Pedro J. Bondaczuk
A vida de Edgar Allan Poe foi dramática e sofrida, muito em decorrência de circunstâncias que fugiram ao seu controle, mas, em grande parte, também, por causa de suas ações no mínimo desajuizadas. Seus erros, vícios e defeitos pessoais, porém, não tiram o mérito da sua obra. Muito pelo contrário. Esse fascinante homem de letras tinha tudo para fracassar (e em termos pessoais, de fato, fracassou), mas seu talento era tão grande, que não houve como não deixar seu nome registrado, e para sempre, na história da literatura norte-americana e mundial.
Suas desventuras começaram cedo, muito cedo, quando recém havia completado um ano de idade. Edgar Allan Poe nasceu na cidade de Boston, Estado de Massachusetts, em 19 de janeiro de 1809. Era filho do ator Daniel Poe Junior – sujeito de quem o mínimo que se pode dizer é que era irresponsável – e da atriz Elizabeth Arnold Hopkins Poe. Quando mal havia completado o primeiro aniversário, o pai abandonou a família, deixando a esposa grávida de Rosalie, a irmã do escritor. Para complicar ainda mais sua situação, a mãe morreu durante o parto, deixando-o órfão, quando mal sabia sequer falar. A providência, porém, veio em seu socorro.
Edgar foi adotado por Francis Allan (daí haver incorporado esse prenome ao seu nome, anos depois) e o seu marido John Allan, próspero mercador de tabaco de Richmond, Estado da Virgínia, que, no entanto, embora o tenha criado como filho, nunca o adotou formalmente, de papel passado. Do pai biológico... nunca mais se soube notícia. Simplesmente, sumiu no mundo.
Há quem atribua a rebeldia do jovem Edgar à revolta contra seu insensível genitor. Faz sentido. Contudo, o rapaz não passou jamais por qualquer espécie de privação, quer na infância, quer na juventude. Teve todo o amparo do seu tutor, que nunca deixou lhe faltar absolutamrnte nada. Pelo que depreendi das biografias do escritor que li, na mocidade, ele não foi nem mesmo tão diferente dos adolescentes de hoje. Tinha temperamento difícil, é verdade, mas não era um sujeito maldoso. E, a seu favor, tinha inegável talento para as letras, que revelou precocemente.
Talvez tenha faltado ao jovem Edgar (o que é muito provável) o pulso firme de um pai disciplinador. Seus pais adotivos satisfaziam todos seus caprichos e vontades sem lhe impor nenhuma espécie de limite e faziam vistas grossas aos seus “pecadilhos”, o que, convenhamos, nunca é bom para a formação de um homem responsável. Em contrapartida, o rapaz foi educado em bons colégios, inclusive da Inglaterra, tendo estudado na Escócia, onde a educação era mais rígida do que nos Estados Unidos, quando o casal Allan resolveu passar uma temporada na Europa. O rapaz, porém, encontrava imensa dificuldade em se adaptar aos rígidos padrões disciplinares britânicos.
Foram inúmeras as ocasiões em que Edgar foi punido por violar as normas da escola. Não eram infrações, digamos, “sérias”, longe disso. Eram coisas de rapaz, nada diferentes do que os moços de sua idade fazem hoje em dia. Ocorre que a disciplina das escolas britânicas era conhecida por sua extrema rigidez (que descambava para o exagero), por ser dura e implacável. As mínimas violações das normas intermas eram severamente punidas, não raro com castigos físicos. E isso, em vez de corrigir o jovem, tornava-o ainda mais rebelde e mais infeliz.
Pequeno, franzino e frágil, desde muito cedo Edgar revelou forte propensão para surtos depressivos, o que era agravado pela severidade dos seus mestres. O rapaz era, sobretudo, talvez até por temperamento, emérito contestador de todo o tipo de autoridade, fato que iria lhe trazer, claro, inúmeras complicações, e não somente na juventude, mas por toda a sua vida, que aliás não foi muito longa. O escritor morreu relativamente jovem, aos 40 anos de idade, em Baltimore, Estado de Maryland – onde passou os piores momentos de sua curta existência – em 7 de outubro de 1849.
Sua morte foi tão misteriosa (e o mistério foi a matéria-prima preferencial de sua magnífica obra literária), que merece capítulo a parte nestas minhas descompromissadas considerações. Até hoje, desconhecem-se as verdadeiras causas dela e ainda há, passados tantos anos, acesos debates acadêmicos a esse propósito. Mas, voltando a tratar da juventude do escritor, é necessário ressaltar que ele foi tantas vezes advertido pela direção da escola escocesa em que estudava, que esteve na iminência de ser expulso. Só não foi porque seus tutores resolveram regressar aos Estados Unidos.
De volta ao seu país, Edgar foi matriculado na Universidade de Virgínia. Ali, óbvio, a disciplina não era tão rígida. Todavia o rapaz não mostrava o mínimo interesse pelos estudos, embora se revelasse inteligente, perspicaz e talentoso. Não aspirava colar nenhuma espécie de grau e sequer lhe passava, mesmo que remotamente, em se tornar cidadão comum, convencional, “homem bem sucedido” em alguma profissão, qualquer que fosse, conforme o padrão da época.
Às maçantes e cansativas horas de aulas diárias, preferia a alegria artificial das esfumaçadas tavernas. Às lições de Matemática ou Geografia, achava mais fascinantes e atrativas as figuras de um baralho, nas intermináveis noitadas de carteado, com malandros e rufiões, das quais voltava, invariavelmente, carregado pelos amigos, por estar tão bêbado a ponto de não conseguir parar de pé. O jovem Edgar era incorrigível boêmio, um problema (e dos maiores) para a família que tão generosamente o acolheu e que jurou fazer dele um “homem de bem”.
Ao ler (e transcrever) estas anotações, fico me perguntando: como um sujeito tão irresponsável e indisciplinado pôde se transformar num escritor, atividade que exige rigorosa e constante autodisciplina? E não somente isso. Como esse sujeito se tornou pioneiro das letras, criador de dois gêneros literários e um dos grandes poetas da sua geração?
Só consigo concluir que seu talento era tão grande, tão singular e tão excepcional, que sobrepujou todos seus hediondos fantasmas e legiões de seus demônios interiores que, até o fim da vida, tentou afogar (em vão) em tonéis e mais tonéis de álcool, o levando a driblar circunstâncias adversas e a simplesmente ignorar os obstáculos. . Oportunamente, trarei à baila como tudo começou. Mas... só depois de abordar outros tantos tropeços, erros, maluquices e contradições desse gênio atormentado e nem um pouco exemplar.
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