Pedro J. Bondaczuk
O poeta Mauro Sampaio, mais conhecido em âmbito restrito, regional, embora merecesse, pela qualidade da suas obra divulgação mais ampla, brindou seus fieis leitores – os que, como eu, tiveram o privilégio de conhecer sua poesia – com pelo menos oito livros. Tenho-os todos, que já li e reli (alguns por várias vezes), entre os quais destaco o que, provavelmente, foi o último que publicou, creio que uns dois anos antes da sua morte. Trata-se de "No Silêncio do Espelho", bem cuidada edição particular, que mantém a unidade formal, a coerência temática e, sobretudo, o estilo límpido e inteligente que o caracterizou.
São versos curtos, diria "minimalistas", entre os quais várias elegias, de extrema profundidade e lirismo, que cumprem, sem dúvida, o que o gaúcho Carlos Nejar –ilustre membro da Academia Brasileira de Letras – (com muita propriedade), afirma que deve ser a principal característica do bom poeta: "inventar as leis do próprio verso, ouvindo a voz do poema dentro de si".
E Mauro Sampaio fez isso, com sua reconhecida maestria, e com a coerência que sempre caracterizou sua atuação nesse gênero literário tão complexo e seletivo em que, de uns tempos para cá, escasseiam bons autores. O mestre, como sempre, agrada, encanta, desperta paixões, induz a reflexões e nos conduz pela mão, sem que sequer nos apercebamos, a um mundo novo, encantado e mágico, onde até os sofrimentos ganham estranha dimensão de beleza. Ouviu, pois, a voz do poema dentro de si.
Esse livro, que veio se juntar a "Inspiração Estranha", "Canto a Três Vozes" (com os poetas B. Sampaio, seu pai, e Quinita de Melo Serrano, sua irmã), "Versos", "Íntimas Imagens", "Poemas para Meditar", "Albas e Serenas" e "O Avesso da Memória", foi lançado há uns quinze anos, oportunidade em que mereceu ampla cobertura da imprensa da cidade, inclusive (é óbvio) minha. Como os volumes anteriores, este também se constituiu em inegável (e merecido) sucesso de crítica, por suas evidentes e destacáveis qualidades, tanto formais, quanto temáticas. Pena que a abrangência tenha sido tão restrita, apenas regional e não nacional, como a obra merecia. Naquela época, a internet estava apenas “engatinhando” no Brasil e poucas pessoas tinham acesso a ela, dificultando, e muito, a divulgação..
Sou um tanto suspeito para tecer considerações sobre a sólida obra de Mauro Sampaio, tanto pelos profundos laços de amizade e mútua simpatia que nos uniam (e ainda unem, posto que sem a sua presença física) quanto pela irrestrita admiração que sempre tive e certamente terei pelo seu mágico talento. Meu ímpeto é o de reproduzir poema por poema, estrofe por estrofe, verso por verso, deste magnífico "No Silêncio do Espelho", para compartilhar com os leitores da alegria, do lirismo e do encantamento de que me sinto possuído ao ler suas páginas de sonho. Aos poucos, certamente farei isso.
Sua poesia atraente e elegante encaixa-se, com perfeição, na definição desse gênero literário, feita há mais de cento e cinqüenta anos pelo consagrado poeta britânico do século retrasado, Peter Wordsworth, clássico da literatura universal, notadamente a de língua inglesa: "é o transbordamento espontâneo de sentimentos poderosos". Não posso (e nem devo), contudo, me deixar levar por esse justificável e generoso impulso, pois essa reprodução literal tornaria desnecessária a aquisição do seu livro, que recomendo entusiasticamente a todos os amantes da boa poesia.
Ainda assim, não posso deixar de citar alguns poemas impressionantes, pela forma e pelo conteúdo simultaneamente, como, por exemplo, o que se intitula "No Espelho" e que diz:
"Todos os dias encontro,
no silêncio do meu espelho,
um recado que não quero".
Ou como "Alegoria":
"Minha alma
é uma cadeira de balanço,
que vai parando, vai parando devagar".
Ou então como este "Reflexo":
"Espelho meu!
Não disfarces o homem que vai comigo.
Reflete
não o meu semblante,
mas a minha eternidade".
São poemas aparentemente simples, mas que escondem mensagens bastante profundas. Induzem à reflexão.
Mas as citações não param por aí. Não poderia deixar de mencionar, por exemplo, o poema intitulado "Aspiração":
"Vida! Como seria bom
fincar meus joelhos na terra
e contemplar-te
com os olhos do menino
que um dia fugiu de mim".
Ou este "Revelação":
"O que me assusta
é que este rosto que veio comigo
não é meu íntimo!".
Ou "Retrato":
"Meu pai foi fazendeiro.
No seu quintal de vinte palmos,
plantou roseiras, e dálias e lírios.
Cultivou orquídeas.
Criou galinhas, abelhas e cabras.
E colheu ovos,
leite e mel,
rosas e orquídeas.
E... colheu sonhos.
E colheu versos".
Quem quiser mais (e estou certo que todos os meus leitores querem), adquira "No Silêncio do Espelho". Creio que vocês encontrarão essa obra bela e já um tanto rara em algum bom sebo. Vale a pena o esforço, eu lhes asseguro.
Trata-se de esplêndida coletânea de poemas, com a forma de "poetar" de Mauro Sampaio, classificada pelo consagrado escritor Hernani Donato como "harmoniosa sinergia entre forma e fundo. Há coração, espírito, ditando a sua poesia. E humanidade". E maestria, eu acrescentaria sem titubear. E talento! E vivência! E amor pelo próximo e pela vida! Pois, como acentua Marcello Rollemberg, "tudo cabe no fogo das paixões". Claro, desde que manuseado por um poeta com "P" maiúsculo, como foi, é e sempre será esse saudoso amigo e irmão.
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