Pedro J. Bondaczuk
As pessoas (pelo menos boa parte delas), quando crianças, sempre que indagadas a respeito do que querem ser quando crescerem, falam as primeiras coisas que lhes vêm à cabeça. Citam, quase sempre, as profissões da moda que excitem suas fantasias. Parte delas diz, por exemplo, que quer ser médico, advogado, engenheiro e algumas outras profissões liberais, talvez influenciadas pelos pais ou outros parentes. É comum algumas dizerem que sonham em ser jogadores de futebol, artistas de cinema ou de televisão, cantores e vai por aí afora. Em certa época, influenciados pelo carismático Ayrton Senna, muitos manifestaram a fantasia de tornaram-se pilotos de Fórmula 1. Na década de 60 do século passado, era comum crianças afirmarem que seriam astronautas. Entre as meninas, prevalecem profissões que conferem fama (e às vezes fortuna), como modelos, atrizes e cantoras.
Todavia, são raras, raríssimas as pessoas que, quando adultas, conseguem realizar esses sonhos e fantasias da infância. A vida é muito complexa e, quase sempre, o obstáculo às pretensões, factíveis ou não, são de tal sorte que se tornam, por uma razão ou outra, insuperáveis. Afinal, como o filósofo espanhol José Garcia y Gasset cansou de reiterar, o homem é “ele e suas circunstâncias”. Uns enfrentam-nas e as superam. Outros, apesar de encará-las, são vencidos por elas. E terceiros submetem-se passivamente ao seu jugo, sem sequer moverem uma palha para mudá-las a seu favor.
Como toda criança, também disse, quando perguntado, o que desejava ser. E como todo mundo (ou pelo menos a maioria) citei três profissões que me excitavam a fantasia, por razões diferentes: médico, cientista e escritor. A primeira quase alcancei. Cheguei a cursar o primeiro ano de Medicina, mas tive que, à minha revclia, me dar por vencido pelas circunstâncias. Asseguro-lhes que não foi por falta de vontade, ou por comodismo, ou por covardia. Fui forçado a admitir a derrota e partir para outra, pois a vida não pode parar. Ainda tinha dois sonhos para correr atrás e decidi fazê-lo.
Para ser cientista, óbvio, eu deveria ser muito bom em algum dos ramos da ciência. Ao longo do antigo curso científico, fui aluno muito bom em química, matéria que eu tinha grande facilidade de absorção. Nunca me vi, todavia, como um químico. E muito menos como pesquisador dessa disciplina. Até porque, nossas escolas formam pessoas nessa especialidade com vistas a trabalharem em indústrias (farmacêuticas ou não). Quem iria me pagar para qu7e eu passasse a vida toda a fazer experiências? Certamente, ninguém.
Quanto à biologia, a matéria sempre se constituiu em minha preferida (depois do Português e um pouco antes da Matemática). Aliás, foram esse gosto e essa facilidade que me levaram a optar pela Medicina. Não me via, pois, como biólogo, dedicado exclusivamente à pesquisa, como compete a um cientista. Restava-me a física. E foi aí que a coisa pegou. Sempre tive imensas dificuldades nessa matéria e, por causa dela, quase fui reprovado no vestibular de Medicina. A conclusão lógica a que cheguei, pelo exposto, é que jamais seria pesquisador de qualquer ramo daqs ciências. Portanto, o sonho de ser cientista teve que ser abortado, para meu desgosto.
Restava-me, pois, a última opção, a menos popular (e menos rentável) das três, mas para a qual eu tinha inequívoca vocação. A necessidade de “ganhar” a vida, custear minha manutenção pessoal e pagar para satisfazer minhas necessidades (e até fantasias), levaram-me a esquecer da literatura como profissão e fazer dela um hobby, uma diversão, fonte de lazer e satisfação. Tinha que ser prático e abracei o jornalismo. Minha vocação para as letras, porém, em vez de se ver sufocada e esquecida, teimava em se manifestar, aqui e ali, nos textos jornalísticos. É verdade que desde os dez anos de idade eu escrevia poesias, mas apenas para mim mesmo (de início) e, mais tarde, para impressionar as meninas.
À certa altura da minha prática jornalística, passei a ensaiar, reservadamente, ainda sem divulgar para ninguém, um conto aqui, uma crônica ali, um ensaio acolá. Quando me dei conta, essa produção já era considerável. Comecei a mostrar esses textos literários aos outros e esperar as opiniões. Tive a cautela de engolir o orgulho, acorrentar a vaidade e dar ouvidos aos que apontavam defeitos no que eu escrevia. E, não apenas isso, comecei a corrigir deficiências e vícios de linguagem apontados por meus benignos críticos (aos quais odiava secretamente e hoje sou sumamente grato).
Foram inúmeras as produções que, tão logo concluídas, me pareciam perfeitas, geniais e obras-primas que, submetidas à fria análise de terceiros, caiam como castelo de cartas, cheias de erros, vícios e contradições. É assim, todavia, que se forjam os escritores. Ou seja, na rudeza, no solo áspero da realidade. Provavelmente é por isso que somos tão carentes e inseguros. Essa deve ser a razão de sempre acharmos que não fizemos o melhor em nossos textos, por mais corretos, originais e criativos que sejam. Este é o motivo de algum elogio – quando sentimos ser sincero e vindo de pessoas habilitadas a criticar e elogiar – nos é mais precioso do que um vagão carregado de ouro 24 quilates ou mesmo de um trem inteiro. Não se trata de vaidade, como os leigos acham que seja. É um desafogo, um alívio à torturante insegurança que nos persegue.
O que nos leva a escrever tanto, sacrificando descanso, lazer e vida social, não é a esperança de lucros (ademais, salvo exceções, a literatura não é atividade que se possa, sequer remotamente, classificar de lucrativa). É a ânsia, quase obsessão (ou mais do que ela) pela aprovação. Pode até ser uma atitude neurótica (provavelmente é). Muitos não conseguem conviver com esse sentimento de perpétua insegurança, e mergulham de cabeça no álcool e nas drogas. É a burrice das burrices. Outros, como eu, produzem e produzem e produzem textos e mais textos, frenética e compulsivamente, à espera da bênção de um elogio honesto e sincero e que a intuição sugira que foi merecido.
Quase que sem querer, o terceiro dos meus sonhos de infância se concretizou. Contudo, até hoje não cheguei à conclusão se essa realização é um bem ou um mal. Jamais saberei. Pode ser que tudo o que escrevi, com tamanho esforço e tanta vontade de acertar, se perca por completo e caia no absoluto esquecimento. Pode ser. E, caso não caia e perpetue meu nome (e principalmente minha obra) na memória das gerações, essa glória de nada me valerá, além túmulo. Que estranhos seres somos nós, os escritores!
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