Pedro J. Bondaczuk
O Mercado Comum Europeu ganhou, ontem, com a assinatura solene das ratificações dos ingressos de Espanha e Portugal no organismo, dois novos membros, tornando-se o maior bloco comercial do mundo e um eloqüente exemplo de cooperação regional, num planeta tão dividido por diferenças de toda sorte.
E os neófitos são, justamente, os países mais atrasados da Europa Ocidental, seja qual for o parâmetro que se tome para aferir o seu grau de desenvolvimento. Portugal, por exemplo, há muito tempo é conhecido como o “primo pobre” do Velho Continente, após permanecer por mais de 40 anos sob um regime ditatorial. A Espanha, posto que mais avançada do que a Grécia (admitida recentemente no MCE), está muitos furos abaixo dos seus demais pares, em termos de renda per capita anual.
O país (e não é por mera coincidência), a exemplo do ocorrido em Portugal, também esteve sob ditadura, a de Francisco Franco, por quatro longas décadas, que foram suficientes para que a sociedade espanhola parasse no tempo, enquanto as demais coirmãs da Europa Ocidental evoluíam.
Está mais do que demonstrado, portanto, que a falta de liberdade política acaba tolhendo toda a capacidade de iniciativa dos povos subjugados, paralisando suas representativas forças produtivas e trazendo atraso e subdesenvolvimento a todos.
A pior das democracias, com todas as imperfeições imagináveis, é, ainda, muitos furos superior à “melhor” das ditaduras. Não é por acaso que os povos mais atrasados da comunidade internacional, conhecidos como integrantes de um “Terceiro Mundo” , são, também, aqueles com períodos mais freqüentes e longos de regimes de exceção.
É o caso típico da América Latina, onde, na média, suas sociedades permaneceram, praticamente, metade da sua vida independente sob ditaduras. Pretextos para esses cíclicos fechamentos nunca faltaram e nem jamais faltarão.
No século passado, a desculpa mais usada era a tentativa dos países europeus de transformarem esses Estados recém-emancipados novamente em colônias. Com o advento da Revolução Bolchevique, na União Soviética, os pretextos mudaram. Principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da Guerra Fria entre as superpotências. As desculpas para as ditaduras passaram a ser o combate aos comunistas.
E de desculpa em desculpa, de golpe em golpe, a América Latina, inicialmente, estagnou. E, de uns dez anos para cá, entrou num processo ainda pior: o do retrocesso econômico e social, numa região onde as taxas de natalidade são explosivas.
Correndo atrás de revoluções salvadoras, acabamos nos tornando motivo de piedade, quando não de ironia, internacional. De uns tempos a esta parte, em virtude dos empréstimos desordenados e ingênuos, tomados no Exterior, passamos, até mesmo, a ser conhecidos como eméritos “caloteiros”, embora às custas da irremediável condenação à miséria de várias gerações, estejamos honrando nossos compromissos financeiros, tirando o pão da boca dos nossos filhos.
O que a América Latina precisa é estar atenta a esses exemplos históricos, ao invés de ficar culpando a nossa origem lusitana ou espanhola pelo nosso atraso, ou vendo fantasmas imperialistas em cada esquina. Temos que criar um organismo regional tão forte quanto o Mercado Comum Europeu e, sobretudo, aceitar o autêntico jogo democrático, com seus reveses e seus característicos problemas.
Na democracia, nem tudo é mar de rosas. Ao contrário, ela sobrevive exatamente da sábia e coerente gestão dos inúmeros conflitos existentes no interior da sociedade, ao invés de acabar com eles. E que, sobretudo, haja continuidade nesses regimes ditados pela vontade popular, para que possamos deixar a humilhante condição de escórias do mundo moderno. Esse será, ainda, um longo e penoso caminho a trilhar.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de 1985).
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