Pedro J. Bondaczuk
O enorme fosso que separa os países ricos (pouco mais de duas dezenas) dos pobres (bem mais de uma centena) se acentuou nos últimos anos, ora com mais intensidade, ora com menos. Tal constatação não consta de nenhum panfleto esquerdista e nem é a retórica de nenhum político socialista, embora até pudesse ser. É a conclusão do organismo mais confiável que existe no mundo capitalista: o Fundo Monetário Internacional, em sucessivos relatórios que emite periodicamente.
O que faltou o FMI dizer até aqui foi que boa parte dessa concentração de riquezas em poucas mãos se deveu ao atual sistema econômico internacional, criado no pós-guerra que, ora sutilmente, ora ostensivamente, aumenta, a cada dia que passa, a dependência do chamado Terceiro Mundo e corta, pela raiz, suas esperanças de reverter um dia essa situação, a despeito da crise econômica que afeta os países industrializados, reitero.
É verdade que algumas sociedades nacionais, e bastante populosas, como China e Índia (detentoras do maior contingente humano do Planeta), o Brasil (que tem a quinta maior população), além da Rússia pós-União Soviética, se não chegam a ameaçar (ainda) diretamente essa hegemonia, vêm dando largos passos nessa direção. São os chamados “países emergentes”, que como a própria designação eufemística sugere, “emergem” do abismo da miséria para a luz de acelerado e contínuo desenvolvimento. Oxalá ele perdure e se acentue, mas com equitativa distribuição de renda.
Todavia, apesar disso, de uma forma ou de outra, dois terços da população mundial estão condenados a passar toda uma vida trabalhando para que o um terço restante esbanje. Trocando em miúdos, são praticamente cinco bilhões de pessoas que estão nessa situação. É muita gente, vocês não acham?! É óbvio que sim. Pior é que boa parte dos recursos econômicos totais gerados é investida, cada vez mais, em sofisticados e inúteis armamentos, que contêm, em seu âmago, apenas o princípio da destruição de tudo o que já foi feito, desde os tempos imemoriais das cavernas até estes dias confusos (e compreensivelmente violentos), em que todas as escalas de valores começam a ser paulatinamente subvertidas e substituídas por um hedonismo, vedado à maioria esmagadora da humanidade, e a um consumismo perdulário, que só tem redundado no acelerado desperdício dos já escassos recursos naturais terrestres.
Em outras palavras, o que a natureza levou milhões de anos para formar (petróleo, carvão e outros recursos energéticos e mat´rias-primas essenciais) e que, se usado com critério e racionalidade, poderia fazer do Planeta um paraíso, está sendo consumido, sem justiça e nem juízo, por uma minoria privilegiada, num espaço de tempo curtíssimo, de, praticamente, quatro gerações. O que poderia (e deveria) ser o patrimônio comum de toda a espécie inteligente da Terra, está indo parar nas mãos de meia dúzia de espertalhões, que detém o poder de fato, não por direito, mas por “esperteza” e pela força. Pelo sistema vigente, não há como escapar desse determinismo.
Esses povos privilegiados, que há apenas pouco mais de um século conviviam com fome, pestes, miséria, quando não com insensíveis e sanguinários tiranos, descobriram um meio fácil de enriquecer e de satisfazer fantasias hedonísticas (inclusive imorais, doentias e asquerosas, como a corrupção de meninas dos países pobres, prostituídas no repudiado, mas florescente “turismo sexual”). Ou seja, fazendo com que populações em estágios supostamente inferiores de civilização trabalhem para eles, satisfaçam suas fantasias e até as suas taras..
Primeiro, foi através dessa imoralidade, chamada pelos historiadores de “colonialismo”, iniciada quando das primeiras navegações e consolidada há pouco mais de 110 anos, com o indecente “Tratado de Berlim”. A pretexto de conduzir “povos pagãos às benesses do cristianismo”, as potências da época partilharam o continente africano, espezinhando nações inteiras, que já antes vinham pagando intolerável preço pelo seu modo de viver, tendo seus filhos escravizados e considerados como coisas, máquinas ou meros “animais de carga”. Agora, a tática é mais sutil, mas nem por isso menos indigna (e maligna).
Durante duas décadas, as potências ocidentais – notadamente os Estados Unidos – estimularam o surgimento de ditaduras títeres (inclusive em quase toda a América Latina, o Brasil no meio), a pretexto de livrar as sociedades tidas como atrasadas do comunismo (antes, era para que se vissem livres do paganismo). Manejando, habilmente, os cordões, as potências ocidentais levaram esses governos ilegítimos – que assumiram o poder à força, à revelia dos respectivos povos e praticaram inomináveis atrocidades (como torturas, prisões ilegais e genocídios) – a assumirem compromissos imensos, endividando seus miseráveis países até a alma. E as dívidas foram de tal monta, que qualquer leigo perceberia, por mais tolo e desinformado que fosse, com facilidade, que eram impossíveis de serem pagas. De quebra, esses espertos credores ficaram com a prerrogativa de determinar os juros que queriam receber, caracterizando cruel e vergonhosa usura, que em algumas partes perdura até hoje.
Não é de se estranhar, pois, que o Fundo Monetário Internacional faça a constatação do aumento da miséria no Terceiro Mundo. Ou seja, que detecte que os países ricos enriquecem cada vez mais, às custas desses povos miseráveis, apesar e a despeito da atual e de outras crises econômicas.. Surpreendente, aliás, seria se o resultado não fosse esse. Afinal, o FMI é o braço das potências em todo esse processo imoral.
A mais elementar das lógicas, porém, indica que situações, como essa, são impossíveis de se perpetuar. Perduram duas, três, cinco, dez gerações até, mas jamais para sempre. A força tem se mostrado impotente e inútil para debelar e controlar o desespero. Notadamente, quando este atinge o auge, o que parece estar prestes a ocorrer. Afinal, Spartacus, há dois milênios, provou que o fraco, quando não tem mais nada a perder, é páreo, sim, para qualquer potência, por imbatível que esta pareça. A história registra que esse ex-gladiador, à frente de dezenas de milhares de escravos, chegou a colocar a poderosíssima Roma, rainha dos povos, em xeque, de joelhos, por pelo menos dois anos, movidos, apenas, pela força do desespero!
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