Pedro J. Bondaczuk
As grandes tragédias, com os horrores que trazem consigo, ensejam um fértil campo de estudos acerca da natureza humana, com os diversos tipos de comportamento em face dos fatos trágicos. A maioria, por exemplo, age conforme o padrão normal de conduta que se espera para tais situações: entra em pânico e procura salvar a própria vida.
Alguns, manifestam extrema covardia, buscando se prevalecer da vulnerabilidade dos outros, em próprio proveito. São os famosos saqueadores que, como autênticos urubus, farejam oportunidade de vantagens fáceis, com mínimos riscos. E uma parcela, infelizmente diminuta, esquece-se de si própria, abstrai-se dos próprios problemas e se dedica aos semelhantes. Desdobra-se em atividades em favor do maior número de pessoas que possa ajudar. É nesta classe que estão os heróis.
No terremoto de terça-feira, na região da Baía de San Francisco, estas três categorias também apareceram. Para nós, não interessa o comportamento doentio, embora possamos aprender muito acerca de como não devemos proceder com ele. Quanto às reações consideradas normais, por serem as da maioria, também os comentários são dispensáveis. Afinal, cada um de nós sabe como agiria em circunstâncias iguais a esta.
Convém ressaltar, isto sim, os atos de heroísmo. Um herói (já afirmamos isto em outras oportunidades e tivemos, inclusive, o capricho de demonstrar) é fruto exclusivo das circunstâncias. Externamente, ele não tem nada de especial. Age como qualquer um de nós e sequer precisa ser uma pessoa bem sucedida. Às vezes nem é.
No entanto, quando a ocasião se apresenta, sabe como agir. Não se deixa atemorizar por nada e nem segue os seus impulsos naturais de fuga. Toma as decisões corretas, na hora certa. Foi o que aconteceu com o médico de San Francisco, James Betts, na terça-feira, na tragédia da queda do elevado sobre a “Freeway Nimitz”, em Oakland.
Participando de uma equipe de salvamento, ele rastejou por entre os escombros, que o poderiam soterrar a qualquer momento, em busca de sobreviventes. Num carro, achatado como uma lata qualquer, encontrou quatro pessoas, duas adultas e duas crianças. As primeiras estavam mortas. Mas Júlio Berumen e sua irmã estavam vivos.
O garotinho tinha uma perna presa num banco e a outra esmagada por toneladas de concreto. Se ficasse ali, fatalmente morreria. Betts, no entanto, não parou muito para pensar. Para chegar às crianças, serrou o corpo de sua mãe. E, trabalhando deitado, prensado, apertado, sem luz, fez uma amputação perfeita no membro esmagado do menininho, salvando-lhe a vida.
Foi, convenhamos, uma cena de horror. Mas nela ressaltou o heroísmo de um homem, que certamente dentro de dias será esquecido. Afinal, este é o destino dos heróis de verdade: o anonimato, após breves instantes de glória, que se esvaem como fumaça...
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 21 de outubro de 1989).
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