ousadia, ou de coragem, ou sabe-se lá do quê. Neste caso (e na maioria dos outros) não é. Em geral, é um suicídio a médio prazo, um caminho sem retorno.
O padre Antônio Vieira tem um magnífico e lapidar sermão sobre a dureza da palavra "não". Há, é verdade, alguns impeditivos sem razão de ser e que acabam não vingando: ou pelo seu evidente exagero, ou por sua absoluta desnecessidade ou por falta de autoridade ou legitimidade dos que os procuram impor.
A esse propósito lembro-me de um incidente ocorrido em uma escola em que estudei. O colégio era cortado por amplas e sinuosas avenidas, que margeavam enormes gramados, em cujo centro havia a invariável placa: "É proibido pisar na grama". No entanto, esses imensos "tapetes verdes" possuíam trilhas bem marcadas, que mostravam que os alunos ignoravam a proibição, cortando caminho sobre eles. Como a menor distância entre dois pontos é a reta (já ensinava o geômetra grego Euclides há 400 anos antes de Cristo), o desrespeito a essa restrição era até questão de lógica.
Os responsáveis pela disciplina da instituição faziam freqüentes "sermões" nas salas de aula, apontando o fato de se pisar na grama como grave manifestação de "falta de educação" dos estudantes. Não haveria, no caso, brutal falta de respeito da escola para com os alunos?. Não seria mais lógico e racional fazer passar uma viela, ou travessa, ou passagem calçada, na parte do gramado em que todos transitavam, formando a referida trilha?
Esse é o tipo da proibição que sempre vai cair no vazio, pela desnecessidade. Aliás, sobre restrições, há um magnífico poema de Lewis Carrol, intitulado "Minha Fada", em que o autor de "Alice no País das Maravilhas" escreve:
"Tenho sempre uma fada do meu lado/que diz que não devo repousar./Quando chorei um dia de magoado,/censurou-me: 'não deve chorar'.//Se dou uma risada divertida,/ela ralha: 'Não deve alegrar-se'./Um dia eu quis tomar uma bebida,/impediu-me: 'Não deve embriagar-se'.//E quando eu quis provar alguns quitutes/proibiu-me: 'Não deve provar'./Quando fui para a guerra, disse-me:/ 'Escute, não deve, tampouco, guerrear'.//'Que posso então fazer?', gritei cansado/de tantas proibições conjuntas./A fada respondeu, sempre ao meu lado:/'Não deve é fazer essa pergunta'.//Moral: 'Você não deve'".
E não é sob esses exageros constantes, das pequenas às grandes coisas, que transcorre nossa vida? Restrições em casa, regras na escola, proibições no trabalho, sanções na sociedade, e vetos de toda a sorte até em nosso lazer, etc. E quando rompemos uma dessas normas estúpidas, impostas muitas vezes (quando não na maioria) por pessoas sem nenhuma autoridade para tal, procuram fazer com que nos sintamos culpados. Ou nos aplicam as mais variadas sanções, das físicas às patrimoniais. E, em casos extremos, a pena de morte...
O que deveria ser proibido (e banido do Planeta) é o ódio. É a intriga. É o preconceito. É o egoísmo. É o mau-humor. É a chatice. É a desonestidade em todos os sentidos. O romancista alemão Bruno Frank, no conto "O Besouro Dourado", resume com maestria o que queremos ressaltar: "Não somos separados uns dos outros como pensamos; onde estão os limites? Quem poderá se atrever a separar, a dividir, a dizer: assim é esse e assim é aquele, e isso é bom e aquilo é mau?". Sim, quem poderá?!!?

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