Tuesday, November 06, 2012

Perdendo anéis para manter dedos

Pedro J. Bondaczuk

O Partido Socialista da Birmânia, único autorizado a funcionar nesse país, que desde 1962 governa seus destinos, adotou, ontem, aquela velha tática de “perder os anéis, para não ter que sacrificar os dedos”. Estrategicamente, “aceitou” a renúncia do general Seis Lwin, conhecido pelo nada cômodo apelido de “O Carniceiro da Rangum”, que ocupava o poder há somente 17 dias.

É que desde segunda-feira, milhares e milhares de birmaneses, de todas as classes sociais e tendências políticas, foram às ruas de 26 cidades para exigir a saída do mandatário. Afinal, esse militar tem em seu currículo dois massacres contra universitários, separados por 26 anos de diferença.

O primeiro ele encabeçou em 1962 e foi pouco divulgado na oportunidade. O outro ocorreu em março passado, quando mais de cem jovens foram estupidamente mortos, numa repressão irracional e sem sentido.

Chacina maior, todavia, ocorreu agora, nestes quatro dias de loucura que tomaram conta da capital birmanesa. Lwin, que só conhece o argumento da força para “convencer” opositores, colocou tropas nas ruas para sufocar uma rebelião nacional, que começou como um protesto pacífico.

Os soldados, certamente instruídos por seus superiores, não tiveram dúvidas e dispararam a esmo, loucamente, contra os cidadãos, que um dia, quando abraçaram sua profissão, juraram, diante de uma bandeira birmanesa, defender com as próprias vidas.

Testemunhas locais, diplomatas do Ocidente, todas pessoas idôneas, atestaram que o número de mortos, nos últimos quatro dias, não ficou abaixo de 1.500, embora as autoridades da Birmânia garantam que não passou de 80. A chacina foi tão grande, que soldados começaram a desertar e se bandear, com armas e tudo, para o lado dos revoltosos.

A rebelião aumentou e só havia um jeito de contê-la. Foi então que os dirigentes do Partido Socialista caíram em si. Perceberam que aquilo que estava em jogo não era mais a sobrevivência do governo de Sein Lwin, mas do próprio regime. O general até que teve a dignidade suficiente de apresentar a sua renúncia. Hoje, certamente, ele é o homem mais odiado da Birmânia.

Por uma questão de justiça, deveria sair do palácio de governo direto para uma prisão, para posteriormente ser levado perante uma Corte Marcial. Mas os tiranos têm sorte nesse aspecto. Praticam todo o tipo de arbitrariedades e de atrocidades contra o seu povo e ainda escapam impunes. Alguns ganham, como “prêmio”, por terem se “dignado” a livrar o povo de suas incômodas presenças, férias em locais aprazíveis do mundo, como a Cote D’Azur (no caso de Baby Doc) ou Honolulu, como aconteceu com o arbitrário ex-ditador filipino, Ferdinand Marcos.

 
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio popular, em 13 de agosto de 1988).

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