Monday, November 05, 2012

Fluxo de consciência

Pedro J. Bondaczuk

Você já ouviu falar em “fluxo de consciência”? Provavelmente, sim. Principalmente se estudou, ou se tem noção mesmo que elementar, de Psicologia. Ou se é conhecedor de teoria literária. Convenhamos, não se trata de expressão comum, corriqueira, digamos, popular, que seja frequentemente citada. Aliás, li raríssimas citações a propósito.

A enciclopédia eletrônica Wikipédia, à qual recorro mais uma vez, no afã de esclarecer – não para mim, que conheço há muito essa técnica – para o leitor no que consiste essa forma de escrever, me informa (e isso sim, para mim, é novidade), que quem cunhou o termo foi o filósofo e psicólogo William James, ao qual já recorri em várias ocasiões para esclarecer determinados assuntos.

Mas não é, especificamente, no contexto da Psicologia que trago à baila o tal do “fluxo da consciência”. É no da disciplina à qual este espaço é voltado, foco do meu interesse e do da imensa maioria dos que me acompanham diariamente, ou seja, a Literatura. Alguns escritores, inspirados em William James, apropriaram-se desse método e transformaram-no em importante técnica literária.

O primeiro a testá-la foi Edouard Dujardin. Ah, caríssimo leitor, você não o conhece? Deveria! Afinal, os pioneiros, seja em que campo de atividade for, até por questão de justiça, merecem ser e têm que ser reconhecidos. Vamos, pois, à sua ligeira apresentação (para os que não o conhecem, óbvio).

Edouard Dujardin (como, aliás, o nome sugere) foi um escritor francês, nascido em 10 de novembro de 1861 e que morreu em 31 de outubro de 1949. A melhor forma de conhecê-lo é ler algum de seus livros. E há um deles, lançado não faz muito no Brasil, intitulado “Os loureiros estão cortados”, publicação da editora Brejo, com tradução de Hilda Pedrollo. Vale a pena conferir.

Mas, voltando ao tal do “fluxo de consciência”, compete-me informá-lo, caríssimo leitor, que Dujardin não foi o único a utilizar essa técnica literária, que ele tão bem adaptou da Psicologia. Outros escritores consagrados, tidos e havidos como mestres da ficção, igualmente se valeram desse recurso. Querem saber qual foi um deles? Foi Marcel Proust, autor dos doze volumes da magnífica obra que é o “Recherches du temps perdu”, ou seja, “Em busca do tempo perdido”. Querem outra estrela da literatura que fez o mesmo? A rebelde Virgínia Woolf, criadora, entre outros tantos personagens insólitos, de “Orlando”, o tal que ora era homem, ora mulher, também embarcou nessa experiência e, obviamente, se deu bem.

Os utilizadores dessa técnica não se restringem aos três autores que citei. Nomes como James Joyce (notadamente no seu “Ulysses”), Samuel Becket (o autor de “Esperando Godot”) e os norte-americanos William Faulkner e John dos Passos, entre tantos e tantos outros, também recorreram ao fluxo de consciência. Trazendo o assunto para o plano doméstico, é forçoso citar os escritores Autran Dourado, Hilda Hilst, Guimarães Rosa e Clarice Lispector como seus principais (mas não únicos) utilizadores.

Muito bem, embora estas reflexões não se proponham a ser nenhuma aula de literatura online, em respeito a você, caríssimo leitor, proponho-me a ser o mais didático possível, para não deixá-lo no ar. Cabe, pois, explicar no que consiste essa técnica. Para tanto, valho-me, mais uma vez, da Wikipédia, que a definiu e caracterizou muito bem. Expô-la da seguinte forma: “Fluxo de consciência é uma técnica literária... em que se transcreve o processo de pensamento integral de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de idéias”.

Trocando em miúdos, é o ato do autor entrar na pele de determinado personagem (literalmente incorporá-lo) e fazer com que este pense. Mas não se trata só do “que” ele pensa, mas também, e sobretudo, “como” ele faz. Nossas idéias passam por uma fase em que, se mostradas no nascedouro, mostram-se incoerentes a terceiros, misturando palavras, com “flashes” de vaguíssimas impressões sem os termos correspondentes que as explicitem. Antes de expressá-las, quer oralmente quer por escrito, elas são ininteligíveis aos outros. Daí Wikipédia acrescentar à sua definição: “A característica não linear do processo de pensamento leva frequentemente a rupturas na sintaxe e na pontuação”.

O fluxo de consciência, portanto, requer absoluta concentração, diria extrema, tanto do escritor quando a utiliza, quanto (e principalmente) do leitor, que é levado a pensar rigorosamente como o autor – aliás, na verdade como o personagem que ele incorpora – e entendê-lo, posto que não consiga explicar o que e como entendeu. Complicado, não é verdade? Todavia, se fosse simples, todo e qualquer escritor neófito utilizaria essa técnica amiúde sem maiores problemas. Mas... não é o que acontece.

Para esclarecer um pouco mais tão complexo assunto, peço-lhe licença para transcrever mais este trecho da Wikipédia: “O exame radical do pensamento pode ser feito por outros meios. Por exemplo, em ‘A consciência de Zeno’o personagem registra suas impressões em um diário, conforme ordenado pelo seu psicanalista. Isso não pode ser considerado fluxo de consciência. A técnica também não deve ser confundida com a escrita automática dos surrealistas”.

Peço-lhe escusas se não consegui ser suficientemente claro e didático para esclarecer todas suas dúvidas a respeito, como pretendia. Mas, estas reflexões, com todas suas falhas ditadas por minha possível ou provável incompetência, tem, pelo menos, um grande mérito: o de informar-lhe da existência da técnicas literária do fluxo de consciência e de permitir-lhe, portanto, consultar outras fontes mais claras e melhores.


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