Pedro J. Bondaczuk
“O passado é a única realidade humana. Tudo o que é já foi”. Quem fez essa constatação, aparentemente singela, até um tanto simplória, foi um dos maiores escritores que o mundo conheceu. Refiro-me ao francês que assinava suas obras com o pseudônimo de Anatole France e cujo nome verdadeiro era Jacques Anatole François Thibault. Já escrevi muito tanto sobre sua obra, de qualidade inquestionável (tanto que lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1921 pelo seu conjunto), quanto sobre esse tema. Aliás, trata-se de um assunto que se constitui em uma de minhas tantas obsessões (se não a maior, é uma das maiores): o tempo. Tanto que, um dos quatro livros que já publiquei tem o título revelador de “Cronos e Narciso”.
Volta e meia, a um pretexto ou outro, torno a abordá-lo, ora por um ângulo novo, não raro polêmico, ora de maneira reiterativa, no afã de esclarecer o que me pareceu ter ficado dúbio em textos anteriores. Procuro, para não parecer repetitivo (muitas vezes sem sucesso), variar de gênero literário, porquanto o tema presta-se a todos eles. Ora escrevo uma crônica a respeito, ora um poema e ora faço-o de forma mais livre e pessoal, mediante um ensaio. Igualmente em meus contos, novelas e no único romance que escrevi (em fase de revisão), o tempo está sempre presente, posto que de forma subjetiva. Embora possa não parecer, creio que se trate de assunto inesgotável, ou quase.
Mas, o passado é, de fato, “a única realidade humana”, como Anatole France afirmou? A resposta é: sim! Já demonstrei porque, em um texto a propósito de afirmação do mesmo teor de Jorge Luís Borges. O presente é tão fugaz, a ponto de ser indetectável. É impossível captá-lo e muito menos retê-lo. Dura menos, muito menos, do que um piscar de olhos. A partir do instante em que coloquei o ponto final na oração anterior, por exemplo, tudo o que ficou para trás neste texto já está no passado, mesmo que não tenha transcorrido, sequer, meio segundo.
Acho fascinante raciocinar a propósito. Considero um exercício mental dos mais saudáveis. Cada resposta às infinitas indagações que o mundo suscita desperta novas perguntas. A tentativa de respondê-las amplia muito a acuidade da nossa mente. A natureza é caprichosa e uma de suas inflexíveis leis, aplicáveis ao homem, é a de que a utilização de determinados órgãos, notadamente dos nossos músculos, os desenvolve. Em contrapartida, a inércia causa sua atrofia. Fiquem, por exemplo, sessenta dias sem andar, locomovendo-se somente em uma cadeira de rodas. Ao cabo desse período, tentem dar alguns passos. Por mais saudáveis e fortes que sejam suas pernas, certamente terão muitas dificuldades. Terão que se exercitar por bom tempo para que possam voltar a caminhar normalmente.
Da mesma forma que o corpo precisa ser exercitado, para manter-se saudável e ativo, o cérebro também requer exercícios constantes Afinal, pensar não dói. Quanto mais você o fizer, maior será sua capacidade de raciocínio e de compreensão. Para que isso aconteça, todavia, é indispensável que você mantenha acesa, desperta, viva e atuante uma insaciável curiosidade. Ou seja, que acalente a vontade de ver respondidos todos os infinitos “por quês” que há no universo que o cerca. Quanto mais curioso você for, maiores serão suas chances de aprender, não importa o que.
O que é a arte de ensinar se não o despertar e o estimular da curiosidade dos alunos? Se eles não quiserem saber o que você se propõe a lhes transmitir, não há força no mundo que faça esse conhecimento se fixar em suas memórias. A grande falha de muitos docentes, mundo afora, é não saberem se utilizar desse fator e sequer atentar para ele. Não sabem despertar a curiosidade dos seus alunos e, dessa forma, o que pretendem ensinar, entra por um ouvido e sai por outro dos renitentes discentes, que saem das aulas tão broncos, ou mais, quanto entraram.
A esse propósito, recorro, mais uma vez, às luzes de Anatole France, por concordar plenamente com sua afirmação. Ele escreveu, certa feita, colocando a observação na boca de um dos seus personagens: “A arte de ensinar não é mais do que a arte de despertar a curiosidade das crianças para satisfazê-la em seguida. E a curiosidade só é viva e sã nos espíritos felizes. Portanto, não se deve ensinar com recursos de terror”. Não se deve, mas boa parte dos docentes recorre a esse expediente ineficaz que, por razões óbvias, nunca funciona.
E o que tem a ver a curiosidade com o tempo e, mais especificamente, com o passado? Tem muito. Nunca lhe passaram pela mente indagações a propósito da origem das coisas e do próprio homem? Por que as pessoas são tão diferentes, pelo menos no aspecto exterior, se tiveram um único começo? Por que uns são, por exemplo, de pele branca, e outros são negros, ou amarelos, ou pardos? Têm todos, de fato, origem comum? Se não têm, como cada etnia surgiu? Talvez a resposta a essas questões, pelo menos com as respectivas comprovações, seja impossível de se obter. Mas... seria impossível mesmo? Nunca saberemos se não esgotarmos nossa curiosidade e nossa busca por respostas.
Outra questão que me intriga (entre milhões de tantas outras) é a razão de existirem tantas formas de nos expressarmos. Hoje falam-se, no mundo, mais de 20 mil idiomas e dialetos diferentes. Por que? Qual a linguagem original que teria dado origem a todas as demais? Como se expressava o homem primitivo? Você nunca se perguntou a esse respeito? Isso não desperta e nem nunca despertou sua curiosidade? A mim sim!
A pretexto de dedicarem todo seu tempo a suprir necessidades vitais de sorte a garantir a sobrevivência física, sem nenhum outro objetivo, superior, que não seja o “viver por viver”, muitos e muitos renunciam até a pensar. Sufocam sua curiosidade e se justificam dizendo que são “práticas” e que não têm tempo a perder. Seriam práticas mesmo? Ou seriam preguiçosas e, com isso, deixariam de exercitar a faculdade mais nobre que o homem tem, ou seja, a do raciocínio?
O médico, filósofo e teólogo alemão Albert Schwitzer, que dedicou a vida a cuidar de doentes nas remotas selvas da África (Prêmio Nobel da Paz de 1952), advertiu a respeito: “Renunciar a pensar é admitir a bancarrota espiritual. Quando os homens cessam de crer que podem achar a verdade através dos processos do seu próprio pensamento, começa o ceticismo. Aqueles que procuram, deste modo, modular o ceticismo à nossa época, fazem-no na expectativa de que, renunciando a toda a esperança de chegar à verdade por si mesmos, os homens acabarão por aceitar como verdade aquilo que lhes é incutido a força por meio de autoridade ou propaganda”. É digno se conformar com esse mísero papel, o de quase robô, dirigido por terceiros? Entendo que não!
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