Pedro J. Bondaczuk
A Bolívia, a apenas cinco dias das eleições presidenciais, marcadas para este domingo, para escolher o sucessor de Hernan Siles Zuazo, permanece na mais completa confusão. Ninguém pode assegurar, com certeza, se a votação vai, de fato, acontecer. Acusações, de todas as partes envolvidas na disputa, sucedem-se, assim como greves, ameaças de greves, ocupações de empresas e até promessas de bloqueios de estradas por parte dos camponeses, alijados do processo eleitoral.
Na verdade, as eleições, antecipadas em um ano, foram anunciadas em fins de 1984, pelo atribulado presidente Zuazo, figura que, não fora a sua importância política para a Bolívia, ainda assim ficaria indelevelmente marcada na história do seu país por ter sido protagonista de incidentes, no mínimo pitorescos.
Por exemplo, é o único governante em exercício, pelo menos que se tenha notícias, que foi vítima de um surrealista seqüestro, ocorrido em 30 de junho do ano passado. Para tentar obter um certo consenso entre seus pares no Congresso, o presidente protagonizou uma comentadíssima greve de fome, que, afinal, acabou não dando em nada, a não ser o fato de ter engordado, por um par de dias, o noticiário dos meios de comunicação.
Para culminar com suas tentativas de conseguir estabelecer um mínimo de ordem, que possibilitasse a tomada de determinadas providências saneadoras, visando a conter uma desordenada hiperinflação, que ameaça atingir a casa dos 15.000% anuais, Zuazo anunciou estas eleições presidenciais antecipadas.
A princípio ficou a impressão, ao observador, que o seu objetivo era, apenas, o de mobilizar suas próprias bases políticas, aquelas que lhe possibilitaram ser eleito por duas vezes sucessivas (em ambas foi impedido de assumir), ultimamente pulverizadas em uma infinidade de correntes, grupos, facções e segmentos. Se essa era a sua pretensão, convenhamos, não teve sucesso. O presidente continua tão sem respaldo como há um ano.
No início deste 1985, eram freqüentes as suas vindas a público, para reiterar a realização das eleições. Mas providências práticas, para a sua convocação, não eram nunca tomadas, sendo, seguidamente, proteladas, como se Zuiazo dispusesse de todo o tempo do mundo. É evidente que não dispunha.
Mesmo quando as candidaturas começaram a ganhar as ruas, a maioria dos bolivianos mostrava um estranho ceticismo quanto à efetiva realização da votação. Muitos preferiram apostar em um adiamento. Deram-se mal, como se vê, pelo menos até aqui (embora a ida às urnas ainda corra riscos concretos de adiamento).
Se realmente as eleições ocorrerem neste domingo, os camponeses bolivianos serão os grandes prejudicados. É que na Bolívia, os eleitores têm que se qualificar a cada novo pleito que ocorrer. E em muita localidade rural, vários moradores deixaram de ser inscritos, pasmem, por falta de livros de registros de eleitores!
Quem sai perdendo com essa redução do eleitorado? Fatalmente, são os partidos de esquerda, que têm, no voto dos camponeses, o seu grande trunfo. Dos dois candidatos com chances reais de vitória, certamente é Victor Paz Estenssoro quem mais se prejudica, embora esteja já muito distante no tempo sua pregação populista. Hoje, seu discurso é quase que tão conservador como o do seu oponente de direita, o general Hugo Banzer.
Aliás, o candidato direitista, da Aliança Democrática, deverá ser o grande favorecido com a eventual manutenção das eleições para este domingo. Seus eleitores concentram-se, quase que na totalidade, nas três maiores cidades bolivianas: La Paz, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra. Ou seja, exatamente nas localidades em que um maior número de eleitores conseguiu fazer, em tempo hábil, suas inscrições para votar.
O fato é que, a cinco dias desse momento tão importante na vida democrática de um país, que é o da escolha de um presidente da República, tudo é uma enorme incerteza na Bolívia. As eleições serão adiadas, atendendo às exigências dos camponeses e até do candidato de Zuazo? Serão mantidas, para acalmar algumas inquietações castrenses, que, sutilmente, começam a se manifestar? Ninguém sabe! Paradoxalmente, apenas uma coisa é certa no quadro boliviano de hoje: tudo é uma imensa incerteza.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 9 de julho de 1985).
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