Friday, November 09, 2012

Sobre reputação

Pedro J. Bondaczuk

A reputação é algo que procuramos firmar – mesmo que de maneira não deliberada e não consciente – no meio em que vivemos, não importa se em nosso condomínio, em nossa rua, em nosso bairro ou, ampliando esse círculo, em nossa cidade, estado, país e....no mundo. Raríssimas personalidades atingem tamanha amplitude.

Trata-se, grosso modo, da opinião que os outros têm de nós. Nem sempre ela é justa e correta, é verdade, mas a correção depende só de nós, caso seja negativa. Como? Desmentindo, mas de maneira prática e concreta, com atitudes e com obras, o que se pensa de ruim a nosso respeito. Provando que o mau juízo (se for o caso), que eventualmente circule, é errado. E, em contraposição, demonstrando que o positivo seria o justo.

A expressão vem do latim “reputatione”. A enciclopédia eletrônica Wikipédia define-a assim: “é a opinião (ou, mais tecnicamente, uma avaliação social) do público em relação a uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma organização. Constitui-se num importante fator em muitos campos, tais como negócios, comunidades online ou status social”. Incluiria, nesse rol, a literatura.

A reputação é importantíssima, essencial para o escritor. Ele tem, como arma a seu favor, a qualidade e o conteúdo da sua produção literária. Caso sejam consistentes e de qualidade, não haverá detrator que consiga deslustrar seu prestígio. Todavia, se forem ruins (ou, no extremo, ridículos e caricatos), não haverá milagre de marketing que consiga consertar e reverter essa má reputação.

Daí não devermos nos preocupar com opiniões negativas de um ou outro crítico, se a da maioria nos for favorável. Nossa preocupação tem que se concentrar, exclusivamente, no que fizermos (no caso, escrevermos), para que não venhamos a derrapar e, dessa forma, mudar a imagem favorável que os outros tenham de nós e dar munição aos que não vejam com bons olhos nossas idéias, estilo e, por extensão, textos.

Thomaz Payne observou, a propósito (o que confirma, aliás, o que afirmei): “Um homem pode perder sua própria reputação escrevendo. Mas, se a tiver, não são os escritos dos outros que a podem fazer perdê-la”. Ou seja, só ele, o escritor, pode, através do que escrever, comprometer ou ampliar as boas opiniões a seu respeito. Não trato, aqui, de virtudes e de defeitos pessoais, ou seja, de ética e de moral, cuja análise daria todo um tratado.

Para você firmar reputação em sua atividade, na comunidade que integra (ou na de âmbito mais amplo), é imprescindível que seja conhecido. Sobre o anônimo, o obscuro, o desconhecido não há opiniões firmadas, nem negativas e muito menos positivas, por razões óbvias. Ou seja, dado seu “desconhecimento”. Neste caso, para o público, você simplesmente não “existe”. E nem poderia ser diferente. Daí ser fundamental ao escritor (e especifico essa função por ser o objeto de minha análise) divulgar ao máximo sua obra. Os néscios muitas vezes confundem esse empenho de divulgação, atribuindo-o, exclusivamente, à “vaidade”. Mesmo que haja esse fator em jogo (e raramente não há, levando em conta a natureza humana), ele não pode e não deve ser prioritário ou prevalente. E muito menos exclusivo.

Cabe-nos adotar a “estratégia da galinha”. Essa ave é a propagandista por excelência do mundo animal. Sempre que bota, apregoa, aos quatro ventos, o seu feito, num alarido infernal. O escritor que busca firmar reputação precisa fazer o mesmo em relação aos seus livros, ou mesmo a textos esparsos. Afinal, se o leitor não conhecê-los, se não souber que existem, como poderá adquiri-los? Como poderá lê-los, avaliá-los e assim fazer um julgamento do seu conteúdo e estilo? Não poderá! Vigora, no caso, a máxima de que “quem não divulga, se esconde”.

