Sunday, November 04, 2012

Triste encanto

Pedro J. Bondaczuk

A tristeza tem lá o seu encanto. Não me refiro à depressão, que é uma doença e das mais graves. Não é isso. Não há quem nunca tenha se sentido triste algum dia, por motivo qualquer, ou mesmo sem razão alguma. O que não podemos é nos “acostumar” com ela, deixar que a melancolia nos domine, que se prolongue indefinidamente e que se repita por dias e noites sem fim. Nestes casos, temos que reagir contra ela. Há muitas formas de reação.

Uma delas é “alugar” algum ouvido amigo, generoso e salvador, que se disponha a nos ouvir, mas sem comentários. Guardar mágoas, rancores e decepções não é atitude inteligente, e muito menos saudável. Convém, pois, desabafar o que nos atormente e falar, falar e falar até não termos mais coisa alguma a dizer. Outra estratégia eficaz é evitar a solidão.

Quando estamos tristes, nossa tendência natural é a de buscarmos o isolamento. Grande erro estratégico! Agindo assim, estamos, apenas, dando munição a um inimigo traiçoeiro e insidioso. A menos que contemos com vigorosa estrutura psicológica, dificilmente teremos sucesso ao tentarmos combatê-lo sozinhos, sem nenhum aliado ao redor. Perderemos a batalha, claro. E, dependendo de quão frágeis estivermos espiritualmente (e, em casos extremos) estamos arriscados a perder a guerra. Não é o que queremos, óbvio.

O leitor fiel, que me acompanha há anos, certamente deve estar surpreso e talvez um tanto decepcionado com a minha afirmação inicial, de que “a tristeza tem lá o seu encanto”. Por opção e formação, sem fazer muita força para isso, sou um sujeito positivo e otimista. Amo a vida e procuro usufruir de todas as alegrias – das mínimas às máximas – que ela pode me proporcionar. Encaro os obstáculos, fracassos e decepções como lições que essa mestra implacável tenta nos ensinar. Como, então, ver algum encanto na tristeza?

Calma lá! Já estabeleci as condições para que possa enxergar o positivo no que é, por definição, negativo. Ou seja, que não se trate de depressão, que seja leve como a pluma, mera melancolia de curtíssima duração e que não seja provocada por algo brutal e definitivo, como a morte de alguma pessoa querida ou coisas do tipo. Não me refiro, pois, a nenhuma “tristezona”, dessas devastadoras e cruéis, mas a uma “tristezinha”, ligeira e ágil como o vôo de um colibri.

Esse estado de “ligeira” melancolia, de uma tristeza vaga e suave, é o que os poetas chamam de inspiração. Os melhores poemas que escrevi foram compostos neste estado de espírito. A maioria dos meus amigos peritos na arte de poetar (como aprecio esse neologismo!), confessou, quando questionada a respeito, que também lhe aconteceu isso. Está aí uma utilidade para a tristeza. Mas, reitero, para a “tristezinha”, aquela leve e solta, fugaz e passageira.

A propósito disso, tive, há cinqüenta anos, uma experiência que me marcou para sempre. Volta e meia me recordo desse episódio e torço para ele jamais se repetir. Eu tinha, na ocasião, 19 anos de idade e, na flor da adolescência, tive minha primeira decepção amorosa. As circunstâncias separaram-me de uma pessoa que amava demais, com a intensidade e o desvario da juventude, do primeiro amor (e, de certa forma, amo-a ainda, posto que somente sua lembrança, pois um sentimento tão profundo “adormece”, mas não se extingue jamais), já que ela era de outro Estado, para o qual retornou. Jamais a veria de novo (e nunca mais a vi de fato). Fiquei desorientado. Fui tomado de uma tristeza abissal, como jamais tive outra igual, nem antes e nem depois.

Fui para a cidade de Santos, que então costumava freqüentar com assiduidade, no afã de me distrair e não sofrer tanto. Em vão. Lembro-me que chovia na ocasião. Anoitecia e as ruas estavam, se não desertas, pelo menos mais vazias do que de costume. Resolvi caminhar pela praia do Gonzaga, sem me importar com a noite, com a chuva, com a subida da maré, com nada. Foi um momento íntimo, um encontro de mim comigo mesmo, na mais absoluta intimidade, praticamente sem testemunhas, sem nenhuma intromissão externa. Em suma, caminhei a noite toda, até o amanhecer, ensopado pela persistente garoa que não parava de cair e que apenas notei quando cheguei, exausto, à pensão em que estava hospedado.

Temi pelas conseqüências daquela loucura. Achei que poderia contrair alguma forte gripe ou, até, uma pneumonia. Milagrosamente, porém, nada disso aconteceu. Nos dias subseqüentes, não se manifestou sequer um reles resfriado. Não sei explicar porque, mas o fato é que, daí por diante, me livrei daquela imensa tristeza. Óbvio que não recomendo esse tipo de “terapia” para ninguém. Nunca mais fiz loucura como essa. O saldo dessa noite foi de dezenas de poemas compostos, os melhores que já escrevi. Nunca esqueci aquela pessoa amada, cuja ausência me gerou tamanho sofrimento, mas até hoje lembro-me dela com alegria, como se nosso breve relacionamento não tivesse passado de um sonho bom, desses gostosos de serem lembrados.

A propósito do tema, vasculhando meus arquivos, encontrei um magnífico soneto de Mário Quintana, publicado na “Antologia dos poetas brasileiros”, organizada por Manuel Bandeira e Walmir Ayala, editada em 1967 pela Editora Tecnoprint Gráfica, que faço questão de partilhar com você, paciente e fiel leitor. Seu título? É exatamente o destas reflexões (juro que é mera coincidência).

Triste encanto

“Triste encanto das tardes borralheiras
que enchem de cinza o coração da gente!
A tarde lembra um passarinho doente
a pipilar os pingos das goteiras...

A tarde pobre fica, horas inteiras,
a espiar pelas vidraças, tristemente,
o crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus...o frio que a pobrezinha sente!

Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...

Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
eu pintava trezentos arco-íris
nesse tristonho céu que nos encobre!...”

E nada de tristeza!Abra seu coração e mente para a alegria e para a beleza desta tarde de início de inverno, cheia de sol e com céu azul e sem nuvens. Não permita que esta insidiosa tirana o seduza, o domine e lhe atrapalhe (ou não lhe permita) de usufruir as coisas boas que a vida tem para lhe oferecer.

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