Pedro J. Bondaczuk
O nicaragüense Rubén Dario, cujo nome verdadeiro era Félix Rubén Garcia y Sarmiento, é considerado, com justiça, o escritor da renovação da literatura de língua espanhola. Quando os movimentos de vanguarda recém começavam a se manifestar em Paris, subvertendo cânones poéticos e virando pelo avesso os conceitos formais até então vigentes nos grandes centros culturais da Europa, ele teve a ousadia de introduzir figuras classificadas como “modernistas” na rígida poesia hispânica, o que foi considerado, na época, “heresia” artística.
Como todo inovador, pagou alto preço por esse “atrevimento”. Sua poesia, vigorosa e ao mesmo tempo rude, causou, inicialmente, forte impacto no público e tornou-o alvo de ácidas críticas. Afinal, ele subverteu todos os conceitos estéticos e formais até então em voga na literatura de língua espanhola, tidos, não se sabe porque, como “intocáveis”.
Rubén Dario, nascido em Metapa, em 18 de janeiro de 1867, é considerado, hoje, com todos os méritos, o poeta nacional da Nicarágua, além de um dos “pais da pátria”. É chamado, em seu país (principalmente) e em vários lugares do mundo, “príncipe de las letras castellanas”. Educado por jesuítas, desde cedo empenhou-se em participar da realidade social da sua pátria, que durante sua juventude já era ameaçada pela política colonialista norte-americana na América Central, o que redundaria, anos mais tarde, em uma longa ocupação militar do território nicaragüense.
Jornalista ousado e combativo, denunciou erros e mazelas administrativas dos homens públicos do seu país, que mais tarde viriam a servir de pretexto para a invasão dos Estados Unidos. Foi, também, diplomata, tendo representado a Nicarágua em diversos países, tanto da América do Sul, quanto da Europa. Esteve no Rio de Janeiro, onde conheceu Machado de Assis e impressionou-se com sua simplicidade e seu talento.
Mais do que isso, Rubén Dario dedicou estes versos ao fundador da Academia Brasileira de Letras:
“Doce ancião que vive em seu Brasil de fogo
e de vida e de amor, todo modéstia e graça.
Moreno, que de uma índia teve sua aristocracia,
aspecto mandarim, língua de sábio grego.
Aceita esta lembrança de quem ouviu uma tarde
no teu divino Rio uma palavra saudável
dando ao orgulho todos os castiçais em que arde
e à má tentação, o que apenas a cobre”.
Seu primeiro livro de poesias – “Epístolas y Poemas” –, foi publicado quando Rubén Dario tinha apenas 18 anos de idade, em 1885. Daí em diante, sucederam-se, com invejável regularidade, “Abrojos”, “Rimas” e “Canto Épico” (1887); “Azul” – no qual o poeta introduz inovações métricas criadas pelos parnasianos franceses – (1888); “Los Raros” (1893); “Prosas Profanas” (1896); “El Canto Errante” (1907); “Poema del Otoño” e “Canto a la Argentina” (1910); “Peregrinaciones” (1901); “La Caravana Pasa” (1902); “Tierras Solares” (1904) e “España Contemporanea” (1907).
Entretanto, seu grande momento de criatividade foi a publicação do corajoso “Vida & Esperanza”, ousado libelo contra a ameaça à soberania política do seu país e, ao mesmo tempo, vigorosa manifestação de crença nos destinos da Nicarágua.
Rubén Dario tem, como principal mérito, o fato de haver introduzido, na literatura hispânica, a simplicidade formal de que ela carecia. Quebrou, dessa forma, na prosa, a tradicional frase longa e gramaticalmente complicada, que caracterizava o estilo de praticamente todos os escritores de língua espanhola de então. Na poesia, foi o primeiro a compor versos alexandrinos.
Apesar de uma obra bastante extensa, só não produziu mais porque não teve tempo. Morreu, precocemente, no auge da maturidade artística, em 6 de fevereiro de 1916, aos 49 anos de idade, na cidade de Leon. Patriota extremado, teve o supremo desgosto de ver seu país ocupado pelas tropas dos Estados Unidos e submetido a um humilhante regime de tutela política e de monitoramento econômico. Isto, certamente, contribuiu bastante para que vivesse tão pouco.
Hoje, Metapa, sua terra natal, leva o seu nome, ou seja, foi rebatizada de Ciudad Dario. Essa é uma das tantas honrarias que seus conterrâneos lhe tributaram e tributam. Exemplo? O mais importante centro cultural de Manágua também ostenta, com justiça, seu nome.
Dotado de imensa sensibilidade e de rara capacidade de expressão, Rubén Dario, além de ser o poeta nacional da Nicarágua – reverenciado e venerado como herói pelo seu povo – conquistou, com seu talento e capacidade de previsão, como criativo e ousado inovador, o respeito e a admiração dos meios artísticos e intelectuais de toda a América Latina e, por que não dizer, do mundo.
Como faço costumeiramente, sempre que trato de algum poeta, selecionei um pequeno (na extensão, claro) poema de Ruben Dario (com competente e hábil tradução de Maria Teresa Almeida Pina), que partilho, prazerosamente, com vocês.
Amo, amas
“Amar, amar, amar, amar sempre, com todo
O ser e com a terra e com o céu,
Com o claro do sol e o escuro do lodo;
Amar por toda ciência e amar, por todo desejo.
E quando a montanha da vida
Nos seja dura e longa e alta e cheia de abismos,
Amar a imensidade que é de amor acesa
E arder na fusão de nossos peitos mesmos!”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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