Saturday, November 10, 2012

O poeta que veio do frio

Pedro J. Bondaczuk

O romancista inglês John Le Carré, mestre das histórias de espionagem, escreveu um clássico do gênero, transformado posteriormente em filme, intitulado "O Espião que veio do Frio". Tratava-se, evidentemente, de um enredo ambientado na Rússia. Ou, para ser mais preciso, na antiga União Soviética, que então ainda existia. Minha intenção, porém, não é comentar esse tipo de literatura e nem esse autor, que aliás aprecio bastante. Quero, na verdade, abordar algo muito mais conforme ao meu estado de espírito atual e até à minha maneira de ser: a poesia. Mais do que isso, peço licença para falar de uma experiência intelectual marcante, vivida em 1988. Trata-se de uma descoberta: a do dinamarquês Piet Hein, "o poeta que veio do frio".

Confesso que nunca havia ouvido falar dele e se houvesse não daria a mínima importância --- como não vi ninguém dar até hoje --- se não lesse a sua obra. Mas tive a felicidade, a rara oportunidade de inteirar-me da sua poesia. Um amigo emprestou-me um livreto desse autor, cujo título sequer tive o capricho de anotar, tão pouca importância estava lhe dando. Pudera! Leio tanta bobagem do gênero! Isto no início. Depois, esqueci de anotar o título por excesso de entusiasmo. Pode parecer estranho, mas é verdade. Empolguei-me tanto com os versos claros, sensíveis, sonoros, bem colocados e sobretudo inteligentes do autor, que os copiei freneticamente numa das agendas de leitura que sempre trago comigo para anotar os melhores trechos dos livros que leio. E fiz bem.

Hoje, passados anos desse primeiro contato com Piet Hein, a empolgação não é mais a mesma. Multiplicou-se por dez, por cem, por mil, diante de tudo o que vim a ler posteriormente em termos de poesia!!! Ou de "antipoesia". Para que o leitor entenda a razão de tamanho entusiasmo, transcrevo, para começar, esta pérola de lirismo, beleza e sabedoria, que é o poema "O Milagre da Primavera". Declara o poeta:

"'São leis da natureza sábia e fria',
dizemos com candor.
--- As causas naturais são fantasias:
um solo negro transformado em flor
é mágica, é bruxaria".

Dá para entender por que fiquei tão empolgado? Se não, vou transcrever mais alguns de seus poemetos, sintéticos, curtíssimos, como se fossem aforismos, mas que contêm a verdadeira essência da poesia.

Entre os versos que mais apreciei nesse escritor, do qual não possuo nenhum outro referencial que não seja essa única amostra da sua obra, está este, cujo título parece uma fórmula química ou senha informática, "T.T.V.". Hein diz:

"Põe em lugar fácil de ver
esta advertência misteriosa:
T.T.V.
Se a jornada é lenta e penosa,
se a escalada é fatigosa,
antes que teu desânimo se adense,
lembra-te: o Tempo Tudo Vence".

Isto sim é que é poesia, e não as baboseiras sem pé e nem cabeça que pseudopoetas procuram nos impingir, que não passam de palavras soltas, sem sentido, como murmúrios de um insano. O escritor dinamarquês, sem perder o lirismo, esbanja sabedoria, com uma simplicidade franciscana. Encanta e emociona exatamente por que é entendido. E é esse entendimento que sensibiliza e faz pensar.

Hein também faz concessão à ironia, neste poema "Em defesa da obscuridade", onde diz:

"Se não tens idéias ou as tens raras,
torna as tuas palavras pouco claras".

Não é o que fazem os pedantes e os pseudo-intelectuais? Forjam um "samba do crioulo doido" e causam espanto nos basbaques, que por pouco conhecerem, os endeusam, mesmo sem entender o que escreveram. O poeta dinamarquês oscila, do irônico, ao lírico, nos versos desta "Oração --- ao sol encoberto pelas nuvens":

"Ó sol de vida, sol fecundo,
brilha outra vez em todo o mundo!
Mas se é pedir demais, então
cobre de luz esta nação!
E se é pedir demais, enfim,
ao menos brilha sobre mim!".

O leitor amante da boa poesia, a esta altura, deve estar seguindo o mesmo itinerário sentimental que empreendi ao ler o desconhecido livro do mais desconhecido ainda Piet Hein: do espanto ao encantamento e deste à adoração. Para os que não completaram ainda essa trajetória, sugiro que leiam com atenção este poema "O Caminho da Sabedoria":

"A via da sabedoria,
a verdadeira via,
é fácil de indicar:
errar, errar, errar,
fazer erros grandes e pequenos,
mas sempre menos, sempre menos".

Para os mais empedernidos, que ainda assim, com as amostras que transcrevi, não se apaixonaram pela poesia deste "poeta que veio do frio", vai o "tiro de misericórdia". Vão os versos de "Uma máxima para Vikings":

"Eis aqui um fato, um bom motivo,
para você lutar enquanto vivo:
as coisas que não causam logo a morte
tornam você mais forte".

Piet Hein consegue mostrar, de maneira simples e direta, que a emoção, o lirismo e o emprego farto de metáforas, não excluem (e nem podem excluir), a inteligência. Pena que poucos tenham o privilégio de conhecer a sua poesia mágica e com "P" maiúsculo.

 
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