Essa necessidade imperiosa e vital de divulgação multiplica, todavia, e exponencialmente, a responsabilidade do escritor. Compete-lhe, antes e acima de tudo, ter a certeza de que o que escreveu é, de fato, o melhor que poderia produzir, a salvo de reparos e de críticas. Objetivamente, alguém consegue, em sã consciência, ter essa convicção? Acredito que não.

O máximo de certeza que podemos ter é a de termos feito o melhor (claro, se agirmos assim). O mais é uma imensa e potencialmente letal roleta-russa. Todo texto, por menor e mais simples que seja, pela própria natureza (por sua “permanência” e por nunca sabermos em que mãos e quando irá parar), requer um rigor qualitativo extremo. Porquanto remeto-me, de novo, à afirmação de Payne, Se tivermos reputação de bons redatores, nenhuma avaliação negativa alheia poderá deslustrá-la. Nós, todavia, poderemos destruí-la de uma só penada, por preguiça, distração, desleixo ou arrogância

Nesse contexto, a vaidade, principalmente quando reforçada por uma estúpida e arrogante auto-suficiência, pode comprometer, num único texto desleixado – em que não tenhamos a humildade de revisar, ou de dar para alguém fazê-lo antes da divulgação – nossa reputação. Se nossa intenção for a de exibir aos outros nossa “importância” e não a de elaborar uma obra consistente e bem feita, sem esse tipo de preocupação, esse arroubo irresponsável pode nos custar caro, muito caro. Pode ser nossa perdição. Não raro é.

Na minha concepção (e posso estar errado, claro), a postura correta que devemos assumir é a de, sempre que formos redigir algum texto (e no caso refiro-me, especificamente, ao literário), devemos fazê-lo tendo em mente o objetivo de torná-lo nossa obra-prima, não importa quantos outros já tenhamos redigido ou quantos venhamos ainda a produzir. Para isso, é prudente, antes de tudo, pesquisar o tema a ser abordado o máximo que pudermos. Só assim “talvez” tenhamos a certeza de não deixar escapar nenhum erro conceitual, nenhum disparate, nenhuma bobagem por mínima que seja.

O passo seguinte é redigi-lo com rigorosa concentração, atentando a cada palavra, cada detalhe, cada expressão, tendo em mente não uma eventual exibição de erudição (que não interessa a ninguém), mas a clareza e a objetividade do que redigirmos e em linguagem simples e correta, sem nada de dúbio ou de ambíguo. Completado o texto, não se pode descuidar da etapa mais importante: a da revisão. E nela, temos que ser precisos, exatos, “cirúrgicos”, como o mais apto e competente dos cirurgiões: “amputando”, sem dó e nem piedade, o que estiver a mais; refazendo trechos no sentido de torná-los mais claros e objetivos, cortando, acrescentando, modificando, enfim, mexendo em tudo o que deva ser mexido.

A propósito do verbo “mexer”, tive, dia desses, uma experiência traumatizante com ele, que pode (ou não) até comprometer minha reputação. Grafei a palavra de forma incorreta (uma traição do subconsciente) e não fui cuidadoso e responsável o suficiente na revisão para perceber a comprometedora gafe. Tive, por isso, o desprazer de divulgar o texto com o tempo do verbo mexer (no caso, “mexido”) grafado com “ch”!!! Esse descuido serviu-me de lição para ser mais criterioso (e rigoroso) em relação ao que redijo.

Mesmo tomando todos os cuidados que mencionei e que o texto que redigirmos com a idéia de que poderia ser nossa obra-prima de fato mereça ser, nunca saberemos se de fato será. Isso foge, por completo, da nossa alçada. Esse tipo de julgamento não é (e nunca será) da nossa competência. É de quem, então? Deixo a resposta por conta de Lima Barreto, que escreveu: “ Quem faz as obras-primas não somos nós os autores e nem os críticos, nem os amigos dos autores: são os leitores e, sobretudo, o tempo”.

 
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