Pedro J. Bondaczuk
William Coulthbert Faulkner, cuja morte completa o 50º aniversário na sexta-feira, 6 de julho, é considerado, quase que consensualmente, um dos maiores escritores norte-americanos do século XX. Da minha parte, leitor confesso e admirador incondicional de sua literatura, considero-o entre os maiores ficcionistas de todos os tempos. O homem era genial. Pena que morreu bastante jovem, para os padrões atuais, ou seja, quando faltavam pouco mais de dois meses para completar 65 anos de idade. Acredito que tinha ainda muitas histórias para nos contar e que levou para o túmulo. Uma lástima. Mas... sua trajetória pela literatura (e pela vida, claro) foi das mais marcantes e decisivas.
Para comprovar o imenso talento e a soberba criatividade de William Faulkner (como se isso fosse necessário!), basta atentar para seu riquíssimo currículo. O escritor conquistou todos os principais prêmios literários existentes: o Nobel de Literatura de 1949, o National Books Award em duas oportunidades (em 1951 e 1955), além de dois Pulitzers (em 1955 e em 1962, pouco antes da sua morte). Convenhamos, por mais que alguém conteste os critérios dessas premiações (e há muito o que se contestar em várias delas), ninguém é tão premiado, e tão seguidamente, de graça. Revela inegáveis e inquestionáveis méritos E se há quem tenha merecido amplamente todos os prêmios que conquistou, este foi William Faulkner.
O curioso é que, conversando com várias pessoas a propósito dos seus livros (a maioria desses interlocutores constituída de escritores, alguns dos quais consagrados pela crítica e pelo público), muitas delas confessaram, um tanto constrangidas, achar sua obra complexa e de difícil entendimento. Há, até, quem a considere hermética, acessível, apenas, a meia dúzia de iniciados. Discordo. Considero seus livros profundamente humanos, muitíssimo bem escritos e, sobretudo, de originalidade ímpar.
Talvez os que confessaram encontrar dificuldades em entender suas exposições não estejam familiarizados com o tal fluxo de consciência, método ao qual Faulkner aderiu e utilizou com invejável maestria. Seus romances e contos centralizam-se, basicamente, na decadência – econômica, moral e de costumes – do homem típico do Sul dos Estados Unidos, ou seja, dos confederados e seus descendentes, derrotados na longa e sangrenta Guerra da Secessão.
As histórias de Faulkner não são daquelas que você lê a título de distração, como algum tosco enredo de filme. Pelo contrário, é elaborada e “bem desenhada”, quer na descrição e nas ações dos personagens (dos quais o autor nos revela até o que pensam intimamente e como são esses pensamentos), quer no interesse dos dramas que criava . No meu critério de leitor – não admito concluir nenhuma leitura sem que esta tenha acrescentado alguma coisa aos meus conhecimentos e à minha sensibilidade – é justamente essa complexidade psicológica, que Faulkner tão bem elabora, que mais me encanta e fascina em suas produções.
Outra característica desse mestre da ficção que deve ser destacada é uma particularidade original em relação a tantos outros escritores. Várias de suas histórias (quer romances, quer contos ou novelas) têm por palco um condado imaginário que ele criou e que batizou com o incomum nome de Yoknapatawpha. Não me perguntem o que esse palavrão significa – se é que tem algum significado – que não tenho como responder.
Seu estilo, admito, exige muita paciência e perseverança do leitor. É a única restrição que faço ao autor (baseado, enfatizo, no critério do gosto pessoal). Sua narrativa abusa de parágrafos bastante extensos, alguns perfazendo duas páginas inteiras ou mais, nos quais esbanja parênteses, travessões e aspas. Caso você se distraia, perde, facilmente, o fio da narrativa e precisa voltar sucessivas vezes ao princípio dela para entender a mensagem transmitida. Minha preferência – e sequer faço juízo de valor a respeito – recai para orações curtas, em linguagem que alguns classificam de “telegráfica”. Mas as virtudes de seus textos, principalmente no que se refere ao que importa, o conteúdo, superam, em muito, as eventuais dificuldades de leitura que apresentam.
Sem nenhum demérito aos seus romances, prefiro os contos que Faulkner escreveu. É uma questão de preferência pessoal, provavelmente ditada pelo fato de eu haver feito desse gênero ficcional a minha especialidade. Por que? Já me perguntaram inúmeras vezes isso e nunca soube explicar. Aliás, esse tipo de explicação sequer é essencial, ou seja, indispensável. Gosto porque gosto, e ponto.
A obra de William Faulkner é vastíssima, abrangendo grande variedade de gêneros. Escreveu romances, contos, novelas e teve tempo, ainda, de se aventurar na poesia. Citar algum de seus livros em particular pode dar uma impressão falsa ao leitor que o conheça, apenas, de “passagem”. Claro que alguns se destacam, como os casos de “Paga de soldado”, de “Sartoris”, de “O som e a fúria” (título extraído de uma citação de William Shakespeare, de que “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem significado nenhum”), de “Os desgarrados” e vai por aí afora.
Faulkner atuou como roteirista de cinema, produzindo pelo menos seis roteiros originais, com destaque para “À beira do abismo” e “Caminho da glória”. Pelo menos sete outras produções cinematográficas foram baseadas em sua extensa e criativa obra, a saber: “Levada à força” (1933), “O mundo não perdoa” (1949), “O mercador de almas” (1958), “Almas maculadas” (1958), “A fúria do destino” (1949), “Santuário” (1961) e os “Rebeldes” (filme póstumo, rodado em 1969).
Como não gostar, portanto, de um escritor desses, a despeito de eventuais complexidades de seu estilo? Como não lhe outorgar prêmios e mais prêmios, sempre que ele entrar em uma disputa, se seus enredos primam pela originalidade e pela fuga do lugar comum e se buscam desvendar os mais secretos pensamentos da mente humana e os mais complexos sentimentos do bicho homem? Escritores, como este, valorizam, justificam, engrandecem e dão transcendência à literatura. Pena que morreu tão cedo!
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