Pedro J. Bondaczuk
As análises que fiz das anotações que extraí da leitura de algumas biografias do escritor norte-americano Edgar Alan Poe sugerem-me duas de suas características: genialidade e excentricidade. Provavelmente ambas tendem a andar juntas e uma complementa a outra. Quanto à primeira, não tenho dúvidas: o sujeito foi um gênio, pelo menos da Literatura. Convenhamos que não é qualquer escritor que cria um gênero literário novo que, claro, não existia. E Poe criou, logo de cara, dois: foi o pioneiro dos contos de terror e o lançador das histórias policiais, ou seja de enredos de crime e detecção.
Por outro lado me parece que excentricidade e genialidade andam de mãos dadas. Claro que isso não quer dizer que todo excêntrico seja, e apenas por essa razão, automaticamente gênio. Conheço muito maluco, que se destaca por atitudes, digamos, bizarras e “fora do eixo” e que é apenas doido mesmo. Mas... o inverso, ou seja, o fato de indivíduos reconhecidamente geniais serem dados a excentricidades, parece-me verdadeiro. Tomo como exemplo o físico Albert Einstein. Todos admitem que se tratou de um gênio. E os que conviveram com ele são unânimes em testemunhar que era excêntrico de carteirinha. Coincidência? Talvez. Enfim...Uma coisa ficou associada à outra.
Se Edgar Alan Poe foi excêntrico – o que, reitero, pude concluir das anotações que extraí de várias de suas biografias que li – o que dizer de alguns de seus admiradores? Não de todos, é evidente, até porque toda generalização é burra. Mas alguns deles... Parecem (não são?) doidos varridos. Explico.
Em janeiro de 1985, mais especificamente no dia 18, daquele ano, cerca de 400 fanáticos pela obra de Edgar Alan Poe se reuniram, em Baltimore, no Estado norte-americano de Maryland, para celebrar o 176º aniversário de nascimento do escritor, que ocorria naquela data. Até aí, nada demais. Qualquer fã de fato de alguma personalidade, artística ou não, age assim. É uma lembrança carinhosa, até mesmo louvável, uma espécie de homenagem e mais, reverência ao talento de alguém.
A excentricidade, no caso, está no local em que o grupo se reuniu. Não foi em nenhum salão de festas de algum luxuoso hotel, nem em num clube e muito menos no auditório de determinada universidade. Sabem onde se deu esse encontro? No cemitério de Baltimore!!! A imprensa noticiou isso com destaque. Publiquei também a notícia no Correio Popular de Campinas onde na época era editor. Isso que é excentricidade! Mas a maluquice dessas quatro centenas de excêntricos não parou por aí.
A reunião ocorreu no túmulo de Edgar Alan Poe, à luz de velas. Querem mais? Começou exatamente à meia-noite e um minuto, ou seja, na passagem do dia 17 de janeiro para 18. E a cerimônia só terminou alta madrugada, quando o último dos mais de 400 fãs do escritor leu o seu texto predileto. Se a tal reunião fosse realizada em uma noite quente e enluarada de verão, seria também excêntrica, mas até compreensível. Ainda mais se ocorresse à luz da Lua Cheia, que excita os malucos de plantão.
Mas o insólito encontro, que se repetiu nos anos seguintes, nos demais dias 18 de janeiro, se deu em plena noite de inverno, sob nevasca intensa, com os termômetros marcando vários graus Celsius abaixo de zero! Quem já esteve em Baltimore, sabe como ela é gelada nessa época do ano. Classificar os integrantes desse bando de excêntricos ainda me parece pouco, muito suave e comedido. Bem que eu gostaria de contar com leitores tão fieis. E nem precisa ser tanto. Basta que gostem do que escrevo, sempre se lembrem de mim com respeito e que recomendem meus textos aos amigos e conhecidos.Tudo isso já seria de bom tamanho.
Bem, concluo, da leitura das anotações que fiz das várias biografias de Alan Poe que extrai, que o escritor apreciaria essa excêntrica reverência dos seus fãs se a testemunhasse. Nunca testemunhou algo nem de longe parecido. O mundo desse genial homem de letras era povoado de figuras estranhas (pudera!), malévolas e aterrorizantes. Ele limitou-se a descrevê-lo e de forma a mexer com os nervos dos mais fracos (e de muitos que se acham fortes). Muita gente adora histórias de terror (confesso que esse tipo de enredo está anos-luz distante da minha preferência). Leiam seus contos. Se estiverem sozinhos, duvido que não procurarão companhia, de medo de serem atacados por algum dos personagens tétricos (malucos?) que parecerá estar escondido nas sombras.
Além de excêntrico, Edgar Alan Poe teve uma vida sofrida, amarga, sumamente infeliz. Foram inúmeras as vezes em que esse gênio das letras, considerado entre os principais expoentes não somente da rica literatura norte-americana, mas do mundo, foi escorraçado de fétidos e decadentes bares, como um vagabundo qualquer. Vezes sem conta ficou despojado da dignidade, largado em sarjetas sujas de ruas de Nova York, Boston, Baltimore e outras tantas cidades por onde passou, embriagado, narcotizado, totalmente inconsciente da degradação física e moral a que chegou. Em inúmeras ocasiões em que se tornou inconveniente (e a maioria dos bêbados tende a ser chata de doer), dormiu em infectos xadrezes, de delegacias de polícia, em meio aos mais reles vagabundos e marginais.
É incrível a necessidade que alguns gênios demonstram de recorrerem ao álcool, no afã de espantarem fantasmas e afogarem demônios interiores! Para mim, isso é incompreensível. Pudera! Não passo de um sujeito normal (baseado no parâmetro convencional de “normalidade”). Alan Poe não foi o único escritor (longe disso) a viver esse drama. Vêm-me à memória muitos, muitíssimos casos semelhantes. A relação, aliás, é bastante extensa.
Citaria, por exemplo, Paul Verlaine, uma das glórias da poesia francesa (um dos cinco “poetas malditos” do Simbolismo). Ou o imortal criador de “Main Street”, Sinclair Lewis, o primeiro escritor norte-americano a conquistar um Prêmio Nobel de Literatura (o de 1930). Ou o dramaturgo Eugene O’Neil (sobre o qual escrevi neste espaço, tempos atrás), outro que conquistou essa láurea (em 1936) e que, de “lambuja”, ganhou um Pulitzer, autor da admirável peça “Longa jornada noite adentro” (entre outras). E a lista pode ser esticada por páginas e mais páginas, acrescentada dos nomes de Jack London (que escreveu, entre outros livros, “John Barlycorn, ou Memórias alcoólicas”), O. Henry (notável contista, cujo nome de batismo era William Sidney Porter), e este monumento das letras dos EUA que foi F. Scott Fitzgerald.
Quanto às excentricidades, infelicidades, defeitos e virtudes de Edgar Alan Poe, tratarei em outra ocasião, que pode, ou não, ser já amanhã. Afinal, também sou um tanto excêntrico (está bem, sou muito!), posto que nunca tenha me considerado gênio ou sequer próximo da genialidade e gosto, às vezes, de me fazer de difícil.
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