Pedro J. Bondaczuk
A fome grassa por todo o Planeta (embora muitos neguem e outros tantos busquem justificar a ocorrência, culpando os famintos por sua “inércia” e falta de iniciativa), enquanto a agricultura dos países desenvolvidos e com acesso à alta tecnologia segue batendo recordes e mais recordes de produção. O que os deserdados, os miseráveis e subnutridos, que hoje se contam aos bilhões, querem não é caridade, em especial a do mundo capitalista, que dá com uma mão e tira com as duas. Esse contingente de famintos, de ofendidos e de humilhados deseja, apenas, a oportunidade de acesso a melhores técnicas de produção, para que possa arrancar o sustento dignamente, com o próprio trabalho.
Pretende, tão somente, que alguém o ajude a ultrapassar o fosso, hoje intransponível, entre dois mundos díspares. Quer não que os (cada vez mais raros) indivíduos e instituições generosos, solidários e conscientes lhe dê o peixe (às vezes estragado), mas que o ensine a pescar. Deseja o acesso à água potável – crescentemente escassa – e às técnicas de irrigação, mesmo que as mais primárias, para garantir colheitas se não fartas, pelo menos suficientes para o sustento, em suas pífias lavouras.
A distância existente entre os povos desenvolvidos e os chamados (eufemisticamente) de “em vias de desenvolvimento” é escandalosa, tão grande, que até parece que estes últimos constituem uma “subespécie”. O professor de Biologia do Instituto de Tecnologia da Califórnia, James Bonner, disse a propósito: “Se não se tomar cuidado, chegará o dia em que os habitantes dos países ricos começarão a encarar os habitantes dos países pobres como representantes de outra espécie, encontrando uma racionalização qualquer para se livrarem deles”.
E parece que esse tempo já está chegando. E isso em pleno século XXI, a era da comunicação total, sob as vistas complacentes (covardes?) da grande imprensa, que ignora, olimpicamente, essa realidade e opta por centrar seu foco em briguinhas paroquiais de políticos cínicos e corruptos e em fofocas de comadres, em detrimento da realidade nua e crua. Todos esses fatos dramáticos e dolorosos, de miséria e de exclusão, com os quais nos deparamos diariamente, são sintomas de um grande conflito, que fatalmente vai acontecer algum dia (e nem é necessário ser futurólogo para prever sua ocorrência) e que nada terá a ver com questões nacionais ou ideológicas. Esse confronto poderá ser decisivo para a própria continuidade de existência da espécie.
Há, sim, quem se preocupe com o próximo e dedique a vida às pesquisas, objetivando (utopicamente) acabar com a fome e com as injustiças sociais. E existem, também, os que não têm consciência do que os cerca, como bichos que defendem, instintivamente, suas presas, sem quaisquer considerações quanto à quantidade ou à necessidade que têm. O historiador britânico, Arnold Toynbee, analisou muito bem essa contradição.
Entrevistado em um programa Globo Repórter Especial, levado ao ar em 1º de janeiro de 1974, sentenciou: “O homem poderá descobrir uma saída desta armadilha de violência em que caiu com uma mudança no seu coração, mas só através do que eu chamaria de uma revolução religiosa, no verdadeiro sentido da palavra. Só desistindo dos objetivos da revolução industrial, que começou na Grã-Bretanha, e trocando-os pelos de São Francisco de Assis, que foram estabelecidos, há setecentos anos, na Itália”.
E o ilustre historiador – autor, entre outros livros, de “Um Estudo da História”, em 12 volumes, em que tratou da ascensão e queda da civilização ocidental – explicou, na sequência: “Há uma coisa, hoje, na América, chamada de boa vida, o que significa uma existência material luxuosa, comodista, opulenta. Isto é o que São Francisco recusou, porque ele temia pelo Ocidente com grande antevisão. Este era um dos ideais do seu pai, que foi um dos primeiros atacadistas de roupas e fez uma fortuna. Nós precisamos voltar a São Francisco. E isso será extremamente difícil para o mundo ocidental contemporâneo e para os ocidentalizados, como os soviéticos (ainda existia a URSS) e japoneses, porque nós estamos no extremo oposto. É por isso que imagino que a transição será extremamente dolorosa. E nós nem sabemos se seremos capazes de conseguir isto, sem que haja um desastre completo”.
Temo, fundamentado exclusivamente na realidade e no comportamento cada vez mais alienado dos que têm acesso a essa “boa vida”, citada por Arnold Toynbee, que não seremos competentes para evitar essa catástrofe anunciada. Qual é o maior problema atual nos países desenvolvidos, que se constitui até mesmo em questão quase prioritária de saúde pública? É a obesidade. Trocando em miúdos – e abstraindo causas, digamos, genéticas ou desequilíbrios hormonais – pode-se afirmar que é o excesso de comida.
Esse quê a mais (e que é “muito mais”) que essas pessoas consomem, a ponto de comprometerem, seriamente, sua saúde, é justamente a parte que falta aos famintos. Diz a mais elementar das lógicas que uma partilha equânime, generosa e inteligente desses alimentos seria altamente benéfica às duas partes. Não haveria mais famintos (e quem passou fome alguma vez na vida sabe o quanto isso é terrível) e nem pessoas carregando excesso de peso que não deveriam e não precisariam carregar. Em suma, o problema do Primeiro Mundo é o egoísmo, é a ganância, é a gula, é a glutonaria, é o que a minha avó chamaria de “esganamento”. É de tudo isso o que essa faixa da população mundial pode (e deve) ser chamada, sem que haja qualquer exagero ou hostilidade na denominação: de egoísta, gananciosa, gulosa, glutã e esganada. É isso e muito mais!!!
Da minha parte, nutro, ainda, frágil e remota esperança de que, um dia, poderei confiar no homem. Gerações, certamente, vão se suceder, até que se promova essa “revolução de consciência” que se impõe e que me parece ainda muito distante e, por enquanto, utópica. Injustiças, violências, contradições e mortes inúteis e desnecessárias deverão ocorrer ainda em grande profusão, infelizmente. E não se trata de catastrofismo, mas de puríssima realidade.
Tudo o que o ser humano aprendeu, em termos de comportamento, foi mediante processos traumáticos. Dos traumas, erros e acertos, porém, é que nasceram as civilizações. Mas há quem pense como Horace Mann, que dizia: “Tenho vergonha de morrer enquanto não tiver conquistado alguma vitória para a humanidade”. Portanto, ainda há esperanças... Isto, claro, desde que milhões e milhões de pessoas venham a pensar dessa maneira e, sobretudo, a agir positivamente.
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